Valor econômico, v. 15, n. 3729, 04/04/2015. Opinião, p. A12

 

Levy age para colocar um fim na 'contabilidade criativa'

 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tomou uma decisão importante na semana passada. Ele preferiu arcar com o ônus de apresentar números menos favoráveis nas contas públicas em fevereiro, em vez de continuar com a prática da chamada "pedalada fiscal". Esse mecanismo, amplamente utilizado na gestão econômica anterior, adia o pagamento da despesa de um mês para o outro e, assim, melhora artificialmente o resultado primário.

Durante audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na semana passada, Levy disse que o governo fez alguns pagamentos que, por conveniência, poderia ter jogado para março. "Achamos importante dar tempestividade aos pagamentos, mesmo que tenhamos cifras menos favoráveis", afirmou.

A decisão de Levy dará maior transparência à execução orçamentária, credibilidade à política fiscal do governo e previsibilidade para todos os fornecedores da União. A decisão representa o fim da chamada "contabilidade criativa", que infelizmente marcou a administração das contas públicas nos últimos anos.

A eliminação da "criatividade" contábil será um feito considerável do ministro da Fazenda, que ajuda muito a restabelecer a confiança dos mercados na condução da política fiscal e mostra um governo efetivamente comprometido com o ajuste das contas públicas.

No entanto, é preciso ter consciência de que a mudança, correta sob todos os aspectos, vai dificultar o cumprimento da meta fiscal deste ano. Com a regularização dos pagamentos, o governo irá reverter algumas "pedaladas" feitas no passado recente e este movimento pressionará o caixa do Tesouro.

O resultado do Tesouro Nacional do mês de fevereiro mostrou isso. Pagamentos de despesas que deveriam ter sido feitos em fevereiro do ano passado foram adiados para março, mas em fevereiro deste ano tiveram que ser realizados, o que elevou o déficit primário do governo central (que compreende o Tesouro, a Previdência e o Banco Central) para R$ 7,4 bilhões, o maior para o mês desde 1997.

Ainda não está claro até que ponto o Ministério da Fazenda pretende chegar na eliminação das "pedaladas" ainda em 2015, pois o passivo de despesas não pagas, acumulado nos últimos anos, é elevado. Basta lembrar o montante superior a R$ 19 bilhões que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o Tesouro deve ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pela equalização de taxas de juros nos empréstimos subsidiados concedidos no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

De qualquer forma, o superávit primário do governo federal (inclui as estatais) nos dois primeiros meses deste ano foi muito ruim, de apenas R$ 2,35 bilhões ou 4,2% de sua meta estabelecida para 2015, de R$ 55,3 bilhões. No acumulado de 12 meses terminado em fevereiro, o governo federal (com suas estatais) ainda está com um déficit primário equivalente a 0,55% do PIB. Ou seja, o déficit aumentou na comparação com dezembro de 2014.

Houve, em fevereiro, um dado que tornou ainda pior o resultado fiscal. A alta de mais de 8% do dólar no segundo mês deste ano resultou em um gasto recorde de R$ 27,3 bilhões para o Banco Central com as operações de swap cambial. Com isso, a despesa do setor público com juros chegou a R$ 56,3 bilhões, elevando consideravelmente o déficit nominal. No período de 12 meses terminado em fevereiro, o déficit nominal chegou a 7,34% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior da série histórica do Banco Central.

Em março, os analistas do mercado projetam que as operações de swap cambial darão um prejuízo ainda maior ao BC, algo em torno de R$ 36 bilhões. Durante a audiência pública na CAE, Levy fez ressalvas às operações de swap cambial. Ele disse que os custos são elevados e afirmou que "tudo o que a gente dá com uma mão, acaba o BC tendo que tirar com a outra". Ou seja, o governo faz um grande esforço para gerar um superávit primário e, com isso, ajudar a estabilizar a dívida em proporção do PIB, mas o custo financeiro das operações de swap cambial atua em direção contrária, elevando o endividamento. Se as projeções do mercado estiverem certas, o custo desse programa, apenas em fevereiro e março, chegará a R$ 63 bilhões, quase o mesmo montante dá meta fiscal do ano.