Valor econômico, v. 15, n. 3729, 04/04/2015. Opinião, p. A13

Oportunidades e ameaças da Lava-Jato

Por Gustavo Loyola

As consequências da operação Lava-Jato sobre a atividade econômica serão devastadoras no curto prazo. A Petrobras sozinha é responsável por cerca de 10% da Formação Bruta de Capital Fixo na economia e as empresas privadas envolvidas participam significativamente do investimento em infraestrutura no país. Assim, a queda esperada dos investimentos nos setores de óleo e gás e de infraestrutura repercutirá de maneira relevante sobre o crescimento do PIB em 2015 e 2016, agravando ainda mais a conjuntura econômica já desfavorável pela concorrência de outros fatores.

No médio e longo prazo, porém, a Lava-Jato traz uma oportunidade ímpar para melhorar as perspectivas de crescimento do país, dependendo de como sejam apreendidas as lições do episódio, no que tange ao aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições relevantes para o bom funcionamento dos mercados. Lastimavelmente, há simultaneamente a ameaça de que o escândalo de corrupção acabe por gerar reações regulatórias que levem à piora do já pobre ambiente de negócios no país, transformando em permanente para o futuro um custo que deveria ser transitório.

Do lado das oportunidades, a Operação Lava-Jato deveria servir para enterrar uma série de falácias sobre a pertinência da intervenção do Estado como empresário e "organizador" do mercado. O ordálio da Petrobras - que é muito mais do que o da corrupção - sintetiza tudo de ruim que pode resultar de uma desastrada intervenção do Estado no domínio da economia.

Estatal deixou de ser uma empresa petrolífera para se tornar um braço opaco de políticas de governo equivocadas

A mistura de um modelo de partilha mal ajambrado com a tosca ideia do conteúdo nacional obrigatório gerou um mostrengo anacrônico e ineficiente que destruiu o que a Petrobras tinha de melhor. A estatal deixou de ser uma empresa petrolífera para se tornar um braço opaco de políticas de governo equivocadas, como a reserva de mercado, o apoio ao bolivarianismo, sem contar ter-se transformado em mecanismo estapafúrdio de financiamento partidário.

Não há como resolver os problemas da Petrobras sem se jogar definitivamente no lixo as péssimas políticas adotadas para o setor de óleo e gás nos últimos anos. O modelo de partilha para o pré-sal deve ser revisto, assim como abandonada a veleidade de utilizá-lo como veículo para incentivar artificialmente a indústria nacional. A existência de grandes depósitos de óleo e gás no mar brasileiro pode sim levar ao desenvolvimento de uma forte e diversificada cadeia produtiva no setor, mas não de maneira artificial e tendo o governo como principal empresário, provedor de recursos e ditador de regras protecionistas.

Outra questão posta em relevo pela Lava-Jato diz respeito ao monopólio de fato exercido pela Petrobras na maioria dos segmentos da cadeia do petróleo e gás e a expansão de sua atuação nos anos petistas para setores adjacentes como o da energia elétrica e dos biocombustíveis, além da reversão - de maneira opaca - da desestatização do setor petroquímico ocorrida nos anos 1990.

Até a chegada do PT ao poder, na esteira da reforma que acabou com o monopólio legal da Petrobras, caminhava-se para um modelo de mercado competitivo no qual o capital privado seria atraído para investir em todos os segmentos da cadeia, desde a exploração até a distribuição de combustíveis, sob regras imparciais a cargo de uma agência reguladora - a ANP - que se suponha fosse autônoma.

Infelizmente nada disso ocorreu. A ANP, assim como todas as demais agências reguladoras, teve seu papel diminuído e seus cargos de direção acabaram sendo parte do loteamento político do governo. Passivamente, a agência viu o governo manipular descaradamente as regras do mercado, induzindo as empresas privadas a se associarem à estatal dominante, como uma espécie de "seguro" contra a insegurança jurídica. Ao mesmo tempo também, ao permitir ou mesmo obrigar a Petrobras a manter os preços domésticos dos combustíveis abaixo dos seus preços internacionais, o governo alijou completamente o setor privado dos setores de refino e importação de combustíveis. A pá de cal na ideia de um mercado competitivo veio com as desastrosas regras do pré-sal que, entre outras pérolas, obrigaram a participação mínima da Petrobras na exploração desses campos.

Ainda no campo das oportunidades, a Lava-Jato mostra claramente a necessidade de correção da deficiente governança das empresas estatais e da eliminação da falta de transparência no relacionamento entre as mesmas e seu acionista controlador. Sem dúvida, o melhor seria o Estado brasileiro abandonar de vez a ideia de ser empresário, inclusive no setor do petróleo. Porém, na ausência da privatização, o mínimo que se espera é que as companhias estatais obedeçam às mesmas regras de governança que o Estado impõe normativamente às companhias abertas de capital privado. A megacapitalização da empresa em 2010 pelo Tesouro em troca da cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo no fundo do mar e uso da Petrobras nos esquemas de contabilidade criativa do Tesouro Nacional perpetrados pela dupla Mantega e Augustin são provas claras de como o governo fez tabula rasa da regulação e das práticas do mercado de capitais.

Há outras oportunidades e ameaças trazidas pela Operação Lava-Jato que abordarei em um próximo artigo, inclusive no que diz respeito às normas que regem as contratações de obras pelo setor público no Brasil.

Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras. gloyola@tendencias.com.br