Valor econômico, v. 15, n. 3729, 04/04/2015. Opinião, p. A13

 

Falta de recursos paralisa operações de seguro rural

Por Cristiano Zaia | De Brasília

Ainda faltam três meses para o término do atual ano agrícola (2014/15), que começou em julho do ano passado, mas até agora o governo pagou apenas R$ 10 milhões do total de R$ 700 milhões que a presidente Dilma prometeu para subsidiar os prêmios das apólices de seguro rural contratadas por milhares de produtores em todo país ao longo da temporada. As subvenções pagas pelo Tesouro Nacional, custeiam entre 40% e 60% do valor total das apólices a depender da cultura e da região.

O seguro rural com juros subsidiados é uma das ferramentas disponíveis para que os agricultores protejam suas plantações de verão ou de inverno de intempéries como estiagens, geadas e chuvas de granizo, por exemplo. Mas as sete seguradoras que atuam nesse segmento no Brasil e já emitiram apólices no ciclo atual, acusam o governo de ter lhes dado um verdadeiro calote. Agora, ameaçam cobrar a dívida dos próprios agricultores e dizem que poderão até abandonar o mercado diante das incertezas geradas pela falta de recursos.

A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, vem negociando pessoalmente com os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) a liberação dos recursos prometidos e já teve aval da presidente Dilma para pagar as pendências. Até agora, entretanto, nada aconteceu.

Em janeiro, o Valor informou que devido a uma série de atrasos do governo, R$ 300 milhões que deveriam subvencionar o seguro rural não haviam sido sequer empenhados pelo Ministério da Agricultura e ainda estavam sem solução. O Orçamento de 2014 previa somente R$ 400 milhões - logo, os R$ 300 milhões restantes tiveram que ser garantidos por um projeto de lei aprovado em dezembro pelo Congresso. A presidente Dilma Rousseff conseguiu sancionar a Lei 3.077/2014 no último dia do ano.

Mas, até a última sexta-feira, o governo também acumulava uma dívida de R$ 390 milhões referentes aos R$ 400 milhões inicialmente previstos no Orçamento e autorizados para custear o seguro rural na contabilidade dos restos a pagar, como mostra consulta à execução orçamentária de 2014. Apenas R$ 10 milhões foram efetivamente pagos.

No último dia 31 de março venceu o prazo de seis meses que o governo tinha para quitar R$ 330 milhões desses R$ 400 milhões. Até o fim de abril expira o limite final para mais R$ 60 milhões. Ou seja, na prática o governo já está inadimplente com seguradoras e produtores rurais.

"Temos esperança de receber esse dinheiro, mas até hoje não tivemos nenhuma sinalização de que isso será resolvido. Por acreditar no governo, as seguradoras estão com um rombo que precisa ser sanado", afirmou ao Valor Luiz Foz, diretor da Comissão de Seguros da Fenaseg, entidade que representa as empresas de seguro que atuam no Brasil.

De acordo com Foz, quanto mais o imbróglio demora para ser solucionado, maior é o risco de os próprios agricultores terem que arcar com essa dívida. Os contratos de apólice firmados nesse frente preveem que, se o governo federal não pagar a parcela da subvenção que deve, a conta fica com o produtor.

Nelson Costa, superintendente da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), afirma que a falta de repasse desses recursos já prejudicou a cobertura de seguro rural nas plantações de milho safrinha, cuja semeadura ganha força a partir de fevereiro.

"A maioria das lavouras de milho foi cultivada sem seguro, porque a seguradoras não estão celebrando contratos novos. Antes desse problema, tínhamos 50% das plantações de milho cobertas por seguro rural no Paraná. Atualmente, esse percentual caiu para 10% - ou seja, 90% do cultivo está descoberto", destacou Costa.

Ele também advertiu que a situação tende a se agravar com o trigo, que começará a ser plantado no Paraná nas próximas semanas. "Para o cereal, geralmente temos 70% das nossas lavouras seguradas. Se não vier o pagamento da subvenção, a taxa deverá diminuir para 30%", disse o dirigente.

O deputado federal Roberto Balestra (PP-GO), da Frente Parlamentar da Agropecuária, contou que, em recente audiência com a ministra Kátia Abreu, ela informou que os recursos começariam a ser pagos neste início de abril. "A ministra me disse que está economizando despesas internas para saldar compromissos, como o seguro rural", afirmou.

No Congresso, a ministra também garantiu recentemente que os recursos serão pagos. No fim de janeiro, ela até chegou a prometer R$ 750 milhões para subvencionar o seguro no Plano Safra 2015/16. Porém, no Orçamento 2015, que será sancionado por Dilma nos próximos dias, estão previstos apenas R$ 688 milhões.

IFC fortalece as apostas em agroindústrias brasileiras

 

Por Fabiana Batista | De São Paulo

 

Luis Ushirobira/ValorLuiz Daniel Campos: carteira de agronegócios deverá atingir US$ 560 milhões

A despeito das restrições de crédito que rondam o campo brasileiro, o IFC, braço de financiamentos corporativos do Banco Mundial, pretende no mínimo manter o ritmo de avanço de suas operações no setor de agronegócios no país. A instituição já vem fechando de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões por ano em novos negócios nessa frente, a maior parte nas áreas sucroalcooleira e de proteína animal.

No exercício que se encerrará em junho de 2015, a instituição deverá aplicar ao menos US$ 150 milhões, dos quais 80% já foram desembolsados. São três projetos, dois dos quais sucroalcooleiros. Uma das operações foi um aporte em troca de participação acionária (equity) na Biosev, controlada pela múlti francesa Louis Dreyfus Commodities (LDC). O IFC injetou em fevereiro passado US$ 50 milhões e adquiriu 5% do capital da companhia, segunda maior produtora de açúcar e etanol do país.

Outra operação de peso neste ano fiscal foi um financiamento à Delta Sucroenergia. Os recursos, de US$ 80 milhões, integraram um amplo programa de investimentos da empresa. Esse programa, que contou com R$ 250 milhões do BNDES, tem como principal ação um aumento da capacidade de cogeração de energia elétrica a partir do bagaço de cana.

"O terceiro projeto, de US$ 20 milhões, deverá ser aprovado no fim de junho. É de uma empresa do segmento florestal", disse ao Valor Luiz Daniel Campos, executivo responsável por agronegócios na IFC Brasil.

A expectativa da instituição é que sua carteira de agronegócios alcance US$ 560 milhões no Brasil até o fechamento do ano-fiscal 2015, em 30 de junho, incluindo investimentos por meio de outras instituições financeiras. Desse montante, cerca de US$ 380 milhões serão em aportes diretos do IFC.

No fim do último ano fiscal, em junho de 2014, o IFC detinha no Brasil uma carteira de US$ 4,3 bilhões, considerando todos os setores financiados. Desse total, US$ 315 milhões eram de projetos no agronegócio, sendo US$ 250 milhões referentes a aportes diretos da instituição. "Considerando a importância do agronegócio no Brasil, talvez esse volume ainda seja pequeno. Mas somos muito criteriosos nas análises de sustentabilidade dos projetos e não terceirizamos esse trabalho de auditoria. Tudo é feito pelas nossas próprias equipes", afirmou Campos.

Aproximadamente 40% do montante aplicado no agronegócio no exercício findo em julho de 2014 foi aplicado em operações de açúcar e etanol, informou o executivo. O segmento de proteína animal participou com cerca de 30% desse total e o restante foi distribuído a outros segmentos.

De acordo com Campos, fazem parte dessa carteira desde projetos ligados à atividade primária no campo (agricultura e pecuária) até indústrias de transformação.

Além de financiamentos convencionais, para investimento, capital de giro, prestação de garantias e exportação, o IFC também injeta recursos em troca de participações acionárias, como no caso da Biosev.

Atualmente, metade da carteira do banco no agronegócio brasileiro está estruturada em equity e a outra metade, em dívida. Além dos 5% que tem na sucroalcooleira, a instituição é dona de 2,5% na Minerva Foods, que tem foco em carne bovina.

Com um raio de ação que alcança 184 países, o IFC fez seu primeiro investimento no Brasil em 1956, lembrou Campos. As operações não oferecem taxas de juros subsidiadas ou mais baixas quer as oferecidas no mercado. O diferencial das linhas do IFC é o prazo, geralmente superior a cinco anos - algo ainda não tão usual em mercados como o Brasil. "A média da nossa carteira do agronegócio é de oito anos", disse ele.

Somente o BNDES costuma oferecer linhas de mais longo prazo, mas com restrições diferentes das adotadas pelo IFC. "Somos complementares ao BNDES. O banco de fomento nacional não financia, por exemplo, aquisição de equipamentos importados, nem compra de terras e de empresas. O IFC não faz essas restrições", detalhou Campos.

Todas as operações passíveis de receber recursos do IFC passam por diligência, feita por uma equipe própria do banco. São verificadas as condições de sustentabilidade financeira e operacional da empresa demandante, bem como seus processos sócio-ambientais. "Ser financiado pelo IFC funciona como uma espécie de carimbo de adoção das melhores práticas. Nosso objetivo é estar à frente dos bancos tradicionais, mostrando para o mercado os melhores padrões".

O processo de seleção é detalhado, com visitas in loco para verificar as condições do trabalho da companhia. As operações também não podem ser inferiores a US$ 20 milhões.

No caso das usinas de cana-de-açúcar, que hoje formam a maior parte da carteira da instituição no agronegócio, são observados o impacto na biodiversidade no caso de projetos de expansão de capacidade, assim como as condições de saúde e proteção ao trabalhador e o atendimento às legislações trabalhista e ambiental. O banco também verifica outros quesitos, como tratamento de efluentes e destinação de resíduos. "O que eu posso dizer é que a parte trabalhista no Brasil é muito avançada".

No agronegócio, setor no qual inclui alimentos e bebidas, o IFC somente não financia os segmentos de fumo e bebidas alcoolicas. As empresas financiáveis, entretanto, também podem ser alvo de condicionantes para receber recursos. No caso de produtoras agrícolas, por exemplo, são fechados acordos para estabelecer um plano de eliminação gradual do uso de determinados agrotóxicos que tenham níveis de toxidade acima do permitido pela ONU.

"Não esperamos que as empresas estejam fazendo tudo 100% certo. Mas é estabelecido um plano de readequação com a expectativa de que as melhores práticas sejam aplicadas dentro dos prazos".