Valor econômico, v. 15, n. 3727, 01/04/2015. Brasil, p. A5

 

Ampliação da desoneração da folha salarial elevou o custo do benefício por trabalhador

 

Por Marta Watanabe | De São Paulo

A ampliação da desoneração de folha de pagamentos no ano passado elevou o custo do benefício por trabalhador. Em 2013, o custo do benefício por empregado era de R$ 118 mensais. No ano passado, o custo por trabalhador subiu para R$ 137 ao mês. A elevação aconteceu porque a quantidade de vínculos criados em decorrência dos novos setores contemplados pela medida aumentou em proporção menor que o valor de renúncia total desses segmentos. O maior custo por empregado, que antes era de R$ 796,3 mensais no segmento de transporte aquaviário, subiu para R$ 2.348 mensais por empregado da área de extração de petróleo e gás natural, setor que entrou na desoneração em 2014.

As atividades de serviços financeiros estão em segundo lugar na classificação dos segmentos com maiores custos da desoneração por trabalhador em 2014, com renúncia de R$ 1.012 mensais por empregado. Em terceiro vem mais uma vez o transporte aquaviário, com custo de R$ 777 ao mês por trabalhador.

 

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A desoneração de folha, cuja alteração deve ser discutida em proposta de lei no Congresso após tentativa frustrada do governo federal de encaminhar o assunto via medida provisória, representa renúncia fiscal de R$ 25,2 bilhões anuais. Para reduzir esse desembolso o governo federal propõe a elevação de alíquotas calculadas sobre faturamento, dando ao contribuinte a possibilidade de optar pelo regime de tributação.

Os cálculos de custos constam de estudo dos economistas José Roberto Afonso e Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV. O levantamento verificou o impacto da desoneração de folha em 2014. Para fazer a conta, o estudo baseou-se em dados de renúncia com a desoneração até novembro divulgados pela Receita Federal, sendo que dezembro e o décimo-terceiro foram estimados com base em dados do relatório de arrecadação.

O benefício por trabalhador, diz Afonso, é muito diferente de uma para outra atividade beneficiada. "Há uma profunda dispersão em relação à média e com lógica invertida a da propagada inserção social, porque, ao que parece, os de maior salário são os que mais se beneficiam", diz Afonso.

Vilma destaca que, em alguns segmentos, a renúncia é relativamente alta para o número de trabalhadores existentes na atividade desonerada. É o caso do setor de extração de petróleo e gás natural, exemplifica. Nesse segmento, diz, a renúncia de cerca de R$ 2,7 milhões anuais se refere a 95 vínculos empregatícios, o que resulta numa renúncia de R$ 28.176 ao ano por trabalhador do setor e num custo mensal de R$ 2.348 por vínculo.

Para Afonso, com a evolução e ampliação do benefício nos últimos anos perdeu-se a ideia básica de que a desoneração beneficiaria a indústria com mão de obra intensiva e exposta à concorrência externa. "Inicialmente era assim que a desoneração foi concebida e aplicada. Mas a ampliação sem critério técnico da lista de beneficiados revelou que muitas atividades não industriais, e nem mesmo expostas à concorrência internacional, se beneficiavam mais do que aquelas que realmente precisariam."

Para Afonso, essa mudança de rumo no benefício não aconteceu apenas em 2014. Esse princípio, diz ele, foi perdido logo, quando foram incluídos segmentos como call centers e hotéis, que não enfrentam concorrência estrangeira. O call center entrou na desoneração pela Lei 12.546, de 2011, e os hotéis, pela Lei 12.715, de 2012. "A própria indústria de transformação, que seria a principal interessada na medida, foi paulatinamente perdendo espaço no total de renúncia", diz o estudo.

Apesar da perda de espaço, porém, a indústria continua sendo, dentre todos os grandes setores, a que mais se beneficia com a desoneração. Já contabilizando quem ganha e quem perde com a desoneração, a indústria responde por saldo de R$ 9,63 bilhões, o que equivale a 38% da renúncia líquida do governo com o benefício, de acordo com dados da Fazenda.

Entre os primeiros setores beneficiados pela desoneração segundo os critérios de mão de obra intensiva e mais vulneráveis à concorrência externa, o setor calçadista foi contemplado no ano passado com renúncia bem próxima à média, com custo de R$ 160 mensais por empregado. No vestuário a renúncia foi de R$ 139 por trabalhador ao mês.

O estudo do Ibre destaca ainda que nem todas as empresas dos setores desonerados ganharam com o benefício. Atualmente, os setores desonerados recolhem a contribuição previdenciária calculada a 1% ou 2% do faturamento em vez de pagar o tributo a 20% sobre a folha de salários. Pelas regras em vigor, uma vez que o setor foi incluído na desoneração, todas as empresas são obrigadas a calcular a contribuição sobre faturamento.

Dados divulgados pela Fazenda mostram que as empresas que perderam com a desoneração e a obrigatoriedade de se pagar a contribuição previdenciária sobre faturamento respondem por 1,74 milhão de vínculos empregatícios, em um total de 14,38 milhões de trabalhadores, considerando todos os segmentos desonerados.

O setores que perdem com a regra geram ganho tributário de R$ 2,4 bilhões anuais para a Receita, sendo que a renúncia do governo com os segmentos que "ganham" somou R$ 27,6 bilhões. A renúncia líquida anual, portanto, é de R$ 25,2 bilhões.

Para Afonso, trata-se de um aumento de carga para um número relevante de empregadores. "Na prática, a mudança da base de cálculo se converteu em uma oneração, ora para alguns empregadores, que passaram a pagar mais tributo sobre receita do que antes recolhiam sobre os salários, e ora para o governo, que teve de suportar uma renúncia crescente e pesada."

Isso reforça, diz Afonso, a correção da iniciativa atual da Fazenda em criticar e propor revisão profunda dessa renúncia tributária. Para ele, porém, a proposta anunciada, e reforçada ontem pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é uma tentativa de tirar os efeitos colaterais resultantes do uso de um remédio errado.

"A mudança proposta não acaba com o pecado original do chamado custo Brasil e não avança para reforma tributária ao manter e aumentar a alíquota sobre receitas brutas, mas ao menos corrige uma distorção cara, ineficiente e injusta", diz o pesquisador.

Para Afonso, viabilizar a mudança por projeto de lei dependerá da capacidade do governo de convencer o Congresso e os agentes mais interessados da premência dessa medida. O fato de virar projeto de lei no lugar de medida provisória, diz ele, tem a virtude de estimular e induzir o governo a dar o máximo de explicações e informações sobre o benefício.