Título: Blindagem estratégica à classe média
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 09/08/2011, Economia, p. 10

Governo cogita criar uma "trava" para impedir que os problemas financeiros dos EUA e da Europa prejudiquem a vida de 52% dos brasileiros

A maior preocupação do governo é a crise que varre os Estados Unidos e a Europa afetar os ganhos conquistados nos últimos anos pela nova classe média, que foi essencial na eleição de Dilma Rousseff. Ignorar as demandas desse povo equivaleria a jogar fora os esforços para a redução das desigualdades, o acesso ao crédito e o aumento do grau de escolaridade. A classe média, que hoje representa 52% da população brasileira, sofreu duros golpes na crise econômica global de 2008, com a queda das exportações e da produção industrial, e a alta dos juros e dos índices de desemprego. Agora, esses cerca de 95 milhões de cidadãos não são apenas braços fortes para o trabalho pesado, mas consumidores potenciais convocados a ajudar o país a crescer de forma sustentável.

A nova classe média brasileira foi alvo de um seminário organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) que reuniu o governo, políticos, empresários e intelectuais. O ministro da SAE, Wellington Moreira Franco, chamou de "esquisito" o risco de calote dos Estado Unidos e dos países da Zona do Euro, e disse que o governo está pronto para criar uma "trava" e impedir que esse "ativo social" sofra os impactos da crise. "Temos que avaliar permanentemente a situação econômica para garantir à nova classe média a mobilidade que vem tendo, e garantir que não haja retorno", assinalou. As classes mais baixas, acredita o governo, estão protegidas pela rede assistencial oferecida, como o programa Bolsa Família.

Mas quem presenciou tempos bicudos começa a sentir a aproximação do perigo. O fantasma da dívida amedronta as famílias brasileiras, principalmente as da classe C. Preocupados com o futuro da economia do país, o casal de aposentados Luciano Melo, 75 anos, e Marlene Macedo, 69, começou a cortar gastos. "Já passei por diversas crises e sei que devemos nos prevenir", ponderou Melo. A compra de um carro, prevista para este ano, foi adiada. "Por causa da crise nos Estados Unidos, pensamos duas vezes antes de fazer dívidas. Não sei o que esperar do futuro", disse.

Marlene também está apreensiva com a possibilidade de desemprego. "Pensei em um futuro melhor para a minha neta de 11 anos, a Ana Luiza, mas não tenho esperança de que o país sairá ileso dessa turbulência", previu. "Meu filho está bem colocado no mercado, mas temo que não continue assim", lamentou. Para Eduardo Gianetti, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), as preocupações fazem sentido. Tem muita gente fazendo extravagâncias com o crédito. Por isso, é importante que o governo incentive a educação financeira. "Crédito é um produto perigoso. Algo bom pode se tornar ruim se for mal utilizado. E se tornar uma tragédia coletiva, como os países ricos nos mostram agora."

Reservas A professora Daniela Santos e o noivo, o fotógrafo Rômulo Serpa, 41, concordam que a melhor maneira de driblar a crise é frear o consumo. "É necessário reservar uma parte do salário para emergências. Já diminui gastos com supérfluos", ensinou. A mãe de Daniela, Rejane Santos, 52, e as tias Rosângela Fernandes, 51, e Rosilda Rodrigues, 43, compartilham a opinião. "Temos medo de que os problemas lá fora afetem o bolso do cidadão", frisou Rejane. A servidora pública Rosângela Fortes, 41, acha que "se um país forte como os Estados Unidos vai mal, o resto do mundo sente os efeitos". "Só espero que o Brasil não perca o que conquistou. Almejo um país melhor para meu filho, Heitor, de 11 meses."

Mas há quem esteja otimista. É o caso da estudante Sabrina Moreira, 27. "Ainda não notei qualquer piora. O governo vai driblar esses problemas, como em 2008". Para ela, a turbulência é no exterior. "Por enquanto, o brasileiro não tem com o que se preocupar." O empresário Renato Meirelles, do Instituto Data Popular, é contra conter o consumo da classe C, que ajudou o país a sair sem danos da crise de 2008. Para ele, o governo deve investir no aumento da produtividade e da competitividade da indústria, para aliviar a pressão da inflação e das importações de produtos estrangeiros.