Dilma pode ter contas rejeitadas

Correio braziliense, n. 19010, 13/06/2015. Economia, p. 8

Denise Rothenburg

Rosana Renssel

O governo está apreensivo com a investigação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as “pedaladas fiscais” — com ficaram conhecidos os atrasos de R$ 40 bilhões nos repasses aos bancos públicos, entre 2012 a 2014, para cobrir despesas com benefícios sociais. O temor em relação é “muito grande”, informou uma fonte da base governista, porque o processo deve prejudicar a avaliação das contas da União de 2014, que serão apreciadas pelo TCU na próxima quarta-feira, em sessão especial.

A expectativa é que o relator, ministro Augusto Nardes, recomende a rejeição das contas, uma vez que o processo das pedaladas ainda não foi concluído. Em abril, o TCU convocou 18 pessoas para dar explicações, mas muitos ainda não entregaram a defesa, que estão sendo elaboradas pela Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão alega que a prática ocorre desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.

A União entrou com recursos para derrubar o processo, mas os pedidos foram negados. Com isso, as intimações começaram a ser entregues somente no mês passado. O prazo expira no fim de junho. Na lista, estão membros do atual governo, incluindo o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e do anterior, como o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, idealizador das medidas que ficaram conhecidas como contabilidade criativa.

A pressão sobre Nardes tem sido grande, dado o grande número de manobras fiscais utilizadas no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Na última quarta-feira, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foi escalado pelo Palácio do Planalto para conversar com o relator. O encontro extraoficial, que não apareceu na agenda de Levy, durou mais de uma hora.

Neste fim de semana, Nardes, deverá analisar as seis opções que tem à frente: aprovar tudo; aprovar com ressalvas; rejeitar tudo; aprovar com um “apartado”; rejeitar com um apartado; e, finalmente, abster-se. As apostas estão divididas entre a abstenção e a rejeição, a exemplo do que fez a PricewaterhouseCoopers (PwC) em novembro do ano passado, quando se recusou a assinar o balanço do terceiro trimestre da Petrobras.

O relator, entretanto, dizem seus amigos, não ficará na abstenção pura e simples. Antes de proferir o voto, ele discorrerá sobre as pedaladas e apresentará fatos novos, que terminará de analisar no fim de semana, quando fará uma nova leitura das 600 páginas do relatório. Nardes tem se referido às “pedaladas” como um cheque especial que o governo usou sem que tivesse autorização para isso.

Violação

O jurista Ives Gandra Martins considera que houve crime de responsabilidade fiscal. “Estou convencido de que a Lei (de Responsabilidade Fiscal) foi violada”, resumiu. Nesse caso, penalidades poderiam seriam aplicadas, sendo a mais grave a perda de mandato da presidente Dilma.

O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), destaca que houve o crime de “pedalar com a bicicleta dos outros”, uma vez que os benefícios sociais (como seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família) foram pagos por bancos estatais, sem que tivessem recebido os recursos do Tesouro Nacional.

“Pedalada é quando pagamentos são adiados. Nesse caso, eles foram feito em dia, porém, pelos bancos pagando a descoberto em nome do Tesouro. Isso é proibido pela LRF e, muito mais grave, é punido como crime pela Lei do Colarinho Branco”, pontuou o especialista. “O controlador de um banco não pode sacar os recursos que nele estão depositados, porque pertencem a terceiros. A tentativa do governo de pedir ao TCU e ao Ministério Público que ignorem o que ocorreu na Caixa e no Banco do Brasil é um precedente muito grave para o sistema bancário brasileiro”, alertou.

A oposição espera ver no relatório de Nardes informações que deem novo fôlego ao pedido feito ao Ministério Público para que investigue Dilma por crime de responsabilidade. A base governista torce para que saia dali algo que ajude o Executivo a enterrar a ação. Nardes permanece fechado. Diz apenas que não decidiu, e que só terá um veredito na quarta-feira.

Para o economista Tiago Biscuola, da RC Consultores, a eventual rejeição das contas de Dilma e uma condenação das pedaladas prejudicarão a avaliação do país pelas agências de classificação de risco. “Esse é mais um fator que pode provocar o rebaixamento do país, comprometendo qualquer credibilidade que o governo tenta passar sobre o ajuste fiscal”, disse.

Reprovação
Tribunal de Contas pode vetar as contas de 2014 do governo Dilma Rousseff por causa das pedaladas fiscais

O que o TCU viu
Indícios de atrasos e irregularidades nos repasses do governo federal a instituições financeiras públicas e demais órgãos federados. Ausência de registro de dívidas e despesas primárias nas estatísticas fiscais. Obtenção de crédito em desconformidade com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Contabilidade criativa
O total estimado das maquiagens fiscais gira em torno de R$ 40 bilhões. Veja alguns exemplos de 2012 a 2014:

» R$ 1,7 bilhão bancados pela Caixa para pagamento do Bolsa Família
» R$ 7,9 bilhões apropriados do Banco do Brasil para equalização do crédito agrícola

R$ 10 bilhões de apropriação do FGTS, referentes à multa adicional de 10% paga pelas empresas
» R$ 7,6 bilhões do FGTS utilizados para cobrir pagamentos do Minha Casa Minha Vida
» R$ 13,2 bilhões não repassados ao BNDES para o Programa de Sustentação do Investimento (PSI)

Os acusados
O TCU convocou 18 pessoas para darem explicações sobre as manobras contábeis

» Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda
» Nelson Barbosa, ministro do Planejamento
» Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro Nacional
» Marcus Pereira Aucélio, subsecretário de Política Fiscal do Tesouro
» Adriano Pereira de Paula, coordenador-geral de operações de crédito do Tesouro
» Marcelo Pereira Amorim, coordenador-geral de programação financeira do Tesouro
» Dyogo de Oliveira, secretário executivo do Ministério do Planejamento
» Luciano Coutinho, presidente do BNDES
» Aldemir Bendine, presidente da Petrobras, ex-presidente do Banco do Brasil
» Gilberto Occhi, ex-ministro das Cidades, atual ministro da Integração Nacional

» Carlos Antonio Vieira Fernandes, ex-secretário executivo do ministério das Cidades
» Laércio Roberto Lemos de Souza, ex-subsecretário de planejamento do Ministério das Cidades
» Alexandre Tombini, presidente do Banco Central
» Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central
» Jorge Hereda, ex-presidente da Caixa Econômica Federal
» Manoel Dias, ministro do Trabalho
» Tereza Helena Campello, ministra do Desenvolvimento Social
» Lindolfo Neto de Oliveira Sales, ex-presidente do INSS