O preço da violência

No fim do ano passado, as aulas de balé do projeto Vidançar, na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, foram interrompidas pelo barulho de tiros. Para se proteger, as crianças se jogaram no chão. De lá para cá, o Espaço Vidarte, no alto do morro, onde aconteciam os ensaios, se esvaziou. A solução foi alugar um imóvel fora da favela, na Avenida Itaoca, uma das principais vias da região, para dar continuidade ao projeto. Mas, até o momento, apenas 50% dos alunos reapareceram. Por medo de se verem no meio de um tiroteio no caminho entre a comunidade e o asfalto, muitos desistiram de frequentar as aulas.

Esse é só um dos muitos exemplos de projetos sociais que, desde o fim do ano passado, foram prejudicados pela violência no Alemão. São casos como o do Educap, onde moradores contam com aulas de reforço escolar e alfabetização. Em 2012, o príncipe Harry, do Reino Unido, inaugurou a sede, no Campo do Sargento. O projeto ganhou patrocínio da Kibon para pagamento de energia e serviço de limpeza. Naquele ano, 350 crianças eram atendidas. Atualmente, são apenas 63 (uma queda de 82%). Além disso, o patrocínio foi perdido há dois meses. Lúcia Cabral, coordenadora da iniciativa, atribuiu todos os problemas à insegurança:

 
 

— A violência afastou os recursos. É uma realidade dura para todos os projetos e movimentos sociais que tentam fazer a diferença aqui dentro. Estamos sem dinheiro, sem apoio, mas não tenho coragem de fechar. Os moradores precisam de nós.

BELTRAME DIZ QUE SITUAÇÃO MELHOROU

A penúria não se restringe a projetos de ONGs — de acordo com o Instituto Raízes em Movimento, há 17 dessas organizações na região. Ações sociais promovidas pelos governos federal, estadual e municipal também estão paradas ou em marcha lenta. A justificativa apresentada é a crise financeira. No entanto, os problemas começaram no auge da violência no Alemão, que conta com quatro UPPs.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirma que a situação já está melhor:

— A presença do Bope (que, junto com o Batalhão de Choque, reforça a segurança no complexo desde abril) foi bastante positiva. Houve muitas prisões e redução dos tiroteios. Por isso, vamos transformar o Alemão numa nova Tavares Bastos (favela onde fica o quartel do Bope e onde não há tiroteios). Os policiais não vão sair mais dali. Se algumas empresas deixaram o complexo, podemos dizer que as forças especiais vão ser mantidas na região.

Beltrame lembrou que há um decreto, assinado pelo governador Luiz Fernando Pezão, determinando que outras secretarias façam sua parte no programa de pacificação, por meio de programas sociais:

— Pior que não fazer nada, é as secretarias oferecerem algo e depois tirarem da população. A polícia sempre atua nas consequências. Ela é a única a ser vista no local. É preciso haver ações de cidadania. Quanto mais projetos desse tipo houver, menos polícia será necessária.

A faixa com a inscrição “Welcome Michael Phelps” (“Bem-vindo, Michael Phelps”), desgastada e suja à beira da piscina com lodo verde e azulejos quebrados da Vila Olímpica Carlos de Castilho, da prefeitura, é a única lembrança dos tempos áureos do lugar — que, em 2012, recebeu até a visita do campeão americano. Há mais de dois meses, atividades como natação e hidroginástica estão paralisadas. As quadras de futsal e de vôlei precisam de reforma. Telas de proteção estão quebradas, e a grama sintética do campo de futebol tem vários buracos. Além disso, os salários dos funcionários terceirizados estão atrasados há dois meses.

Ex-frequentadora das aulas de hidroginástica, uma moradora, sem se identificar, lamenta o fim das atividades:

— É um local bem equipado, mas abandonado. Até o ano passado, havia fila de espera para fazer uma atividade aqui. O pior é ver as ruas cheias de crianças sem o que fazer, ao alcance do tráfico.

A Secretaria municipal de Esporte e Lazer pôs a culpa na organização social (OS) MCS, que administra a vila olímpica, e informou que vem cobrando a regularização das atividades — atualmente, só há aulas de vôlei. O contrato acaba no fim deste mês, e nova licitação será feita. Procurada, a MCS não quis se pronunciar. Antes do abandono, 4.279 crianças e adultos faziam atividades na vila.

Também há problemas em obras importantes para beneficiar a população. Na Rua Nova, uma das principais do Alemão, que dá acesso ao teleférico, os trabalhos de alargamento estão parados desde o início do ano. Moradores contam que os operários foram ameaçados pelo tráfico caso continuassem o serviço, a cargo do estado, com recursos do governo federal. Em nota, a Empresa de Obras Públicas (Emop) disse que o projeto faz parte da complementação do PAC 1 no Complexo do Alemão e que, no momento, o programa passa por uma “readequação financeira”.

Embora a Emop não confirme problemas com a violência, operários que fazem a reforma numa das bases da UPP Nova Brasília, na localidade Alvorada, onde há constantes tiroteios, só se deslocam por lá em carros da PM, até na hora do almoço, por medida de segurança.

PROJETO DE RECICLAGEM FOI DESATIVADO

Até 2012, o Caic Theóphilo de Souza Pinto, próximo à Praça do Terço, era zona neutra — ou seja, não era alvo de ataques de traficantes. Com a instalação de uma base da UPP em frente, no entanto, a parede do colégio estadual ficou cheia de marcas de tiros de fuzil disparados por bandidos. Funcionários do Caic, sem se identificar, afirmam que a insegurança vem causando evasão de alunos. Em 2009, a escola tinha 1.300 estudantes. Hoje, são apenas 700 (uma redução de 46%).

Também do estado, o projeto Fábrica Verde, de reciclagem de computadores, foi desativado.

— O programa acabou há quatro meses, no auge da violência no Alemão — conta o deputado estadual Carlos Minc (PT), ex-secretário estadual do Ambiente e idealizador do projeto. — Era uma forma de capacitar os jovens.

A Secretaria do Ambiente afirma, no entanto, que a Fábrica Verde fechou as portas há bem mais tempo: em 2011.

Ex-patrocinadora do Educap, a Unilever Brasil (dona da Kibon) diz que a retirada dos recursos se deve a uma revisão de prioridades em projetos sociais de modo geral. Outras empresas também deixaram o Alemão no último ano, como a Natura, que desenvolvia projetos de geração de renda, e a Tim, que mantinha uma revenda na comunidade. A Natura informou que houve uma reestruturação de seus escritórios regionais. E a Tim afirmou que o fechamento da loja foi uma decisão isolada do revendedor.

Para mudar esse quadro, foi criado um movimento, Juntos Pelo Complexo do Alemão, que reúne moradores e ONGs da região. O grupo pretende cobrar soluções dos governos numa audiência pública em 1º de junho.