Valor econômico, v. 15, n. 3752, 09/05/2015. Empresas, p. B4

 

Contabilidade da Petrobras só vê superfaturamento de 3%

 

Por Graziella Valenti e Fernando Torres | De São Paulo

 

Aline Massuca/ValorAldemir Bendine, presidente da estatal: desafios operacionais, financeiros e insatisfações sobre balanço de 2014

A Petrobras admite que tem condições suficientes para remunerar eventual superfaturamento nas obras da primeira fase, o chamado trem 1, da Refinaria Abreu e Lima (Rnest). Ou, na visão mais otimista possível, perdeu uma oportunidade de reduzir as suspeitas de que sobrepreço tenha sido praticado por seus fornecedores.

A estatal não fez tal afirmação. Mas essa é uma conclusão que se pode alcançar após o balanço de 2014, divulgado em 22 de abril

A companhia fez baixas contábeis de R$ 31 bilhões - de um total de R$ 44,5 bilhões - por perda de valor recuperável do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e do trem 2 da Rnest. Ambas motivadas pela decisão de retirar esses ativos de dentro do grupo de refinarias, avaliadas em conjunto como uma única Unidade Geradora de Caixa (UGC) - como se fossem uma só empresa.

O trem 1 da Rnest, não teve ajuste. Significa que dentro da UGC é possível no mínimo recuperar o valor investido. Não haver baixa indica que o saldo não foi negativo - mas o valor em si é desconhecido.

A manutenção do trem 1 dentro da UGC foi um dos principais motivos dos votos contrários ao balanço - dois conselheiros de administração foram contra e um se absteve. No conselho fiscal, de cinco membros, dois recusaram as contas de 2014. Todos os votos vieram de representantes não eleitos pela União controladora.

A Petrobras têm reiterado que não há como avaliar ativos fora da UGC, dada sua gestão integrada.

Além do ajuste das refinarias, a Petrobras corrigiu para baixo o valor dos ativos em R$ 6,2 bilhões - calculados com o lançamento de 3% sobre o valor de todos os contratos feitos com empresas investigadas pela Operação Lava-Jato de 2004 a abril de 2012. O percentual vem de depoimentos de ex-funcionários.

Em outras palavras, é como se 3% fosse o único superfaturamento que a estatal admite ter existido, conforme pessoa envolvida no longo trabalho sobre o balanço.

A companhia anunciou na sexta-feira as primeiras medidas legais em busca de ressarcir perdas, com pagamentos indevidos, contra as empreiteiras da Lava-Jato. A estatal pede R$ 452 milhões à Engevix e Mendes Júnior. Nas próximas semanas, vai buscar reembolso de R$ 826 da Camargo Corrêa, OAS e Galvão Engenharia. Os valores não incluem danos morais.

A prática de superfaturamento pelos fornecedores não é objeto da investigação do Ministério Público Federal (MPF). Até o momento, não há informações suficientes sobre o tema. O único dado claro é que funcionários da Petrobras recebiam comissão sobre o valor de alguns contratos com fornecedores - o que os coloca na ponta oposta aos interesses da empresa.

O desconforto com o trem 1 da Rnest vem do fato de o custo ter alcançado US$ 87 mil por barril, diante da média internacional de US$ 35 mil por barril. A empresa apresentou aos conselheiros que o ativo estava registrado pelo equivalente a 27 vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) - a baixa reduziu a 22 vezes Ebitda - múltiplo elevado para qualquer indústria.

Ambas as informações constam de votos dos membros que rejeitaram o balanço. Eles defendiam que a Petrobras testasse o valor do trem 1 da Rnest fora da UGC.

Nenhum dos dados prova que houve superfaturamento. Há diversas questões que podem ter influenciado os números, como a política do conteúdo nacional, erros na execução, entre outros.

Mas com a UGC não há como avaliar ou medir distorções. A incerteza pode limitar a busca por ressarcimento e ainda transmitir a imagem de que a empresa suporta preços altos de seus fornecedores.

Além disso, a decisão da Petrobras de deixar o trem 1 da Rnest, que entrou parcialmente em operação, pelo valor contábil original, sem qualquer baixa, gera distorção na UGC de Abastecimento.

Ainda que a estatal não divulgue por quanto a primeira parte da refinaria de Pernambuco está contabilizada, a partir de informações do voto do conselheiro Mauro Cunha (que rejeitou as contas de 2013 e 2014) é possível estimar esse valor em mais de R$ 30 bilhões.

Embora tenha capacidade de processar 115 mil barris por dia, ou 5% dos 2,25 mil barris diários que a Petrobras consegue refinar, o trem 1 da Rnest responde por 30% do saldo do ativo imobilizado "em operação" contabilizado na área de abastecimento em 2014.

Em 2006, o ativo imobilizado na área de abastecimento somava R$ 19,9 bilhões. A partir de 2007 e, especialmente, de 2008, os valores aumentaram substancialmente com a decisão de tornar o segmento prioritário. Foi a unidade que mais recebeu recursos, atrás só de exploração e produção (E&P). Em junho de 2014, antes das baixas, o ativo alcançava R$ 167 bilhões.

Os investimentos em abastecimento, acumulados desde 2008 até 2014, somam R$ 162 bilhões, de um total de R$ 548 bilhões.

Como a decisão de manter o trem 1 da Rnest potencialmente sobreavaliado dentro da UGC não resultou em baixa de ativos, é possível concluir que as demais refinarias da Petrobras estão com valor contábil suficientemente baixo para resistir ao teste sobre a recuperação dos valores (impairment).

O resultado deixa a suspeita de que a Petrobras errou, em 2010, época da transição para o padrão contábil IFRS, ao não atribuir um novo custo contábil para suas refinarias, conforme era exigido - caso a diretoria entendesse que o valor histórico estava desatualizado.

A mudança de padrão exigia o ajuste pois era conhecida a prática das empresas de acelerar a depreciação dos ativos ao seguir a tabela do Fisco - ainda que isso não traduzisse a realidade operacional.

Embora seja difícil, de fora, julgar a decisão de 2010, é razoável estimar que se refinarias antigas tivessem tido seus valores atualizados, um impairment teria ocorrido muito antes da Lava-Jato.