O globo, n. 29854, 03/05/2015. Economia, p. 31

Perdas de gigante

Baixas da Petrobras de R$ 44,6 bi no balanço de 2014 são as maiores entre as petroleiras globais

Ineficiência, má gestão e queda do petróleo fizeram a Petrobras ter a maior perda em ativos entre grandes petroleiras, com baixa contábil de R$ 44 bilhões em 2014, informa BRUNO ROSA. A BP perdeu R$ 22 bilhões e a Total, R$ 21 bilhões. A corrupção, a ineficiência e a queda no preço do barril do petróleo fizeram a Petrobras liderar (e de longe) as perdas no ano passado em relação às grandes petroleiras globais que repassam seus dados à Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula o mercado de capitais dos Estados Unidos. Em 2014, a estatal contabilizou baixas contábeis (chamadas no jargão financeiro de impairments) de R$ 44,6 bilhões, mais que o dobro da segunda colocada, a britânica BP, com “ajustes” de R$ 22,094 bilhões. A conclusão faz parte de um levantamento feito pela consultoria Ernst & Young (EY) a pedido do GLOBO. Ao todo, foram analisados os dados de seis empresas de óleo e gás com atividades integradas de exploração e refino, conhecidas no setor como majors.

DADO GALDIERI/BLOOMBERG/22-04-2015Novo cenário. Plataforma da Petrobras na Baía de Guanabara: queda na cotação do barril de petróleo levou empresas a revisarem para baixo suas projeções. Para analistas, perspectiva é de redução da oferta de óleo nos próximos anos

Na lista estão ainda a francesa Total e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell, com perdas de R$ 21,194 bilhões e R$ 18,548 bilhões, respectivamente. Petrobras, Total e Shell têm volume de reservas provadas similares, com 13,12 bilhões de barris de petróleo, 11,52 bilhões e 13 bihões, respectivamente.As americanas Chevron e ExxonMobil optaram por não registrar baixas em seus balanços no ano passado. As baixas contábeis ocorrem quando uma empresa precisa ajustar o valor de seus ativos devido a fatores como mudança no câmbio, na cotação do petróleo ou, no caso da Petrobras, a má gestão.

Assim, apontam os dados compilados pela EY, somente a Petrobras respondeu por pouco menos da metade dos ajustes, que totalizaram R$ 106,3 bilhões em 2014. Não entrou na conta o ajuste de R$ 6,2 bilhões feitos pela Petrobras exclusivamente por conta dos desvios por corrupção investigados na Operação Lava-Jato. Mas, mesmo nos R$ 44,6 bilhões registrados como baixa por outros fatores, há influência da corrupção, já que muitos projetos foram paralisados após as investigações terem sido deflagradas.

REFINO CONCENTRA PERDAS

Segundo Roberto Santos, sócio de auditoria do Centro de Energia e Recursos Naturais da EY, o valor de perdas lançadas em balanço varia de acordo com o preço que cada empresa projeta para o barril do petróleo a curto e médio prazos e do perfil de ativos, que podem incluir campos de alta produtividade e áreas de maior risco exploratório. Isso ajuda a explicar o porquê de algumas empresas não terem registrado perdas em 2014, quando a cotação do barril caiu mais de 50% em menos de seis meses. Hoje, está na faixa dos US$ 66.

— As empresas têm uma visão de longo prazo e, em alguns casos, esperam que os valores do barril possam subir, o que daria suporte à recuperação do do ativo e, assim, as perdas não são lançadas. O fato de a Petrobras ter um número maior está relacionado ao fato de a companhia estar passando por dificuldades — disse Santos, da EY.

Na Petrobras, grande parte das perdas ocorreu no segmento de refino. Após os casos de corrupção, a estatal, para preservar seu caixa, suspendeu a construção do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí, e da segunda unidade da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, gerando baixas de R$ 30,9 bilhões. Em ambos os projetos, mais de 80% das obras já estavam prontas. Comperj e Abreu e Lima são os mais citados na Operação Lava-Jato.

Por outro lado, em gigantes como Shell, Total e BP, as perdas foram concentradas no segmento de exploração e produção de áreas de petróleo e gás.

— A baixa contábil é uma tradição desde os anos 1970, quando começaram as grandes variações nos preços do petróleo. Mas, normalmente, está atrelada à exploração de produção e não ao refino, onde as perdas estão mais relacionadas a excessos de oferta. As margens de refino podem ser baixas mesmo com o petróleo a US$ 100. Só isso não justifica o impairment. Na Petrobras, além da corrupção, a má gestão fez a companhia reconhecer uma perda pouco usual na indústria — disse José Ronaldo Souza Júnior, professor do Ibmec/RJ.

Se as refinarias foram o nó da Petrobras, no exterior até os campos de gás e petróleo não convencional nos EUA passam por ajustes. Segundo analistas, o aumento da produção americana vem derrubando os preços do petróleo, já que os países do Oriente Médio se recusam a cortar a produção. A Total, por exemplo, reavaliou a geração de caixa futura dessas áreas, assim como as de Venezuela, China e Argélia. O mesmo ocorreu com a Shell, que lançou perdas em campos de gás não convencional nos EUA. No refino, a empresa, em razão das baixas margens, registrou perdas devido a planos de “reestruturação” das refinarias na Europa e na Ásia.

Já na BP parte das perdas está relacionada a campos de petróleo no Mar do Norte e em Angola, que tiveram suas previsões de reservas revistas diante do preço menor do petróleo. Pesou ainda o novo cálculo do preço do gás adotado pela Índia.

— Até as áreas não convencionais, como o gás dos EUA e as areias betuminosas do Canadá, que eram uma esperança, viraram uma perda. No Brasil, a corrupção e a ineficiência elevaram as perdas — diz o advogado Claudio Pinho, professor da Fundação Dom Cabral, destacando que cenário força o corte de custos, a venda de ativos e as fusões, como a união entre Shell e BG.

Santos, da EY, diz que o cenário trará reflexos para os próximos anos. Para ele, a redução nos investimentos e a revisão dos planos de negócios das empresas podem reduzir a oferta de petróleo:

— A indústria está postergando projetos, o que pode afetar a oferta na próxima década.

Em nota, a Petrobras disse que as perdas registradas em 2014 não estão distantes do que ocorreu na indústria do petróleo. Segundo a estatal, as baixas corresponderam a 6,8% do total de seus ativos. A companhia diz que as outras majors registraram baixas que correspondem a entre 5%e 6% do total de seus ativos. As demais petroleiras não quiseram comentar.