Valor econômico, v. 15, n. 3759, 20/05/2015. Política, p. A6

 

 

Lula articula frente sem governo Dilma

 

Por Rosângela Bittar

Existem pelo menos três novos movimentos girando ao redor do PT fora do traço partidário formal, aí incluídos seus dirigentes e líderes. O primeiro tem autoria do ex-presidente Lula, que procura reunir um grupo de amigos, em articulações políticas no instituto que leva seu nome, para organizar sua rentrée.

É muito sério, segundo definem políticos com notícia sobre as armações do seu líder, o que Lula está maquinando com Antonio Palocci, o fiel amigo que não debandou desde que saiu do governo e instituiu seu próprio negócio. Com os prefeitos Fernando Haddad e Luiz Marinho, os secretários municipais Alexandre Padilha e Arthur Henrique, com o empresário Josué Gomes e o sindicalista Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

O movimento em curso é o seguinte: Como o PT está com os alicerces, as laterais e a fachada comprometidos, o propósito é tirar de cena o partido e Lula passar a liderar uma frente para chegar ao que imagina ser o seu lugar no poder. O grupo que formula essa saída, pela tangente, não pertence aos atuais escalões do partido, não integra sua estrutura, não abriga gente da direção. Está na órbita do PT mas funciona por fora dele.

Ex-presidente prepara rentrée em grande estilo

Um negócio, em parte, social, meio alternativo, meio sindical. Petista do Lula, que por razões pessoais e éticas largou o comando partidário e o governo do PT mas não o ex-presidente, de quem ficou perto desde sempre, há Antonio Palocci. Os demais ainda são vistos como quadros cuja ficha não está totalmente queimada e podem fazer a força maior na direção de um novo horizonte.

O PT tem se dividido diante desse projeto. Alguns ilustres do partido, que já serviu de instrumento importante para os projetos políticos de Lula, criticam o ex-presidente por achar que agora o partido que o sustentou, e que conseguiu a vitória em quatro de sete eleições que disputou, ficando em segundo lugar nas três que perdeu, é um problema.

Lula, nessa visão, vai sacrificar o partido porque ainda se acha maior do que ele e não quer perder tempo com o trabalho, neste momento considerado impossível, de reerguê-lo. Outros creem que ele, embora tenha perdido credibilidade e popularidade, realmente ainda é maior que o partido e precisa cuidar de si.

Não se sabe mais o que Lula pensa, por onde vai e com quem. O cenário do seu discurso do Primeiro de Maio não denota preocupação com a relevância. Só para falar do seu partido, não havia um lider, um deputado, um senador, o prefeito da capital ou a presidente da República enquadrados ao seu lado no video daquele palanque. É o que notou um dos defensores da hipótese de construção do caminho por uma frente e não pelo PT.

O segundo movimento é a mudança para o Rio do ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, de malas, bagagens e apartamento próprio.

Por mais que as brincadeiras já tenham começado, lembrando que toda vez que falta espaço no Rio Grande o político gaúcho corre para o Rio, e o exemplo mais notório é Leonel Brizola, o partido também, nesse caso, se divide. Há os que acreditam estar Tarso Genro se preparando para liderar um novo partido, ou também uma frente, de qualquer forma sair do PT o mais rápido possível. E os que o veem coordenando a recuperação do PT, a partir do Rio, onde o partido é forte e seu concorrente não é o PSDB mas o PMDB. Um dos analistas desses movimentos, porém, vê apenas uma maneira de tentar recuperar o PT original, neste momento.

Seria os petistas o desejarem, de verdade, e não os seus dirigentes. A crise, assinalam, é dos dirigentes, e o QG da recuperação pode se instalar em qualquer cidade. Se não for um movimento de fora para dentro, resultará em nada.

O terceiro movimento, também nas circunscrição do PT, é de interferência no Supremo Tribunal Federal de uma maneira que o desrespeita e redefine sua importância de corte constitucional.

O advogado Luiz Edson Fachin, indicado pela presidente Dilma para a vaga de Joaquim Barbosa, foi aprovado ontem pelo Parlamento depois de uma campanha popular-eleitoral. Envolveu os votantes, senadores, e os não votantes, os meios de comunicação, a sua família, os futuros colegas, principalmente, numa inusitada inversão e interferência de um poder sobre o outro. Só faltaram filmetes de horário eleitoral gratuito.

O presidente do Supremo, Ricardo Lewandovsky, entrou na campanha, exercendo uma pressão ainda maior sobre o colégio eleitoral do novo ministro. O indicado do PT tinha uma agenda minoritária entre os temas que predominam no STF, onde cerca de oitenta por cento dos processos dizem respeito ao direito tributário, administrativo, previdenciário, financeiro, e não agrário e de família, sua especialidade. Nem Dilma se preocupou com essa inadequação, nem o presidente do STF demonstrou o mais leve constrangimento com o desvirtuamento de suas funções. Fachin, por sinal, fez uma campanha toda de defesa. Só agora, após assumir, será possível conhecer seu pensamento.

O governo federal criou, também, ao chamar o presidente da Corte a entrar na campanha, bem como outros ministros, uma excrescência. Que se aprofunda quando se deixa vazar que o atual presidente dos magistrados, o mais importante mas não único cabo eleitoral de Fachin, pretende propor que a PEC da Bengala tenha validade apenas a partir das novas nomeações, não atingindo os ministros que já estão no cargo. Assim a presidente e o PT não perderiam a chance de indicar outros ministros, passando a ter um tribunal completo para chamar de seu. O poder de pressão do STF sobre o Parlamento, hoje, é incalculável, e o neo-eleitoralismo da Corte denigre a instituição.

Contaminado pelo momento de dramáticas relações com o Executivo e o Judiciário, o Senado, a quem cabe sabatinar e aprovar ou não ministros e embaixadores, e vinha dando sinais de que levaria finalmente a sério a criteriosa função, deixou-se enredar. Aprovou Fachin, com toda a carga de distorções da sua campanha, e derrubou o embaixador Guilherme Patriota, diplomata indicado por Dilma para a OEA.

Embora sejam movimentos novos realizados pelo partido que ainda detém a força do poder federal, não se pode dizer que tenham compatibilidade com os desafios atuais.