Valor econômico, v. 15, n. 3759, 20/05/2015. Finanças, p. C12

 

BCE adaptará compra de ativos à liquidez do mercado

 

Por Roberta Costa e Aline Oyamada | De São Paulo

 

Jason Alden/BloombergCoueré, do BCE: percepção de que ajuste no preço dos títulos soberanos alemães foi veloz, mas isso não preocupa

O Banco Central Europeu (BCE) vai acelerar as compras de ativos em maio e junho para compensar um estreitamento da liquidez do mercado de bônus previsto para os meses de férias de verão no hemisfério Norte, de meados de julho ao fim de agosto. Segundo Benoît Coeuré, membro do conselho executivo do BCE, em discurso em Londres, o volume de aquisições maior neste e no próximo mês deve ser compensado com uma desaceleração durante o período de férias, de forma que a média mensal continue em € 60 bilhões. O valor previsto para todo o programa segue em € 1,1 trilhão.

A indicação do BCE fez com que o euro tivesse forte baixa em relação ao dólar, da ordem de 1,5% e também desencadeou uma onda de compra de ações e bônus governamentais europeus.

Durante as férias, empresas e governos tradicionalmente não fazem novas emissões de dívida, de modo que a ação antecipada da autoridade reduz, em tese, a probabilidade de o mercado sofrer uma volatilidade exacerbada por conta da escassez de papéis.

Na opinião de economistas, a recente alta nos juros dos bônus soberanos da zona do euro pode ter contribuído para a decisão BCE de acelerar as compras, embora a explicação oficial da falta de liquidez nos meses de férias seja considerada suficiente para justificar a ação.

Bas van Geffen, economista do Rabobank, diz que a decisão do BCE não foi totalmente motivada pela reviravolta no mercado de bônus soberanos, mas acredita que isso pode ter contribuído. "A recente alta nos yields [dos bônus soberanos] pode ter influenciado na decisão de anunciar isso agora, mas eu duvido que eles poderiam ter adiado muito o anúncio", diz. Ele afirma que embora o passo semanal das compras seja flexível, o banco central de qualquer forma teria que avisar o mercado antes de passar a comprar mais, para evitar especulações sobre sua política. "Não acho que seja injustificável o BCE reduzir as compras durante o período de férias. Historicamente o mercado fica mais fraco nos meses do verão", diz.

Geffen afirma que o BCE também pode recalibrar o programa no fim do ano, quando o mercado de dívida volta a ficar parado por conta do Natal e Ano Novo. "Esse movimento mostra que o BCE está definitivamente disposto a usar sua margem de manobra nessas situações", disse ele.

O manejo do banco central foi bem recebido pelos economistas. "Isso mostra que o BCE pode ser flexível na implementação do programa, o que é boa notícia", diz Marco Stringa, economista de Europa do Deutsche Bank. O BCE havia antecipado que poderia fazer ajustes no programa de estímulo ao longo do caminho, mas era necessário explicar o aumento das compras de títulos, ligeiramente acima da tendência nas duas últimas semanas, para evitar ruídos. "Acho que a questão da liquidez foi o principal fator por trás da decisão", diz Stringa.

Coueré negou que o ajuste do programa tenha sido uma resposta às condições do mercado. "Eu não vejo a recente inversão no preço dos bunds (bônus soberanos da Alemanha) e outros títulos soberanos como uma causa de preocupação, à medida que reflete uma correção do mercado", disse o executivo. Ele reconheceu, contudo, que o ajuste foi muito veloz, posicionando-se de forma mais clara sobre esse movimento do que em falas anteriores.

Nas últimas semanas, o mercado de bônus soberanos da zona do euro sofreu um forte movimento de venda, que foi atenuado nos últimos dias. Os juros dos título de dez anos da Alemanha, por exemplo, saíram das mínimas de cerca de 0,05% vistas em meados de abril para 0,73% no meio da semana passada. Ontem, essa taxa caía para 0,605%, ante 0,613% no fim da tarde de segunda-feira. Os comentários de Coeuré também tiveram forte impacto no câmbio. O euro recuava 1,45% em relação ao dólar no fim da tarde de terça-feira, para US$ 1,1152.