Nos Estados Unidos, Dilma também busca aplacar crise doméstica

 

A presidente Dilma Rousseff chegou ontem aos EUA carregando na bagagem as crises econômica e política que enfrenta em casa. Mas, nesta viagem, cujo ponto alto será a reunião de trabalho com o presidente Barack Obama terça- feira, as águas turbulentas em que o Brasil navega geram oportunidades únicas para um maior engajamento com os Estados Unidos, parceiro com o qual o país viveu 18 meses de relações gélidas após o escândalo da espionagem. Pressionada por baixos índices de popularidade e pela necessidade de pavimentar um novo caminho para o crescimento, Dilma tem o incentivo de refundar as bases de cooperação com os americanos e buscar uma agenda mais ambiciosa, na qual comércio, investimentos e inovação têm papel estratégico.

GUSTAVO MIRANDA/19-03-2011

Reencontro. Obama e Dilma: relação conturbada nos últimos 18 meses

Essa é a opinião de diplomatas, analistas e executivos dos dois países ouvidos na últimas três semanas pelo GLOBO. O movimento da brasileira, acrescentam, encontra reciprocidade no governo dos EUA, que captou, com entusiasmo, a mudança de discurso de Dilma desde a posse do segundo mandato.

A nova orientação se manifesta na reabertura dos canais políticos, superando o trauma Edward Snowden e o cancelamento da visita de Estado de outubro de 2013; na retomada dos diálogos de alto nível entre os dois países, tanto de ministros quanto de empresários; e na disposição de ampliar negociações de comércio, tema tradicionalmente delicado na relação bilateral.

— Grande parte dessa visita será economia e comércio, que têm sido parte difícil da relação. Isso é muito importante — atesta Roberta Jacobson, secretária Assistente de Estado dos EUA para as Américas: — Essa visita é crítica, pensamos 2015 como o ano do Brasil e dos EUA, após 18 meses de tensão que desafiou a relação. Ao longo do ano, já tivemos ação, há um contínuo reengajamento desde que a presidente Dilma tomou posse em 1º de janeiro.

AGENDA POSITIVA

Do ponto de vista doméstico, a viagem aos EUA também é atrativa, diz o cientista político da USP Ricardo Sennes, pesquisador visitante do Atlantic Council. Dilma, em sua avaliação, corre o risco de isolamento político e está ameaçada pela oposição mais conservadora e alinhada com o pensamento liberal, além de não contar hoje com apoio na base empresarial:

— Quando a presidente tem um encontro desses com Obama, tenta puxar para si parte dos assuntos normalmente associados com a direita. É muito importante o timing dessa visita, no sentido de que Dilma

tenta indicar à sociedade civil brasileira: olha, não sou apenas uma líder nacionalista, eu tenho uma relação global com os EUA. E ela pode criar uma agenda positiva.

DE OLHO NA ECONOMIA

O pano de fundo para o novo tom brasileiro, porém, é pragmático. Com o fim do ciclo das commodities e de expansão do mercado doméstico que alimentou o crescimento entre 2000 e 2010, é preciso um novo script para religar as engrenagens da economia brasileira, no qual o comércio exterior e a integração às cadeias globais são protagonistas. Isso significa novos tratados comerciais, de promoção e de facilitação de trocas de bens e serviços.

Essa visão foi articulada pela própria presidente Dilma, ao anunciar tratado comercial com o México, parcerias com a China e nova oferta de acordo de livre comércio à União Europeia, com o Mercosul, nos últimos dois meses. Os EUA — que negociam acordos de livre comércio monumentais com Europa e 13 países do Pacífico — são aliados essenciais nessa empreitada. São o segundo maior parceiro comercial e investidor no Brasil e têm recebido vultosos investimentos produtivos brasileiros.

— Não há outra saída para o crescimento econômico do que participar do mercado internacional. E os EUA são os principais compradores do mundo. A presidente reforçou no lançamento do Plano de Exportação que a aposta é buscar novos mercados. Ela está com disposição de abrir conversas substanciais — afirma Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI.

BUROCRACIA REDUZIDA

Um dos anúncios deverá ser a liberação pelos EUA da importação de carne in natura do Brasil. Na visão brasileira, isso abrirá uma avenida de integração global, a partir de multinacionais como a JBS e a rede Burger King. Oferecerá ainda um selo de qualidade para a carne brasileira, que fica mais bem posicionada para conquistar terceiros mercados. Medidas desburocratizantes também estão na lista, como linha rápida para passagem de executivos brasileiros pela Imigração nos EUA e acordo de compensação previdenciária.