Valor econômico, v. 15, n. 3755, 14/05/2015. Brasil, p. A2

 

Para investidores, Levy traça cenário positivo e diz que riscos diminuíram

 

Por Luciano Máximo | Para o Valor, de Londres

Ao concluir sua agenda de dois dias em Londres, onde se reuniu com autoridades do governo britânico, analistas financeiros e investidores, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, voltou a manifestar otimismo em relação aos efeitos do ajuste fiscal sobre a economia brasileira.

Segundo o ministro, o ajuste se espalha "de maneira bastante equilibrada", de modo que a economia do país já não apresenta os mesmo riscos que preocupavam o mercado e o setor produtivo no início do ano.

"É importante comparar a situação do Brasil hoje com a vivida no começo do ano, quando havia três grandes riscos: em primeiro lugar, a questão macroeconômica, com um medo de um downgrade; depois havia o risco sobre o que iria acontecer com a Petrobras, alguns se assustaram, diziam que a empresa tinha questões intransponíveis; por fim, havia a preocupação com o setor de energia", comentou. "Três, quatro meses depois, esses riscos se reduziram significativamente, com o ajuste avançando."

Levy aproveitou a oportunidade para defender a Petrobras. Para ele, a companhia, afetada por escândalos de corrupção, também melhorou nesse período. "É sempre importante lembrar que o pré-sal é uma realidade; são 800 mil barris produzidos por dia."

Levy classificou sua passagem pela capital inglesa como positiva. Disse que a visita serviu para explorar boas experiências na estruturação do financiamento de projetos de infraestrutura. "A mensagem é que o governo está preparando uma boa carteira de concessões, com bons ativos para divulgar em breve", disse.

Alguns interlocutores do ministro avaliaram seu desempenho como uma tentativa de transmitir uma mensagem de confiança e apresentar uma imagem positiva do Brasil, apesar do ajuste fiscal em andamento e da desaceleração econômica. Os mais críticos contaram ao Valor que faltou ao ministro interagir mais com os participantes e detalhar os planos do governo para as concessões de infraestrutura, cuja divulgação é esperada para junho.

Edward Nicholson, executivo da consultoria financeira Mercator, de Southampton, disse que ficou impressionado com a clareza e objetividade da agenda exposta pelo ministro, destacando a disposição do governo em diminuir os obstáculos de maneira geral aos investidores estrangeiros e ao comércio internacional. "Me pareceu que ele está tentando fazer do Brasil um lugar mais simples para se fazer negócio, porque hoje é muito complicado, particularmente as regras e regulações dos impostos."

Para Peter Collecott, da consultoria londrina The Ambassador Partnership, especializada em comércio, investimentos e regulação internacionais, o ministro tentou ao máximo soar positivo, embora a situação econômica do país não seja boa. "O importante é que ele não escondeu isso. Veio pedir um voto de confiança, que é tudo que o Brasil mais precisa agora. Senti falta de ouvir uma exposição mais detalhada sobre os projetos de infraestrutura e os planos de concessão", disse.

Jaime Gornsztejn, presidente da Câmara Brasileira de Comércio na Grã-Bretanha, explicou que os potenciais investidores e empresas britânicas a aproveitar as oportunidades das futuras concessões estão no mercado de capitais, além de consultorias jurídicas e especializadas em desenho de regulação e construtoras, que podem aproveitar espaços deixados por empresas brasileiras afetadas pela menor oferta de crédito, em parte motivada pelas repercussões negativas da operação Lava-Jato.

Na entrevista, Levy disse que a liberação de compulsórios dos bancos para garantir mais recursos para o financiamento habitacional no país é uma especulação e que a solução para a questão não trará novos impactos fiscais. Ele explicou que o governo está estudando medidas para "tornar mais compatível o nível de recursos no sistema que pode ser canalizado para novos financiamentos".

Segundo ele, a questão está em estudo. "Quanto mais cedo se resolver essa questão, mais cedo a economia irá na direção que queremos", afirmou, sem dar muitas pistas sobre as alternativas analisadas pelo governo para driblar as recentes baixas na captação da poupança e frisando que os recursos envolvidos não são públicos, mas do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), irrigado principalmente pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e por depósitos da poupança.

Segundo Levy, o ajuste fiscal em implementação atualmente tem "impacto direto" para melhorar a distribuição de recursos no sistema habitacional. Ele enfatizou o esforço em reduzir de R$ 25 bilhões para R$ 12 bilhões o nível de desoneração da folha de pagamento concedido a empresas de dezenas de setores. "Temos que resolver essa situação sem trazer novos impactos fiscais para o país, por isso focamos nas desonerações. São R$ 25 bilhões de perdas de receitas, quase duas vezes o orçamento do Minha Casa Minha Vida - recursos que fazem falta para financiar outros programas do governo", disse. Ele lembrou que o programa habitacional federal é prioridade da presidente Dilma Rousseff.

Economistas divergem sobre as soluções para a economia

 

Por Flavia Lima | De São Paulo

O que você faria no lugar do ministro da Fazenda, Joaquim Levy? A pergunta foi respondida de maneira bem diferente por Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre/FGV, da Fundação Getulio Vargas, e Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp e da Facamp, em evento organizado pela Folha de São Paulo. O pessimismo, porém, foi geral.

Para Pessôa, não há reparos a fazer nas medidas tomadas até aqui por Levy - por quem reforçou ter "profunda admiração" -, mas a situação é dramática e de "descalabro fiscal" e para isso não há solução fácil. A implementação do pacote se tornou muito difícil porque a política econômica do governo se fundou em uma "grande mentira". "A mudança na política econômica com a saída do Mantega e a entrada de Levy é estelionato eleitoral de A Z", disse Pessôa.

Belluzzo vê um desequilíbrio fiscal que deve ser levado em conta e tratado, mas não descalabro. À frente da política econômica, Belluzzo manteria a política de subsídios do BNDES diante da inviabilidade de financiar a segunda rodada de concessões em um cenário de juros em alta. "Não vai funcionar", disse. Para ele, mantendo-se a política de subsídios, o investimento acontece e o efeito líquido do ponto de vista fiscal é positivo porque a economia cresce.

Apontado como a grande preocupação de Belluzzo, a retração da indústria da transformação não foi obra de apenas um governo, disse, mas da perda de capacidade de fazer política de longo prazo e do câmbio valorizado por mais de 20 anos. O grande erro do governo Dilma, emendou, foi não ter levado adiante o programa de concessões, ao tentar controlar a taxa interna de retorno. "Como é que você vai ser presidente da República se não conversa com seus parceiros sociais?". Belluzzo disse não ter direito de ficar bravo com a presidente, eleita com voto popular, pois seria "arrogância". Mas depois de ter cometido esse erro [nas concessões], o governo fez uma campanha eleitoral que não tem nada a ver com o que está fazendo agora e isso introduz um descrédito no processo democrático que é muito ruim", disse, em momento de rara concordância com Pessôa.

Para o pesquisador do Ibre, além das medidas já tomadas por Levy, a retomada do dinamismo econômico viria com a elevação da carga tributária em 2 ou 2,5 pontos percentuais do PIB apenas para "tapar o buraco" criado nos últimos três anos. Seria preciso também desfazer excessos da chamada nova matriz econômica, como a participação mínima de 30% da Petrobras no pré-sal e a política de conteúdo nacional, retomando o caminho da liberalização da economia do período cunhado por Pessôa de "Malocci" - os oito anos do período Malan e três de Palocci. Por fim, seria necessário refazer o "contrato social", de modo que a taxa de crescimento do gasto público ao menos se igualasse à taxa de crescimento da arrecadação.

Sem essas medidas, disse Pessôa, o Brasil deve, em dois ou três anos, perder o grau de investimento, passar por mais um episódio de forte desvalorização cambial e por um novo surto inflacionário, com a inflação na casa dos 12% ou 13%. "É uma lista de maldades muito grande e não sei se a Dilma vai ter combustível político para negociar tudo que precisa. Eu acho que não", disse. "O custo ficou muito alto para arrumar. Não dá mais".

Mesmo sem falar em descalabro, Belluzzo dá como certo o apuro em entregar o superávit primário prometido, pois a trajetória econômica é recessiva, com grande elasticidade da receita tributária em relação ao PIB, além de juros altos. Para ele, o déficit nominal vai a 8%, a dívida pública bruta a 70% do PIB e a inflação, após passar dos 8% neste ano, deve cair, mas à custa dos "de sempre", com "tremendo desemprego e queda da renda", lamentou. "É uma trajetória grega".