Governo contesta Moro

 

Prisões dos presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez não preocupam governo, segundo petista

GERALDO BUBNIAK

No aperto. Marcelo Odebrecht (à frente) e Otávio Azevedo, da Andrade Gutierrez, chegam ao IML de Curitiba para fazer exame: na prisão, eles receberam cobertores para enfrentar o frio

Um dia após as prisões dos presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que seria “descabido” impedir a participação das empresas em licitações antes do fim das investigações. Foi uma resposta ao juiz Sérgio Moro, para quem a inclusão das construtoras no programa de concessões lançado pela presidente Dilma representa risco de continuidade do esquema de corrupção. Cardozo disse que as prisões não preocupam o ex-presidente Lula e Dilma, que, segundo ele, é “reconhecidamente honesta”. O presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, pediu habeas corpus à Justiça. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, contestou ontem o que o juiz Sérgio Moro escreveu ao decretar a prisão de executivos de Odebrecht e Andrade Gutierrez e afirmou que não há nada que impeça a participação de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato em licitações de obras públicas federais, inclusive nas concorrências relacionadas à segunda etapa do Plano de Investimento em Logística (PIL 2), lançado pelo governo em 9 de junho.

Sem citar o nome de Moro, Cardozo disse que as empresas poderão participar das licitações porque, embora investigadas, ainda não foram condenadas. Para ele, a exclusão das empresas antes da conclusão de processos judiciais ou administrativos seria ilegal e inconstitucional.

— Qualquer decisão governamental ou administrativa de não participação de quaisquer empresas investigadas sem que se instaure, ou que se tenha concluído, um processo que assegure o princípio do contraditório e da ampla defesa é inconstitucional e ilegal. A decisão de afastar empresas, sem base legal, de uma licitação qualifica abuso de poder — disse Cardozo.

No despacho em que fundamenta a prisão de executivos das duas maiores empreiteiras brasileiras, na sexta-feira, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba alertou para o risco de repetição de “práticas corruptas” e levantou a hipótese de que os empresários poderiam repetir os crimes no novo plano de concessões, orçado em R$ 198,4 bilhões. Este seria, para Moro, um dos motivos pelos quais estes executivos não poderiam permanecer em liberdade.

“As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da administração pública direta ou indireta e, mesmo em relação ao recente programa de concessão lançado pelo governo federal, agentes do Poder Executivo afirmaram publicamente que elas poderão dele participar, gerando risco de reiteração das práticas corruptas, ainda que em outro âmbito”, escreveu Moro em seu despacho.

Com entendimento diferente ao do governo, a Petrobras suspendeu em dezembro do ano passado a participação de 23 empreiteiras citadas na Lava-Jato, incluindo Odebrecht e Andrade Gutierrez, em suas licitações até o fim do processo.

Cardozo evitou fazer comentários sobre o fundamento das prisões, mas disse considerar inaceitável qualquer suspeita sobre o programa:

— Não podemos aceitar, nem admitir em hipótese nenhuma, que se lance uma suspeição sobre esse plano, nem que se invoque esse plano para tomada de qualquer decisão nos dias de hoje acerca da aplicação de medidas sancionatórias ou cautelares de qualquer natureza. O plano de concessões sequer teve o edital publicado.

DILMA NÃO ESTÁ PREOCUPADA, DIZ MINISTRO

Cardozo negou também que a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenham alguma preocupação com a prisão de Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht, maior empreiteira do país, e Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez. Cardozo afirmou que Dilma e Lula não cometeram qualquer ato de improbidade e que, por isso, não há motivo para receio:

— Conhecendo a presidente Dilma Rousseff como eu conheço, é uma pessoa que, mesmo para adversários, é reconhecidamente uma pessoa honesta, que sempre esteve distante de qualquer ato de improbidade. As investigações nunca causarão nenhuma preocupação.

O ministro usou o mesmo raciocínio para defender Lula de responsabilidade na conduta de executivos investigados na Lava-Jato. Cardozo disse que, pelo que tem visto no noticiário, as empreiteiras sob investigação manteriam laços com políticos de oposição e não só com os da base. Então, não seria correto incriminar a base e poupar a oposição.

— Tenho ouvido muitas especulações em diversas linhas, não só de que pessoas presas na Lava-Jato tinham ligações políticas com pessoas governistas, mas também com líderes da oposição. E nisso estamos no plano das especulações. Temos que investigar e dizer que a lei vale para todos. Vale para governistas e vale para oposicionistas. Vale para pessoas que têm poder econômico e para quem não tem — concluiu.

O governo tem manifestado a preocupação de que o envolvimento das principais construtoras, responsáveis por algumas das principais obras públicas, prejudique mais a economia. No Rio, Odebrecht e Andrade Gutierrez participam de projetos considerados estratégicos para os Jogos Olímpicos, tanto para a realização do evento quanto para o legado de infraestrutura. As duas empresas têm, por exemplo, participação de 66,6% no Consórcio Rio Mais, responsável pelas obras de urbanização e de parte da infraestrutura do futuro Parque Olímpico (centros de transmissões) que está sendo erguido na área do antigo autódromo de Jacarepaguá.

Para Cardozo, a exclusão de empresas de licitações públicas antes da conclusão de processos legais violaria as garantias estabelecidas na Constituição e a Lei 8.666, que disciplina as licitações. Empresas só poderiam ser impedidas de concorrer em disputas públicas se previamente condenadas em processos legais.

— Não tem cabimento o governo dizer quem participa e quem não participa de uma licitação. Obedece-se à lei e a Constituição é clara.Ontem, a Odebrecht afirmou que o executivo João Bernardi Filho não faz parte do quadro de funcionários há mais de uma década, e que Christina Maria da Silva Jorge nunca fez parte do quadro de integrantes. Esclareceu que não tem vínculo com a empresa Hayley S.A. e a Hayley do Brasil. A Andrade Gutierrez informou que Paulo Roberto Dalmazzo, Antonio Pedro Campelo de Souza, Cesar Ramos Rocha e Flávio Lúcio Magalhães não são seus executivos. Os dois primeiros são ex-funcionários, de onde saíram, respectivamente, em 2013 e 2011. A construtora lembrou também que a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, não é obra sua.

 

Moody’s ameaça rebaixar notas de empreiteiras

A agência de classificação de risco de crédito Moody’s colocou em revisão para rebaixamento as notas das empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, após a prisão dos presidentes das companhias, Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo, devido às acusações de que eles seriam protagonistas no esquema bilionário de corrupção envolvendo a Petrobras.

A Odebrecht é atualmente classificada em “Baa3” em escala global, classificação mais baixa dentro da categoria de grau de investimento, e “Aa1.br” na escala brasileira. Já a Andrade Gutierrez possui a nota “Ba2” em escala global.

Segundo a agência, a revisão das notas dependerá da capacidade das empresas de amparar suas operações enquanto se desenrolam as investigações, levando em conta que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez têm, atualmente, liquidez para cobrir todas as suas obrigações.

“Na medida em que as questões atuais possam ser esclarecidas e resolvidas sob o curso normal da Justiça, com implicações restritas ou gerenciáveis para os negócios domésticos e internacionais da companhia e para o seu perfil de liquidez, os ratings (classificações) podem ser confirmados nos níveis atuais”, afirmou a Moody’s, em comunicado, sobre as duas companhias.

“Por outro lado, os ratings podem ser rebaixados se a Moody’s perceber aumento dos riscos oriundos dessas investigações, tais como redução da liquidez para cumprir com o serviço das dívidas ou redução significativa no seu portfólio de projetos que resultaria prospectivamente em maior alavancagem e perfil de negócios enfraquecido”.

A prisão de Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo integra nova fase da Operação Lava-Jato, com foco em contas no exterior com pagamento de propina. No total, a investigação motivou até agora acusações contra mais de cem pessoas.

O escândalo fez com que diversas construtoras fossem impedidas de fazer negócios com a Petrobras e economistas dizem que essa situação tem piorado as perspectivas para a economia brasileira dado o peso relevante do setor de óleo e gás no Produto Interno Bruto (PIB).

 

Cobertores e roupas de cama para enfrentar frio

 

Os advogados dos 12 presos na 14ª fase da Operação Lava-Jato se mobilizaram para que seus clientes não passassem frio em sua primeira noite nos beliches de alvenaria das celas da Polícia Federal em Curitiba. Compraram para os executivos das empreiteiras roupa de cama e cobertores. De madrugada, os termômetros chegaram a marcar 5° C.

O delegado Igor Romário de Paula, da Polícia Federal, disse que todos permaneceram tranquilos em suas celas. Ontem, os empreiteiros acordaram antes das 7h, quando foi servido café e pão com manteiga. Alguns recusaram o desjejum. Pela manhã, os presos fizeram exame de corpo de delito no IML de Curitiba. Saíram de lá em fila indiana, com Marcelo Odebrecht à frente e com Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, em segundo.

Os dois não se mostravam abalados. Estavam cabeça erguida, enquanto outros presos cobriram o rosto com blusas. Os depoimentos começarão amanhã.

PEDIDOS DE HABEAS CORPUS

Os advogados de Otávio Azevedo entraram ontem com pedido de habeas corpus para soltar seu cliente. O pedido foi apresentado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, e será analisado pelo desembargador João Pedro Gebran Neto.

O mesmo caminho deverá ser tomado pelos advogados da Odebrecht, que tentarão conseguir a liberdade de Marcelo Odebrecht, segundo informou Dora Cavalcanti, advogada da companhia.

Em despacho, o juiz Sérgio Moro corrigiu a informação sobre a existência de um depósito da Odebrecht na conta bancária offshore controlada pelo ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco. O Ministério Público Federal informou que não se trata de um depósito, mas de compra de títulos da Odebrecht no exterior. A Odebrecht contesta essa provas apresentadas pela PF para justificar o pedido de prisão do presidente da companhia,Moro disse que o pronunciamento a construtora é “oportuno” e que fato deve ser investigado, mas que não altera o quadro de provas.

Os primeiros a serem interrogados pela PF serão os presos temporários: Alexandrino Alencar, Antonio Pedro Campelo de Souza, Flávio Lúcio Magalhães e Christina Maria da Silva Jorge. Os quatro poderão ser soltos terça-feira, caso a prisão não seja prorrogada. Os demais serão ouvidos depois, e sua soltura depende de nova decisão judicial.

 

E-mails mostram que executivos da OAS chamavam Lula de ‘Brahma’

 

Documento divulgado pela Justiça Federal do Paraná na última sexta-feira mostra que o ex- presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, e executivos da empresa tratavam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um apelido: “Brahma”.

E- mails trocados entre Léo Pinheiro e César Uzeda, então diretor- superintendente da OAS Internacional, tratavam de viagens e palestras de Lula no exterior. Segundo a Polícia Federal, Brahma era Lula.

“Nosso amigo Brahma pode fazer uma palestra no dia 26/11. Quem poderíamos convidar? Não quer um público gde (20 a 30) pessoas, tipo mesa redonda. Tema: relação Brasil-Chile”, escreve Pinheiro. Lula esteve em Santiago por dois dias e fez palestras. Segundo a PF, viajou em avião oferecido pela OAS.

Numa mensagem, Uzeda compara Lula à presidente Dilma Rousseff: “A agenda nem de longe produz os efeitos anteriores do governo Brahma (...) a senhora não leva jeito, discurso fraco, confuso e desarticulado, falta carisma”.