Unidades para menor parecem presídios

 

Em meio ao debate sobre a maioridade penal, vistorias nas unidades de internação de menores infratores revelam que elas se parecem com presídios, violando o Estatuto da Criança e do Adolescente, conta RENATA MARIZ. Em 17 estados há superlotação; em 39% dos locais faltam higiene e conservação, concluiu o Conselho Nacional do Ministério Público. Em 70%, não se separa pelo porte físico, favorecendo a violência sexual. Três apreensões por tráfico, quatro roubos à mão armada e um homicídio constam da ficha do adolescente. Com 15 anos, de pele branca e fala calma, ele já passou por quatro centros de internação de menores infratores entre o Distrito Federal e Goiás e hoje está numa unidade em Formosa, no entorno do DF. Ele lista a diferença entre as unidades com termos comuns no sistema penitenciário: onde havia “boi”, e não vaso, qual servia a melhor “xepa” e como usou uma “teresa” para matar um colega de “barraco”.

O vocabulário do adolescente (referindo-se ao buraco no chão que serve como sanitário, à comida ofertada nas unidades, à corda feita de lençóis amarrados e ao alojamento que dividia com um desafeto) é um dos pontos em comum entre o sistema socioeducativo e o prisional no país. Superlotação, insalubridade, ócio, falta de separação por idade ou delito valem tanto para as cadeias que recebem adultos quanto para o modelo que pretende recuperar jovens infratores.

Há superlotação em unidades de 17 estados. No Maranhão, a taxa de ocupação é de 886,5% — para cada vaga, há oito internos. Depois, surge Mato Grosso do Sul, onde 859 jovens vivem no espaço previsto para 235. Os dados, de 2014, integram o relatório mais atualizado sobre o sistema socioeducativo no país, feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e obtido com exclusividade pelo GLOBO.

Em inspeções a 434 unidades de privação de liberdade (82,5% das existentes), o CNMP classificou 39,1% como insalubres: faltam higiene, conservação, iluminação e ventilação adequadas. Essas condições e a superlotação têm levado juízes a não aplicar medidas de internação. Há 23.658 jovens entre 12 e 21 anos privados de liberdade no país.

— Num cenário péssimo, os juízes pensam: “vou mandar esse garoto de 12, 13 anos para um local nessas condições?” Eles acabam determinando outra medida — diz a juíza Maria Roseli Guiessmann, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Promotores e Defensores Públicos da Infância e Juventude.

Promotor da Infância e Juventude de Natal, Marcus Aurélio de Freitas Barros conta que, desde 2012, magistrados do Rio Grande do Norte vêm substituindo medidas de internação. As oito unidades socioeducativas do estado foram interditadas; sete voltaram a funcionar parcialmente.

— Quando você coloca um adolescente que praticou um ato infracional grave para conviver com um que teve medida de meio aberto, isso traz um problema sério — destaca o promotor.

AMBIENTE ONDE DOENÇAS PROLIFERAM

Responsável pelo sistema apontado como o mais superlotado do país, o governo do Maranhão informou que “está promovendo uma série de melhorias”, como o aumento de vagas.

No Centro de Internação para Adolescentes de Anápolis (GO), a 150 km de Brasília, 41 jovens dividem um espaço para 29. A unidade fica num puxadinho no 4º Batalhão da PM. Os alojamentos em nada se diferenciam de celas. Gradeado, úmido, sem ventilação e superlotado, o ambiente é propício à proliferação de doenças, diz a enfermeira responsável Elaine Sodré. No alojamento 4, todos estão gripados. Um deles, internado por assalto à mão armada, diz que a cela é escura demais e a água, fria. O banheiro não tem vaso sanitário. — Os novatos dormem no chão — conta. Frederico Augusto Martins, coordenador da unidade, admite os problemas, mas diz que um novo estabelecimento está em fase final de construção.

Em Formosa, o interno que usa termos próprios do mundo prisional começou a usar drogas aos 12: “maconha, cerveja e roupinol”, comprimido de uso controlado. Internado em semiliberdade por tráfico de drogas mais de uma vez, foi flagrado num assalto e levado a um centro de internação, onde reagiu a outro jovem que o ameaçou com “um espeto”.

— Passei a teresa no pescoço dele, puxei e matei — conta o garoto.