Valor econômico, v. 15, n. 3755, 14/05/2015. Política, p. A9

 

FHC e Alckmin duvidam que ajuste seja solução para crise

 

Por Sergio Lamucci | De Nova York

 

Miguel Angel Alvarez/A2DPara Alckmin, aperto federal teria priorizado corte de benefícios: "A parte do governo foi tímida, quase inexistente"

O PSDB não está votando contra o ajuste fiscal, mas contra algumas das medidas do pacote, afirmou ontem em Nova York o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, observando que partidos da base também têm sido contrários a alguns dos projetos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), por sua vez, apontou como problema do ajuste o fato de "90% é só sacrifício da população", feito com base em aumento de impostos e cortes de benefícios.

"O Congresso existe para discutir [essas questões]", afirmou FHC, depois de participar de um seminário em Nova York. Segundo o ex-presidente, o ajuste tem que ser feito e será feito, mas haverá discussões e o PSDB vai se posicionar ora a favor, ora contra, a depender do projeto.

"É preciso que se entenda que o país quer sentir para que lado nós vamos. Esse ajuste é para fazer o quê?", perguntou Fernando Henrique, depois de questionado se não seria contraditório o PSDB se opor ao ajuste, já que um eventual governo tucano também tenderia a promover um aperto nas contas públicas. "[O ajuste] É para reforçar outra vez os mesmos donos do poder que nos levaram a esse desastre ou é para criar uma situação que possa permitir uma esperança maior para o Brasil?"

Fernando Henrique disse que o ajuste se tornou necessário porque houve um "desatino" do gasto público. "Eu fui ministro da Fazenda, eu passei por tudo isso. O que eu fazia? Eu explicava ao país por que estava fazendo aquilo, por que estava discutindo. Não pode fazer sem explicar qual é a saída."

O ex-presidente afirmou mais de uma vez que o ajuste é necessário. "Todo mundo sabe disso, mas, mais do que de ajuste, precisa haver esperança. Você não faz simplesmente uma operação sem anestesia. Para onde vamos? Está faltando isso. Passa o ajuste para fazer o quê?" Na semana passada, os deputados tucanos votaram contra o projeto que dificulta o acesso a benefícios como o seguro desemprego e o abono salarial.

Alckmin criticou o fato de que o ajuste se concentra na elevação de impostos e cortes de benefícios, enquanto "a parte do governo é muito tímida, quase não existente". O governador disse ainda que o aperto fiscal é uma "precondição", mas não gera emprego e nem desenvolvimento. "O que gera desenvolvimento e emprego é confiança, é competitividade, é produtividade. Esse é o esforço que deve ser feito", afirmou Alckmin, para quem é fundamental o país investir em "reformas estruturantes", para voltar a crescer a taxas mais elevadas.

Ele apontou a necessidade de uma reforma tributária, que simplifique o sistema de impostos, além de uma reforma política. "Não é possível nós estarmos com mais de 30 partidos políticos e haver 26 na lista de espera. Nós podemos chegar a 60 partidos políticos no Brasil, isso é inimaginável". Segundo Alckmin, sem "reformas estruturantes", o Brasil vai crescer pouco. O ritmo fraco de expansão da economia se deve, segundo ele, a "inúmeros opções erradas tomadas pelo governo federal, e não ao cenário internacional.

Os dois falaram num seminário para mostrar oportunidades de investimento em São Paulo, promovido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA. Alckmin disse "não ter dúvida" de que o país vai superar "a crise momentânea" que atravessa, "até porque a sociedade brasileira é melhor que a sua elite política". Ele apontou a solidez das contas públicas paulistas e as concessões e parcerias público-privadas (PPPs) como trunfos para o Estado atrair mais capital privado. Ele procurou relativizar o impacto do momento difícil do país para atrair novos recursos, justamente por ver a situação atual como temporária. "Investimento se faz olhando para frente."

 

Ex-presidente culpa Lula pelo início de 'malfeitos'

 

Por Sergio Lamucci | De Nova York

Os "malfeitos" que o país enfrenta começaram no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, disse ontem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao comentar em Nova York a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff, FHC afirmou que destituir um governo "não é uma operação fácil", sendo necessária "uma base mais profunda, mais concreta".

"Esses malfeitos vêm do outro governo, isso tem que estar bem claro. Eles vêm do governo Lula. Começou aí", afirmou Fernando Henrique, sem citar nenhum caso específico de corrupção. "Eu não sou de personalizar, é o procedimento está errado. Nós precisamos regenerar esse procedimento." Questionado sobre o impeachment, o ex-presidente foi cauteloso, lembrando que a eleição ocorreu há seis meses.

"Impeachment não é uma coisa que se deseja; ele acontece", afirmou Fernando Henrique. "Quando ele acontece? Quando o povo não aguenta mais e quando há uma questão concreta, uma ligação entre quem está ocupando o poder e o malfeito. Não é uma questão que se pode querer ou não querer."

Segundo Fernando Henrique, não é possível "lutar em abstrato" pelo impedimento de um presidente. "Você tem que lutar pela decência na vida pública. Se isso requerer o impeachment, vamos a ele. Mas é preciso clareza. Qual é o motivo? Houve uma ligação efetiva de responsabilidade?"

Ao mesmo tempo, o ex-presidente disse que é necessário "passar a limpo o Brasil, ir mais fundo nas investigações", porque "o país não pode ficar na dúvida, sobre quem é responsável pelo quê". Em discurso no seminário, Fernando Henrique havia destacado a importância de um entendimento na situação que o Brasil atravessa. Em entrevista no fim do evento, o ex-presidente afirmou que não estava falando em conciliação. "Não estou pensando em pactuar com o governo. É preciso que o país se regenere. Não é um acordo da cúpula", afirmou ele. "Haverá sempre oposição e nós vamos continuar na oposição, porque a democracia implica isso. Vai chegar o momento em que o Brasil quer saber a verdade."

Na terça-feira à noite, Fernando Henrique fez um duro discurso com críticas aos governos de Lula e Dilma, ao receber em Nova York prêmio Personalidade do ano, da Câmara de Comércio Brasil-EUA, com o ex-presidente americano Bill Clinton. Não citou explicitamente, porém, nenhum dos dois.

Também presente ao evento de ontem, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que não faz parte da ala moderada do partido. "O PSDB é um só - oposição. É tão patriótico ser governo como oposição. Mas nós temos que trabalhar. Nós somos governantes. São Paulo indo bem ajuda o Brasil."