Lava-Jato chega às gigantes
Procuradores dizem ter provas de que executivos das duas maiores construtoras do país sabiam do esquema de propina em troca de contratos. Pagamentos, em contas secretas no exterior, são estimados em R$ 720 milhões
FRANCIO DE HOLANDA/REUTERS
Preso. Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, é levado da PF, em São Paulo, para carceragem no Paraná
A Lava-Jato prendeu ontem os presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, as duas maiores construtoras do país. Outros dez executivos também foram presos e levados para Curitiba, na 14ª fase da operação, batizada de Erga Omnes, termo em latim usado para dizer que a lei vale para todos. Eles são suspeitos de envolvimento no pagamento de R$ 720 milhões em propina em troca de contratos, não só com a Petrobras. Para os procuradores, que grampearam emails e dizem ter provas de pagamentos em contas secretas na Suíça, os acusados sabiam do esquema de corrupção. Informações de delatores, entre eles o ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini, também embasaram as prisões. O juiz Sérgio Moro determinou o bloqueio de até R$ 20 milhões de cada executivo. As empresas negam as acusações. Os presidentes das duas maiores construtoras do Brasil, a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, foram presos ontem na 14ª fase da Operação Lava-Jato. Marcelo Bahia Odebrecht e Otávio Marques Azevedo, ao lado de outros oito executivos das duas empresas, tiveram prisão decretada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ao atingir duas gigantes com atuação mundial, a Lava-Jato alcança o topo do cartel que, segundo as investigações, atuou para controlar obras públicas no país nos últimos anos. Juntas, no momento, elas são responsáveis pela execução de 101 contratos distribuídos entre governo federal e estados.
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima e o delegado Igor Romário de Paula, membros da força- tarefa da Lava-Jato, afirmaram que o esquema de corrupção envolvendo as duas empreiteiras era muito mais sofisticado que o das demais empresas investigadas pela Polícia Federal, baseado em pagamentos feitos em contas secretas no exterior. Eles disseram ainda que os dois presidentes das construtoras tinham conhecimento do esquema e participaram das negociações do cartel de empreiteiras que fraudava as licitações na Petrobras.
Para isso, juntaram depoimentos de ao menos três delatores, grampearam e-mails nos quais executivos tratam de sobrepreço e da escolha de empresas para tocar obras públicas e identificaram pagamentos feitos por meio empresas offshores (registradas no exterior) em paraísos fiscais.
Pela primeira vez, foram vinculados diretamente às fraudes na Petrobras, como operadores de propina, os nomes da doleira Nelma Kodama, que tem forte atuação no ABC paulista, e de Leonardo Meirelles, que se apresenta como sócio da Labogen, laboratório usado para remessas milionárias para países asiáticos e que chegou a fechar convênio com o Ministério da Saúde, desfeito após a divulgação do escândalo. Dinheiro movimentado por ambos é agora atribuído a propinas vinculadas às duas empreiteiras, mesmo que o caminho dos recursos ainda não tenha sido decifrado.
BLOQUEIO DE CONTAS E INVESTIMENTOS
Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo tiveram prisão preventiva decretada por tempo indeterminado. Moro considerou inviável que o esquema criminoso, que perdura desde 2004 e envolve propinas milionárias, fosse desconhecido pelos dois. Segundo estimativas da investigação, Odebrecht e Andrade Gutierrez pagaram pelo menos R$ 710 milhões em propinas — R$ 510 milhões e R$ 210 milhões, respectivamente.
Para Moro, o fato de as duas empresas não terem aberto investigações internas, mesmo com a notoriedade das denúncias, é outro indicativo do envolvimento de seus presidentes. No despacho, Moro determinou o bloqueio de contas e investimentos bancários de valores de até R$ 20 milhões das contas de cada um dos dez executivos.
A atuação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez e de seus executivos no cartel que dividia obras da Petrobras vinha sendo denunciada à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal desde o início dos depoimentos por vários dos delatores da Lava-Jato, mas faltavam as provas. As duas foram citadas pelo doleiro Alberto Youssef, pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, pelo ex-gerente da estatal Pedro Barusco Filho e por empresários como Augusto Mendonça Filho, do Grupo Setal, e Júlio Camargo, que atuava como operador.
O procurador Carlos Fernando Lima afirmou que agora há provas e indícios inclusive da participação de seus presidentes:
— Os presidentes das empresas sabiam de tudo. Apareceram indícios concretos comprovando que eles tiveram contato ou participações diretas em atos que levaram à formação de cartel.
Entre as provas de envolvimento dos presidentes das duas empresas estão e-mails endereçados às empreiteiras envolvidas na investigação da Petrobras, nos quais eram agendadas reuniões dos participantes do cartel ou era comentado o sobrepreço existente em determinada obra. Um dos e-mails envolve a Braskem, empresa na qual Petrobras e Odebrecht são sócias.
Na mensagem, de 2011, um ex-executivo da Brasken fala sobre a existência de sobrepreço entre US$ 20 mil e US$ 25 mil por dia num contrato de operação de sondas. O doleiro Alberto Youssef disse que a Braskem pagava US$ 5 milhões a ele e a Paulo Roberto Costa, em contas no exterior.
“Não só há prova oral da existência do cartel e da fixação prévia das licitações entre as empreiteiras, com a participação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, mas igualmente prova documental consistente nessas tabelas, regulamentos e mensagens eletrônicas”, afirmou Moro.
Além dos dois presidentes, tiveram prisão preventiva decretada Rogério Santos de Araújo e Márcio Farias da Silva, executivos da Odebrecht; César Ramos Rocha, Elton Negrão de Azevedo Júnior e Paulo Roberto Dalmazzo, da Andrade Gutierrez; e o empresário da Hayley do Brasil, João Antonio Bernardi Filho, suspeito de internalizar dinheiro de propina paga no exterior a Renato Duque, diretor de Serviços da Petrobras. Outros quatro foram alvo de prisão temporária: Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, executivo da Odebrecht, Antonio Pedro Campelo de Souza e Flávio Lúcio Magalhães, da Andrade Gutierrez, além de Christina Maria da Silva Jorge, que sucedeu Bernardi Filho como sócia da Hayley do Brasil.
Segundo o juiz Moro, pelas provas colhidas até agora, a Odebrecht pagaria propina “de maneira geral de forma mais sofisticada do que as demais empreiteiras, especialmente mediante depósitos em contas secretas no exterior”, em bancos da Suíça, Mônaco e Panamá.
REPASSES ERAM FEITOS POR OPERADORES
Ele lembrou que já foram bloqueados 20 milhões de euros em contas secretas do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, em Mônaco, além dos valores em contas de Paulo Roberto Costa (US$ 23 milhões) e Pedro Barusco Filho (US$ 97 milhões). As contas em nome de Nestor Cerveró estavam zeradas.
A Odebrecht fazia os repasses por meio do operador Bernardo Freiburghaus. Também foi encontrado depósito de US$ 300 mil, numa conta da off-shore Canyon View Assets, controlada por Barusco, no qual consta expresso o nome da Odebrecht como responsável pela transação.
A Andrade Gutierrez teria utilizado como operadores dois investigados já presos pela Lava-Jato: Fernando Soares, o Fernando Baiano, e Mário Goes. A PF identificou triangulação de depósitos entre a Zagope Angola, antigo nome da Andrade Gutierrez Europa, e uma conta usada por Goes para mandar dinheiro a Barusco. A conta de Barusco teria recebido US$ 5,887 milhões.
“Trata-se de prova significativa do envolvimento da empreiteira no crime de corrupção dos dirigentes da Petrobras, já que não há causa econômica lícita para a transferência entre a Phad e a Backspin”, afirmou Moro.
Todos devem ser submetidos a exames de corpo de delito. Os depoimentos dos que estão em prisão temporária devem começar a ser colhidos neste fim de semana. A 14ª fase cumpriu ainda 38 mandados de busca e apreensão em SP, Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul.