Executivo que viajou com Lula às custas de empreiteira é preso

 

Um dos presos ontem na 14ª fase da Operação Lava-Jato é Alexandrino Alencar, diretor de Relações Internacionais da Odebrecht, que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em viagens, pagas pela construtora, para Cuba, República Dominicana e Estados Unidos, em janeiro de 2013. Oficialmente, não havia relação com atividades da empresa nesses países.

RAFAEL ARBEX/ESTADÃO CONTEÚDOInvestigado. Alexandrino Alencar, diretor da Odebrecht, chega à PF, em Curitiba, após ser preso: viagens com Lula

A viagem foi revelada pelo GLOBO em abril. Dezoito dias depois, a revista “Época” publicou que o Ministério Público Federal (MPF) havia aberto uma investigação preliminar para apurar a suspeita de que Lula possa ter feito tráfico de influência para beneficiar negócios da empreiteira no exterior.

No último dia 12, O GLOBO mostrou que o Ministério das Relações Exteriores havia deflagrado uma ação para evitar que documentos oficiais que citassem Lula e Odebrecht fossem repassados à imprensa por meio da Lei de Acesso à Informação. Na terça-feira, o ministério tornou público documentos feitos entre 2003 e 2010.

Alencar já havia sido convidado por Lula para acompanhá-lo em comitiva do governo brasileiro à África, em 2011, quando ele já não era mais presidente. Naquele ano, o pedido causou constrangimento ao Itamaraty, porque o diretor não trabalhava no governo nem tinha relação direta com atividades do ex-presidente.

Também em 2011, a Odebrecht pagou para que Lula viajasse à Venezuela, também na companhia de Alencar, segundo a revista “Época”. O executivo foi um dos principais interlocutores para viabilizar a construção do estádio Itaquerão, antigo sonho de Lula, segundo o livro de memórias do ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez.

AG TAMBÉM PAGOU VIAGENS DE LULA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já esteve em, pelo menos, oito países desde que deixou a Presidência em viagens bancadas pelas empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez. A primeira foi, de longe, a que mais levou Lula ao exterior.

Lula teve viagens pagas pela Odebrecht a Angola, Venezuela, Panamá, Guiné Equatorial, Cuba, República Dominicana e Gana. Na época em que aconteceram as visitas, a empreiteira tinha interesse em obras nesses locais. Na maioria delas, Lula viajou acompanhado de Alexandrino Alencar, que foi citado por delatores na Operação Lava-Jato como o operador de propina pela Odebrecht.

O doleiro Alberto Youssef disse que marcava encontros com Alencar por telefone. O número do diretor da Odebrecht consta da lista de ligações realizadas ou recebidas por um dos aparelhos de Youssef, conforme relatório sigiloso da empresa BlackBerry, enviado aos investigadores da Lava-Jato e localizado pelo GLOBO. Alencar e a Odebrecht negam as acusações.

Os eventos de Lula nas viagens foram, em geral, palestras para empresários e políticos. A Procuradoria Geral da República investiga desde o início deste ano se o ex-presidente praticou o crime de tráfico de influência. Suspeita-se que o pano de fundo de algumas dessas visitas ao exterior tenha sido ajudar as empreiteiras em negócios com governos africanos e latino-americanos. Elas receberam financiamentos do BNDES para esses projetos fora do Brasil. Lula fez, ao menos, uma visita ao continente africano custeada pela Andrade Gutierrez. Em 2012, uma viagem do ex-presidente à Etiópia coincidiu com o anúncio do financiamento de cerca de US$ 1 bilhão para a empreiteira construir quase 500 quilômetros de ferrovias no país.

Mas é no campo das doações eleitorais que a empresa se destaca mais do que a concorrente Odebrecht. Ela ofereceu quantia muito superior à campanha da presidente Dilma Rousseff no ano passado: R$ 21 milhões. A Odebrecht doou R$ 7 milhões. A candidatura do adversário de Dilma Aécio Neves (PSDB) recebeu R$ 13 milhões da Andrade Gutierrez e R$ 5 milhões da Odebrecht.

O Instituto Lula nega que ele atue como lobista das empreiteiras e que seja alvo de investigação formal por tráfico de influência. Sobre as viagens, explica que o ex-presidente é convidado por várias empresas para fazer palestras e é praxe que elas paguem os custos das viagens, que são divulgadas pelo instituto.

 

Carceragem da PF em Curitiba atinge lotação máxima com novos presos

 

A carceragem da Polícia Federal em Curitiba para onde foram levados os presos da nova fase da Lava-Jato tem capacidade para 18 prisioneiros. Com a prisão de 12 executivos ligados à Odebrecht e à Andrade Gutierrez, a lotação máxima foi atingida. Isso porque já havia outros seis presos envolvidos na investigação lá.

As seis celas da carceragem estão divididas em duas alas. O doleiro Alberto Youssef fica sozinho numa delas. Os demais seriam distribuídos pelas outras: três em cada uma. Quem sobra dorme em colchonetes num corredor.

Cada cela tem entre 16 e 20 metros quadrados, com camas beliche de cimento presas às paredes. Há o chamado “boi”, um vaso sanitário rente ao piso, sem divisória. Pelo regulamento interno, todos têm direito a uma hora diária de banho de sol. Não há TV ou rádio. É proibido fumar. As quentinhas, servidas nos horários do café, almoço e jantar, são fornecidas por uma empresa terceirizada. Para o banho, os presos enfrentam uma fila para se revezar entre os três chuveiros elétricos.

A primeira noite de Marcelo Odebrechet, Otávio Azevedo e os outros presos na cadeia foi fria. No início da noite de ontem, a temperatura em Curitiba era de apenas 6 graus.

A defesa de Marcelo Odebrecht pediu ao juiz Sérgio Moro dieta especial na carceragem para ele. Segundo os advogados, o empresário “possui uma grave debilidade de saúde” por ser “portador de hipoglicemia”. Segundo o pedido, Marcelo, de 46 anos, não pode ficar por longos períodos sem se alimentar. Os advogados informaram na petição que, assim que o empresário chegasse à carceragem em Curitiba, eles entregariam a agentes itens da dieta especial do empreiteiro.

 

Temer diz que é preciso salvar empresas e empregos

 

O vice-presidente da República, Michel Temer, afirmou ontem que, diante da prisão dos presidentes das duas maiores empreiteiras brasileiras, Odebrecht e Andrade Gutierrez, é necessário encontrar uma solução para salvar as empresas e os empregos.

— Só faço uma ponderação: temos que distinguir muito a figura do empresário e a figura da empresa. A empresa sempre é uma garantidora de empregos. Se pudéssemos fazer isso, seria útil para a continuidade das atividades dessas grandes empresas e, portanto, para a manutenção dos empregos.

O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, evitou opinar sobre a prisão dos executivos, mas afirmou que todas as empresas que não forem declaradas inidôneas poderão participar do Plano de Investimentos em Logística — pacote de concessões em infraestrutura recém-lançado pelo governo — e de outras iniciativas.

— Vivemos numa democracia. A Justiça é independente, temos o Ministério Público. As pessoas têm direito de defesa. Agora, nosso Plano de Investimento em Logística é um programa indispensável para a sociedade brasileira. Todas as empresas que não forem declaradas inidôneas podem participar de qualquer investimento ou nova inciativa — disse o ministro, após evento no Itamaraty, em Brasília.

Na decisão em que autoriza a prisão dos executivos da Odebrecht e Andrade Gutierrez, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, alerta para o risco de repetição de “práticas corruptas”. Ele lembra que as empreiteiras não foram impedidas de celebrar contratos com o poder público e que elas poderão, inclusive, participar do novo programa de concessões do governo federal.

“As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da Administração Pública direta ou indireta e, mesmo em relação ao recente programa de concessões lançado pelo governo federal, agentes do Poder Executivo afirmaram publicamente que elas poderão dele participar, gerando risco de reiteração das práticas corruptas, ainda que em outro âmbito”, afirma Moro em sua decisão.

Para Moro, o mero afastamento dos executivos de seus cargos nas empreiteiras não é uma medida suficiente para prevenir as práticas de corrupção, já que parte dos executivos é também acionista.

“A única alternativa eficaz à prisão cautelar dos executivos seria a suspensão imediata dos contratos das empreiteiras com o Poder Público e a proibição de novos contratos”, diz Moro.