Valor econômico, v. 16, n. 3754, 13/05/2015. Política, p. A6

 

Doleira que acusa bancos e corretoras negocia delação

 

Por Fábio Pupo e André Guilherme Vieira | De Curitiba e São Paulo

 

Junior Pinheiro/Photo Press/FolhapressNelma: doleira da Lava-Jato admitiu relação com Alberto Youssef e disse que bancos lucravam com escândalo

A doleira Nelma Kodama, condenada a 18 anos de prisão na primeira instância em ação penal da Operação Lava-Jato, afirmou ontem que está pleiteando um acordo de delação premiada com as autoridades. Em depoimento aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, ela disse que o dinheiro das operações ilegais investigadas "vem das instituições financeiras".

Segundo as autoridades, Nelma era operadora do mercado paralelo de câmbio e está envolvida na prática de crimes financeiros, especialmente evasão de divisas e crimes de lavagem de dinheiro. Já cumprindo sentença por uma ação da Lava-Jato, Nelma é ré em um segundo processo da Operação. Ela está há um mês na carceragem da Polícia Federal por estar, segundo ela, negociando a colaboração. "Essa é a ponta do iceberg. Tudo isso que está acontecendo da Petrobras, das empreiteiras, tem a participação do Banco Central, das instituições financeiras. E se não houver uma mudança na legislação, isso nunca vai terminar. De onde vem o dinheiro vivo? Dos bancos, das instituições financeiras", afirma.

Ela citou o envolvimento de várias empresas em suas operações ilícitas, mas foi mais clara a respeito de duas instituições: da Tov Corretora e Banco do Brasil. Perguntada se as empresas conheciam as irregularidades, ela diz que sim. "Claro que sim. O senhor acha que a Tov não ganhava nada? Os bancos ganhavam em taxas, ganham sim e isso eu vou dar na minha delação", afirmou. "Inclusive tenho provas que os bancos, os gerentes gerais, há pessoas envolvidas, [que se beneficiavam de] taxas, comissões. [Havia] até mesmo empresas. Gerentes têm empresas junto ao banco", disse.

Procurado, o banco diz seguir a lei e que o funcionário que Nelma acusou de participar das operações já foi demitido. "O Banco do Brasil cumpre integralmente a legislação em vigor e adota controles rigorosos de prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Repudiamos qualquer insinuação de conivência com os delitos investigados e informamos que o funcionário citado foi demitido do Banco do Brasil, por justa causa. Apurações internas foram repassadas às autoridades responsáveis pela investigação", afirmou o banco, em nota.

Já a Tov diz que já prestou esclarecimentos às autoridades. "A Tov repudia veementemente as afirmações da senhora Nelma Kodama e informa que todos os esclarecimentos já foram prestados às autoridades competentes com a apresentação de todos os documentos os quais demonstram que a corretora sempre agiu dentro da absoluta legalidade, seguindo rígidos procedimentos de controle", afirma a empresa.

Nelma também tentou culpar órgãos reguladores do sistema financeiro por falhar na fiscalização e permitir a existência do esquema ilegal. "É um sistema falho, corrupto. Essas movimentações gigantescas eu acho que é impossível fazer por uma pessoa. Na minha opinião, ela tem que ter a retaguarda de alguma instituição", afirmou Nelma, ressaltando que essa é uma opinião pessoal: "O Banco Central tem um órgão lá dentro que fiscaliza isso. Não estou me referindo a nome nenhum, mas sim aos órgãos responsáveis que ganham para isso, para fecharem as brechas e não facilitarem crimes financeiros."

Nelma foi presa em uma tentativa de evasão de divisas, quando embarcava para a Itália com € 200 mil em espécie não declarados. Ela diz que o escritório da Receita Federal estava fechado no momento do embarque. Na época, foi falado que ela levava o dinheiro na calcinha, mas ela disse ontem que o montante estava no bolso traseiro da calça.

Ela afirmou que buscou os euros em várias partes na Distri-Cash Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários. A Distri-Cash foi liquidada pelo Banco Central em outubro de 2014.

Nelma ainda disse que pretende revelar em delação dados sobre outros criminosos, inclusive amigos do doleiro Alberto Youssef. "Na hora oportuna eu vou revelar", afirmou. No meio da sessão, ela tornou público que mantinha um caso com ele. "Sob meu ponto de vista, vivi maritalmente com Youssef de 2000 a 2009. Amante é uma palavra que engloba tudo. Amante é esposa, amiga... tem coisa mais bonita que ser amante?", declarou. Nesse momento, começou a cantar um trecho da música "Amada Amante", do cantor e compositor Roberto Carlos. Enquanto deputados e jornalistas se divertiam no auditório da Justiça Federal, o presidente da CPI, o deputado Hugo Motta (PMDB-PB), interrompeu dizendo que a CPI não é "teatro".

Terminada a viagem a Curitiba para ouvir depoentes presos, os parlamentares da CPI voltam a Brasília para, amanhã, ouvir Renato Sanches Rodrigues, diretor de Operações e Participações da Sete Brasil. Antonio Imbassahy (PSDB-BA), vice-presidente da CPI, diz que a intenção é ouvir, na semana que vem, os empreiteiros que foram soltos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Agente da PF denuncia grampo

 

Por André Guilherme Vieira e Fábio Pupo | De São Paulo e Curitiba

Integrantes da Polícia Federal denunciaram na própria instituição a ocorrência de escuta ambiental ilegal na cela do doleiro Alberto Youssef. Em depoimento de um agente da PF tomado por um delegado em um hotel em Curitiba, a suposta ilegalidade é narrada. Youssef está preso desde 17 de março do ano passado na sede da superintendência regional da Polícia Federal (PF) em Curitiba. O delegado e o agente policial que prestou o depoimento estão desligados das investigações da Operação Lava-Jato, que apura corrupção na Petrobras e em outras empresas e órgãos da administração pública federal.

Em papel sem timbre intitulado "termo de depoimento" e enviado ontem à noite a redações de jornais em São Paulo por assessoria contratada por réus em ações penais da Lava-Jato, o agente de Polícia Federal Dalmey Fernando Werlang relata ao delegado Mário Renato Castanheira Fanton - lotado em Bauru (SP) - que recebeu no ano passado em sua sala na PF de Curitiba "visita do DPF Rosalvo [Ferreira Franco, superintendente da PF no Paraná] solicitando que implementasse com urgência uma escuta ambiental na cela da custódia a ser designada pelo DPF Igor [Romário de Paula, um dos delegados que atuam na Lava-Jato], que já estava pré-combinada com o agente Romildo, vulgo "Bolacha"(...) que se dirigiu à cela indicada por Bolacha que viria a ser ocupada pelo preso Alberto Youssef (...) que o equipamento de escuta foi colocado em cima do forro, entre a laje, ficando à espera da chegada do preso Youssef".

Procurada, a PF do Paraná não quis se manifestar oficialmente sobre o episódio. AoValor, fontes ligadas às investigações da Lava-Jato disseram que o agente Dalmey Fernando Werlang já depusera anteriormente, em procedimento formal na PF, e que na ocasião negou ter conhecimento da existência de um "grampo" na cela de Youssef.

Segundo investigadores da operação, o depoimento foi prestado de modo irregular, por ser fora da superintendência regional da PF em Curitiba,

Procurada, a defesa do doleiro Alberto Youssef disse que não poderia se manifestar a respeito. "Não temos como falar nada agora. É preciso analisar isso com calma, com cuidado. Os fatos narrados são graves, claro. Mas precisamos ter acesso ao conteúdo de uma sindicância da PF que apurou justamente essa questão e não encontrou nada que indicasse uma escuta ilegal plantada na carceragem", disse ao Valor o advogado Tracy Joseph Reinaldet dos Santos.

Em setembro do ano passado, os responsáveis pela sindicância para apurar a escuta clandestina encontraram um aparelho de gravação instalado na cela de Alberto Youssef.

No entanto, a perícia concluiu que o dispositivo estava inativo e que nada havia sido registrado pelo equipamento de áudio. Em 10 de abril de 2014 foram apreendidos dois aparelhos de escuta: um na laje da cela e o outro sob o colchão em que o doleiro dormia.

Na época, o advogado Antonio Figueiredo Basto, principal defensor de Youssef, disse que suspeitava que o doleiro tivesse continuado sob monitoramento policial mesmo depois de ter sido preso. E que a medida seria ilegal, por não haver autorização que a amparasse.