Valor econômico, v. 16, n. 3754, 13/05/2015. Política, p. A7

 

FHC diz que governo perdeu credibilidade

 

Por Sergio Lamucci | De Nova York

 

Zanone Fraissat/Folhapress - 10/4/2015Fernando Henrique: em homenagem nos Estados Unidos, tucano fez alusão a práticas recentes "não republicanas"

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez ontem críticas duras à política econômica e à política externa das administrações dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, afirmando que, no momento que o país atravessa, "houve perda de credibilidade, dos governos e das pessoas, o que às vezes contagia o país". Em discurso em Nova York, ele mencionou ainda práticas "não republicanas" recentes, mas sem citar casos específicos de corrupção - disse que, no exterior, prefere "calar" sobre esse assunto.

"Minhas longas nove décadas de vida e o tanto que delas dediquei ao país me autorizam a dizer, sem 'hubris': perdi em vários momentos a popularidade; nunca, contudo, a credibilidade. Sem aquela é possível governar, sobreviver; sem credibilidade, nada se faz", alfinetou o tucano, segundo o texto do discurso que seria feito ao receber o prêmio Personalidade do ano, concedido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA, junto com o ex-presidente americano Bill Clinton.

A uma plateia de mais de 1 mil empresários, investidores, políticos e diplomatas, o ex-presidente disse que as conquistas obtidas depois da redemocratização estão ameaçadas, ressaltando a sua participação em algumas delas, como a derrubada da inflação, com o Plano Real.

"A partir de meados dos anos 1990, reencetamos os caminhos do crescimento econômico dentro da democracia, tendência que se acentuou no século atual, até que a crise financeira mundial de 2008 e 2009 colocou novos desafios ao país", afirmou. Segundo ele, o governo brasileiro, então nas mãos de Lula, lançou naquele momento um "programa anticíclico exitoso", em reação ao descontrole dos mercados internacionais. O problema, de acordo com ele, é que "o governo interpretou o que era política de conjuntura como um sinal para fazer marcha à ré."

Aos poucos, contudo, o Brasil voltou à "expansão sem freios do setor estatal, ao descaso com as contas públicas, aos projetos megalômanos que já haviam caracterizado e inviabilizado o êxito de alguns governos do passado", segundo o ex-presidente. Para ele, havia a crença numa "fórmula mágica para o crescimento", baseada no aumento do crédito, principalmente público, e nos incentivos ao consumo.

"Os investimentos viriam por gravidade sem que o rigor dos orçamentos (...) fosse o sinal necessário para instigar o espírito animal dos empreendedores. Isso sem me referir a práticas que [à falta de] melhor eufemismo são ditas no Brasil como 'não republicanas', sobre as quais, no exterior, prefiro calar", criticou. De acordo com ele, também foi grave a "pretensão de sustentar o poder a partir de políticas de hegemonia partidária pregada e posta em ação por grupos que se autodenominam como 'de vanguarda'".

"Muito fizemos depois da Constituição de 1988 para refundar as bases de nosso progresso econômico e cívico. Foi para o que joguei o melhor de minhas forças. [Mas] Nos últimos anos toda esta construção histórica parecia desfazer-se no ar", disse o ex-presidente. "Construção feita por gerações e diante da qual não dá para dizer o 'nunca neste país, antes de mim fez-se tal e tal coisa'", afirmou, numa referência a um dos bordões de Lula. No texto, não há menção explícita a Lula ou a Dilma.

Para o ex-presidente, também é fundamental voltar a ter "disciplina no gasto público para usá-lo no que realmente é útil ao país, a infraestrutura, os programas sociais universais, saúde, educação e os programas de transferência de renda."

O tucano também fez várias críticas à política externa do governo brasileiro. "Infelizmente, nem sempre nossa voz se pronunciou forte quando, ao nosso lado, vez por outra, e às vezes com frequência, alguns países se afastaram das práticas democráticas", disse.

"Tolhidos por má compreensão da distinção entre ingerência externa indevida, movida por interesses econômicos ou de poder, e ação eficaz em defesa dos direitos da humanidade, nossos governos têm aceitado, pelo quase silêncio, violações além de nossas fronteiras, como ainda há pouco, no caso de reiterados arbítrios praticados na Venezuela."

O tucano também afirmou que o Brasil esboçou "timidamente" a sua repulsa ao terrorismo. "Não há sequer como pensar em negociar com quem exibe as cabeças cortadas dos 'infiéis'". Em setembro de 2014, em Nova York, Dilma disse que "lamentava enormemente" o ataque aéreo dos EUA contra o grupo extremista Estado Islâmico (ISIS, na sigla em inglês), afirmando que "o Brasil sempre vai acreditar que a melhor forma é o diálogo, o acordo e a intermediação da ONU."

No discurso, FHC fez elogios Clinton, a quem chamou de amigo e "cuja obra marcou a ação firme, mas generosa, dos EUA". "O casal Clinton deixou uma marca de inteligência, amizade e solidariedade em minha vida e na de Ruth [Cardoso, ex-mulher de FHC, morta em 2008]", disse ele, aproveitando para "saudar e desejar os melhores êxitos para Hillary", que vai disputar a indicação do Partido Democrata para concorrer à Presidência em 2016. O ex-presidente também afirmou que os esforços recentes dos EUA de obter um tratado nuclear com o Irã e de reconhecer a integração de Cuba com o sistema hemisférico "são sinais de uma releitura da excepcionalidade americana".

Entre os convidados, políticos como os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e Goiás, Marconi Perillo, e o senador Aécio Neves. Os presidentes do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, do BTG Pactual, André Esteves, do Conselho de Administração da Cosan, Rubens Ometto, e José Luis Cutrale, do Grupo Cutrale, também participaram da festa.

 

PT-SP pedirá na Justiça mandato de Marta Suplic

 

Por Cristiane Agostine | De São Paulo

O PT de São Paulo vai pedir na Justiça Eleitoral o mandato da senadora Marta Suplicy, que se desfiliou do partido no fim de abril. A decisão foi tomada ontem pelo diretório estadual paulista, por unanimidade. Marta deve ingressar no PSB até o meio do ano, para disputar a Prefeitura de São Paulo em 2016 contra o prefeito Fernando Haddad (PT).

Para justificar o pedido, o presidente do diretório estadual do PT, Emídio de Souza, afirmou, por meio de nota, que Marta se desfiliou "movida unicamente por interesses eleitorais e desmedido personalismo". Emídio disse também que "os projetos pessoais e as conveniências de oportunismo eleitoral não podem se sobrepor aos projetos coletivos".

Segundo o dirigente petista, Marta recusou-se a dialogar com a direção do PT. "O PT nunca cerceou as atividades partidárias ou parlamentares da atual senadora, ao contrário disso, Marta Suplicy foi sucessivamente prestigiada ao longo dos anos, com o apoio da militância e das direções, sendo eleita deputada federal, prefeita, senadora e nomeada duas vezes ministra de Estado", disse Emídio, em nota.

A senadora se manifestou pelas redes sociais e disse que "lutará com todas as forças" para a manutenção do mandato. A ex-petista afirmou ainda que "foi para melhor desempenhar" o mandato de senadora que saiu do PT. "Minha luta se dará em todas as instâncias judiciais e fora delas também", afirmou, em texto publicado no Facebook e no Twitter. "Continuarei lutando pelos mesmos princípios que sempre nortearam minha vida, bem como minha atividade parlamentar oriunda da representação política de meu mandato".

Marta saiu do PT no dia 28 de abril, sob fortes críticas ao partido. Na ocasião, a senadora e ex-ministra disse que o partido é protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção do país e afirmou que os crimes cometidos por petistas geram "um grande constrangimento". Em carta entregue aos diretórios municipal, estadual e nacional, a ex-petista disse que estava sendo perseguida dentro do partido e que foi "isolada e estigmatizada" dentro do PT. A afirmação pública foi feita em uma tentativa de evitar a cassação de seu mandato.

O desgaste da relação de Marta com o PT foi intensificado desde as eleições de 2012, quando teve que desistir de disputar a Prefeitura de São Paulo sob pressão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para dar lugar a Fernando Haddad. A senadora tem feito críticas públicas ao governo federal e à presidente Dilma Rousseff há meses, desde antes das eleições de 2014.

Se o PT conseguir reaver o mandato de Marta, deve assumir o ex-secretário municipal Paulo Frateschi (PT), segundo suplente na chapa. O primeiro suplente é Antonio Carlos Rodrigues (PR), ministro dos Transportes.