Valor econômico, v. 16, n. 3754, 13/05/2015. Finanças, p. C3

 

BC vai avaliar crise do setor imobiliário

 

Por Alex Ribeiro | De Brasília

O Comitê de Estabilidade Financeira (Comef) do Banco Central vai avaliar, em reunião marcada para amanhã, a situação do mercado de crédito imobiliário, que sofreu desaceleração nos últimos meses devido à baixa nos recursos captados na poupança.

O BC tem indicado que não vê riscos sistêmicos, mas avalia os impactos mais setoriais. Nos últimos dias, fiscais tiveram encontros com representantes dos bancos para, segundo apurou o Valor, colher informações sobre os riscos de uma parada súbita desse segmento do mercado.

Procurado pelo Valor, o Banco Central informou que essa é uma reunião ordinária do Comef, que ocorre trimestralmente, e que já há algum tempo o mercado de crédito imobiliário tem sido objeto de avaliação mais detalhada no seu Relatório de Estabilidade Financeira (REF). "O setor é objeto de estudos sempre", declarou.

O Comef, formado por integrantes da diretoria do BC, tem o papel de definir as estratégias, diretrizes e encomendar estudos relacionados à estabilidade financeira e prevenção do risco sistêmico. Em 2014, uma das suas reuniões antecedeu medidas de liberação de depósitos compulsórios. Hoje, porém, o BC está pouco permeável a adotar medidas do tipo, que iriam na contramão do aperto monetário.

Mas o setor imobiliário apresentou uma extensa agenda de pleitos, incluindo uso de recursos da faixa livre da caderneta de poupança e mecanismos para incentivar bancos a ampliarem aplicações no segmento.

O conselho curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) deve analisar no dia 26 proposta para ampliar o valor dos imóveis financiados com seus recursos. Mas a avaliação do setor imobiliário é que esses recursos não resolvem o problema de falta de dinheiro.

As estimativas são de que, neste ano, seriam necessários mais R$ 50 bilhões para atender à demanda, dos quais R$ 30 bilhões apenas para a Caixa Econômica Federal.

O FGTS tem um orçamento de R$ 56 bilhões para habitação em 2015, com prioridade para a renda mais baixa, e não a classe média, como contempla a proposta em estudo. A competição pelos recursos é grande. O governo já vem estudando a criação de uma nova faixa do "Minha Casa, Minha Vida" com recursos do FGTS, com foco na renda mais baixa.

Uma das possibilidades em estudo pelas áreas técnicas do governo é realocar para habitação recursos do saneamento básico, que tem orçamento de R$ 7,5 bilhões, e de infraestrutura, com orçamento de R$ 12 bilhões. Essas áreas estariam com uma execução mais lenta que habitação.

Embora a Caixa seja o gestor do FGTS, a proposta final de flexibilização do uso do fundo deve refletir a posição do governo como um todo, incluindo ministérios do Trabalho, Transportes, Fazenda e Casa Civil, entre outros. O governo detém a maioria do conselho curador do FGTS, com 12 cadeiras, enquanto os trabalhadores têm cinco representantes, e os empresários, seis.

As notícias de que o governo planejava mudanças nas regras das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e restringir o crédito direcionado e de que a Caixa iria aumentar os juros anteciparam a demanda por financiamentos. Tal combinação ampliou o estresse no sistema em um momento em que as captações dos bancos na poupança já vinham caindo. Os saques superaram os depósitos em R$ 29 bilhões de janeiro a abril.

A expectativa inicial era que, neste começo de ano, caísse a demanda por financiamentos imobiliários. Mas, no primeiro trimestre, a concessão de crédito direcionado à habitação para pessoas físicas somou R$ 26,016 bilhões, o que significa certa estabilidade em relação aos R$ 26,142 bilhões contratados no primeiro trimestre de 2014.

No caso do FGTS, uma das propostas em estudo é aumentar o valor dos imóveis que poderiam ser financiados, dos atuais R$ 190 mil para R$ 300 mil. Para evitar críticas de que os recursos estariam beneficiando a classe média, a proposta contempla a cobrança de taxas de juros maiores. Outro argumento que procurará sensibilizar o conselho curador do FGTS é a preservação de empregos na construção civil.

Outras hipóteses defendidas pelo setor imobiliário, que estão sendo analisadas dentro do governo, é obrigar que os bancos apliquem a chamada faixa livre da poupança, que corresponde a 5% dos recursos captados em caderneta, em novos financiamentos. As estimativas são de que essa fonte de recursos possa movimentar R$ 20 bilhões.

Também está sendo contemplada dentro do governo a hipótese de criar mecanismos que obriguem bancos com margem para aplicar a destinar efetivamente recursos a novos financiamentos imobiliários.

Hoje, a Caixa, o Banco do Brasil, o HSBC e o Santander estão sem novos recursos para aplicação, enquanto o Itaú e o Bradesco têm margem. Uma das possibilidades é não permitir mais que os bancos cumpram as suas exigibilidades com a compra de papéis como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs).

O setor imobiliário tem insistido na tese de que, sem a liberação dos depósitos compulsórios da caderneta de poupança, será difícil mobilizar o volume de recursos necessário para atender à demanda do mercado e evitar uma queda dos preços de imóveis.

Depois das negativas do Banco Central e da Fazenda à liberação de compulsórios da caderneta de poupança para novos financiamento, o setor imobiliário procurou o Palácio do Planalto na esperança de rever a decisão.

Procurada pelo Valor, a Caixa declarou em nota que "que realizou ajustes nas taxas e cotas das operações que utilizam recursos da poupança (SBPE), no último mês de abril. Assim como os demais bancos, a Caixa teve impacto da redução da captação da poupança e da elevação da taxa Selic".

 

Banco chinês desenha acordo com a Caixa para fundo de infraestrutura

 

Por Alex Ribeiro | De Brasília

O Banco de Desenvolvimento da China vai assinar, na semana que vem, um memorando de entendimentos com a Caixa Econômica Federal para criar um fundo de investimento de US$ 50 bilhões para financiar projetos de infraestrutura, de agricultura e de segurança pública.

Essa iniciativa é um dos pontos mais importantes da agenda econômica da visita do primeiro-ministro da China, Li Keqiang, ao Brasil. O país asiático espera mobilizar US$ 53 bilhões em investimentos em projetos de infraestrutura, conforme antecipou o Valor na segunda-feira, em coluna do jornalista Sergio Leo.

Por enquanto, os dois países estão apenas firmando intenções mais gerais, por meio de documento a ser assinado por seus bancos estatais. Em contatos técnicos iniciais, os chineses expressaram o desejo de reproduzir o modelo de financiamento adotado em acordos similares com o Equador e o México.

Pelas conversas preliminares com o Ministério das Relações Exteriores e com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o dinheiro não seria, necessariamente, destinado apenas a projetos que sejam executados por empresas chinesas.

Depois de assinado o memorando de entendimentos, serão definidos os detalhes. Entre eles, a natureza jurídica do fundo de investimento, seu gestor, a remuneração e a governança.

Entre as hipóteses possíveis estão a criação de um fundo de investimento sob a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou da criação de um fundo de governo.

Sobre a governança do fundo, um dos aspectos mais importantes é como seriam definidas as estratégias e as decisões de investimentos. A Caixa provavelmente será o gestor do fundo e, se esse for o caso, será definida uma taxa de administração, já que os estatutos do banco federal obrigam que todas as suas atividades tenham remuneração positiva. Procurado pelo Valor, o banco federal não comentou a assinatura do memorando.

A iniciativa dos chineses é vista, dentro do governo, como um sinal positivo, às vésperas do anúncio de um novo pacote de concessão de projetos de infraestrutura, incluindo estradas, portos e ferrovias - sobretudo quando a falta de recursos de origem fiscal limita o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas a expectativa é que os eventuais aportes e desembolsos sejam feitos ao longo do tempo.

Na última década, a China vem aumentando o volume de financiamentos à América Latina para, segundo especialistas, ampliar o poder de influência na região e garantir acesso a recursos naturais, como petróleo e minérios. Para países da região, a China tem servido como canal para levantar capitais sem se submeter às exigências dos organismos multilaterais.

Em abril, em meio a incertezas sobre a publicação de seu balanço, a Petrobras obteve uma linha de financiamento de US$ 3,5 bilhões junto ao Banco de Desenvolvimento da China.

Os chineses já investiram mais de US$ 100 bilhões na América Latina na última década. O principal destino de capitais chineses foi a Venezuela, que nos últimos anos teve pouco acesso aos mercados de capitais e recursos de organismos multilaterais. Em contrapartida, a Venezuela garantiu o fornecimento de petróleo ao país asiático.