Valor econômico, v. 16, n. 3753, 12/05/2015. Opinião, p. A11

'Cost disease' e estagnação econômica

 

Por Yoshiaki Nakano

Nas últimas três décadas, a economia brasileira sofreu um processo de desindustrialização. No período mais recente, a participação do valor agregado da indústria de transformação caiu de 19% do PIB, em 2004, para 13%, em 2014. Neste mesmo período, o setor de serviços aumentou a sua participação no PIB de 63% para 70%. Como este último setor é mais intensivo em mão de obra, a taxa de desemprego caiu no período de 12,2% para 4,9%. Este processo levará a economia brasileirainevitavelmente para uma inflação persistente e estagnação secular. Inevitavelmente, no limite, porque é um fenômeno tecnológico.

William Baumol, num artigo publicado em 1967, aponta para este fenômeno ("Macroeconomics of Unbalanced Growth: The Anatomy od Urban Crisis", American Economic Review, vol.57, no. 3, pp. 415-426). A premissa é de que as atividades econômicas podem ser agrupadas em dois grupos: as atividades tecnologicamente progressistas em que inovações, acumulação de capital e economias de escala tornam possível um processo de aumento cumulativo do produto por trabalhador; e atividades em que, por sua natureza, o aumento de produtividade, se ocorrer, é esporádico. A indústria manufatureira compreende as atividades do primeiro grupo. Por outro lado, há uma grande número de atividades no setor de serviços que depende fundamentalmente do fator trabalho, cuja expansão ou melhoria na qualidade requer, na proporção direta, mais trabalho. Atividades de ensino, assistência médica, restaurante, cabeleireiro etc. Ditos serviços pessoais, que se expandem no Brasil, estão nesta categoria.

Segundo Baumol, este crescimento desbalanceado na produtividade é uma força econômica tão poderosa, capaz de romper com todas as barreiras levantadas para contê-la e que não só explica a história passada como dará a paisagem do futuro. Não é à toa que o Brasil entrou num processo de estagnação.

O crescimento desbalanceado na produtividade é uma força econômica muito poderosa

Em outras palavras, o ajuste fiscal é apenas um aviso de que o futuro está chegando. E é um problema menor diante do desafio que a desindustrialização e baixa produtividade impõem aos brasileiros. O que temos que fazer é uma profunda reforma do setor público, não só repensando o nosso sistema de transferências e de seguridade social, bem como a produção de serviços sociais.

Neste repensar é vital a transferência de muitas atividades para o setor privado, removendo a ditadura da ineficiência burocrática, liberando as forças inovadoras. Nesta reforma, se não formos capazes de mudar profundamente a dinâmica do nosso setor público, do modelo burocrático e anacrônico, precisamos transitar para um modelo de gestão por resultado, em que custos e produtividade passam a ser referências fundamentais na gestão pública ou não sairemos do atoleiro em que nos metemos.

Para clarear as ideias e as suas implicações, imaginemos um exemplo muito simples. Vamos assumir que numa economia o setor manufatureiro seja o setor progressivo e aumenta a produtividade 2% ao ano e que os salários sobem na mesma proporção. Neste caso, o custo unitário do trabalho se mantém constante. Por outro lado, imagine o setor governo, não progressivo, onde a produtividade fica estagnada, mas os salários acompanham o do setor manufatureiro e aumentam 2% ao ano, portanto, os custos sobem 2% ao ano sem limite. Suponha que a demanda de serviços públicos aumenta ao mesmo ritmo dos produtos manufatureiros. O que acontecerá nesta economia?

Se a relação entre a produção manufatureira e serviços públicos se mantiver constante, será necessário que mais e mais força de trabalho seja transferida do setor progressivo para o setor não progressivo, no limite, a quantidade de trabalho no setor manufatureiro tenderá a zero. E esta economia inevitavelmente, entrará em estagnação.

O exemplo acima é muito ilustrativo do caso brasileiro. Na verdade, o caso brasileiro é mais grave que o exemplo ilustrativo, pois o salário do setor público é pelo menos duas vezes maior do que do setor privado, e a ineficiência na produção de serviços públicos é gritante.

Se a demanda de serviços públicos crescer o mesmo que o consumo privado, os custos daqueles serviços crescerão a ritmo maior do que o PIB e, portanto a carga tributária, que já é altíssima no Brasil, terá que aumentar cumulativamente sem limite até absorver todo o PIB! Este é o "cost disease" de Baumol. É bom lembrar que nesta situação haverá uma pressão inflacionária, estrutural e permanente, a exemplo do que vem acontecendo no Brasil. E lembre-se que esta pressão não desaparece com simples elevação da taxa de juros.

É importante lembrar que o setor público é um grande empregador da força de trabalho. Países como a Noruega, Dinamarca e Suécia empregam de 25% a 30% dos trabalhadores. Os países da OCDE empregam, em média, cerca de 16%. O Brasil não deve estar muito distante e praticamente alcançou o pleno emprego.

Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP) e escreve mensalmente neste espaço.