Lava- Jato: empreiteiras fizeram repasses suspeitos a operador

 

Um consórcio integrado pela Odebrecht pagou R$ 1,4 milhão à empresa de um operador investigada por contratar o petista José Dirceu. Nos dois casos, a Lava- Jato suspeita de pagamento de propina. - SÃO PAULO- A Jamp Engenheiros Associados, empresa de Milton Pascowitch que pagou cerca de R$ 1,4 milhão à consultoria do ex- ministro José Dirceu, também recebeu dinheiro de consórcio formado pelas empreiteiras Odebrecht e UTC. Segundo o juiz Sérgio Moro, há “fundada suspeita” de que o repasse tenha sido direcionado a dirigentes da Petrobras.

O consórcio PRA 1- Módulos repassou, em 2004, R$ 1.533.375 para a Jamp. O mesmo valor teria sido transferido pelo consórcio à Rio Marine, de Mário Goes, também apontado pelo Ministério Público Federal como operador de propinas pagas com dinheiro de obras da Petrobras. Goes teria atuado também para a Andrade Gutierrez, outro alvo da 14 ª fase da Lava- Jato.

“Em ambos os casos, há fundada suspeita de que esses repasses, efetuados por pagamentos de consultoria, visavam apenas dar aparência lícita do pagamento de propinas a operadores, depois direcionados aos dirigentes da Petrobras”, escreveu Moro no despacho que levou à prisão dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, na última sexta- feira.

Goes e Pascowitch, diz o MPF, “eram responsáveis por intermediar pagamentos de propinas e lavar o dinheiro oriundo dos crimes de fraude à licitação e cartel. A partir dos recebimentos de valores das empreiteiras em suas contas, fundamentados em contratos falsos de consultoria que buscavam conferir aparência lícita aos pagamentos, eles repassavam os valores” a servidores e políticos.

Pascowitch é um dos investigados da Lava- Jato e está preso no Complexo Médico Penal do Paraná. Semana passada, o advogado de Dirceu, Roberto Podval, disse que Pascowitch pagou R$ 400 mil como entrada para compra do escritório da consultoria do ex- ministro, a JD. Podval disse que Dirceu prestou serviços à Engevix, onde Pascowitch trabalhou, e que posteriormente o cliente resolveu transferir o contrato de consultoria da JD para a Jamp. Segundo ele, nos dois casos Dirceu prestou serviços de prospecção de negócios no exterior, sobretudo na América Latina.

O MPF identificou pagamentos de R$ 78.753.337,58 feitos pela Engevix à Jamp entre 2004 e 2014. A PF já havia identificado também pagamento de R$ 2,6 milhões feito pela UTC à Jamp.

A empresa de Pascowitch também recebeu R$ 281.465 da GDK, a mesma que doou um Land Rover a Sílvio Pereira, ex- secretário geral do PT, fato apurado no mensalão. A Jamp também transferiu dinheiro à D3TM, de Renato Duque, e à Costa Global, controlada por Paulo Roberto Costa.

A Odebrecht disse que “nunca manteve contrato com a Jamp nem com a Rio Marine”. A UTC afirmou não comentar “investigações em andamento”. O advogado de Pascowitch não foi encontrado.

 

AS ACUSAÇÕES E A DEFESA DA EMPREITEIRA

 

Depoimentos

A ACUSAÇÃO. O envolvimento das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez no esquema de corrupção na Petrobras foi mencionado em depoimentos de Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, e por Augusto Mendonça Neto, dirigente da Setal Óleo e Gás; Júlio Camargo, consultor; Dalton Avancini, presidente da Camargo Corrêa, e Gerson Almada, ex- dirigente da Engevix.

O QUE DIZ A ODEBRECHT. A Odebrecht nega ter participado de cartel. “Não há cartel num processo de contratação inteiramente controlado pelo contratante, como ocorre com a Petrobras”. A Andrade Gutierrez diz que “não tem ou teve qualquer relação com os fatos investigados pela Lava- Jato”.

Documentos

A ACUSAÇÃO. Documentos apresentados pelo dirigente da Setal Óleo e Gás Augusto Mendonça e papéis apreendidos na sede da Engevix incluem tabelas que mostram em uma coluna o nome de obras da Petrobras e, em outra, siglas que representariam os nomes das construtoras que venceriam as licitações. Odebrecht é identificada pela sigla CO e Andrade Gutierrez, pela sigla AG.

O QUE DIZ A ODEBRECHT. Ainda não se pronunciou sobre isso.

“Sobrepreço”

A ACUSAÇÃO. E- mail enviado pelo presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, no qual estão copiados Márcio Faria, da Odebrecht, e Elton Negrão, da Andrade Gutierrez, comprovaria reunião do cartel. Outro e- mail, enviado por Roberto Prisco Ramos para Marcelo Odebrecht e três diretores, fala de “sobrepreço de US$ 20 mil a US$ 25 mil” no contrato de operação de sondas com a Petrobras.

O QUE DIZ A ODEBRECHT. O e- mail que fala de sobrepreço representa a tradução de “cost plus fee”, um termo utilizado pelo mercado para falar de uma remuneração extra prevista em contrato e não tem relação com “superfaturamento, cobrança excessiva ou qualquer irregularidade”.

Contas no exterior

A ACUSAÇÃO. Paulo Roberto Costa diz que a maior parte dos valores recebidos em contas offshore que mantinha na Suíça eram provenientes de propina paga pela Odebrecht por meio do diretor Rogério Araújo e por Bernardo Freiburghaus, que vive na Suíça. Pedro Barusco declarou que recebeu propinas da Odebrecht em dez contratos firmados com a Petrobras. A Lava- Jato elencou como evidência supostos pagamentos feitos pela empreiteira a uma empresa offshore de Barusco.

O QUE DIZ A ODEBRECHT. A empreiteira nega ter pago propina no exterior. Sobre o pagamento a Barusco, diz que aquilo que a PF considerou como “depósitos” são, na verdade, investimento em títulos privados ( bonds) da empreiteira feitos pelo delator. Os títulos são emitidos no mercado e negociados por instituições financeiras “sem qualquer controle ou envolvimento da Odebrecht”. A PF reconheceu os pagamentos podem se referir aos ‘ bonds’ e disse que eles estão sob apuração.

Inércia

A ACUSAÇÃO. A Lava- Jato diz que a falta de investigações internas nas duas construtoras é um “indicativo do envolvimento da cúpula diretiva e que os desvios não decorreram de ação individual”. PF e MPF concluem que, pela duração, dimensão e valor do esquema, parece “inviável que fosse desconhecido dos presidentes das empreiteiras”

O QUE DIZ A ODEBRECHT. Diz que a afirmação de que a empresa não fez nada “não corresponde à realidade”, e que pratica um código de conduta e um sistema de conformidade ( compliance) . A presunção, por parte das autoridades, de que os diretores e o presidente conheciam as práticas supostamente ilegais é descrita como uma afronta ao estado de direito pela Odebrecht.

 

Em e-mail, diretor de empreiteira cita Sérgio Cabral

 

Um e- mail do diretor da Odebrecht Rogério Araújo, apontado como um dos representantes da empresa no cartel que atuava na Petrobras, cita o ex- governador do Rio Sérgio Cabral ( PMDB). A mensagem mostra que executivos discutiram a suposta participação de Cabral em negociações para incluir a Construtora Norberto Odebrecht ( CNO) num dos consórcios contratados para obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro ( Comperj), ao lado da Mistui e da UTC. Araújo foi um dos 12 presos na 14 ª Fase da Operação LavaJato. Cabral nega qualquer interferência.

“Petrobras/ PR vai conversar com o Governador sobre este novo arranjo com participação da CNO ( é importante o Sérgio Cabral ratificar! e também definir o seu interlocutor neste assunto que atualmente junta e Petrobras e Mitigue é o Eduardo Eugênio). Mitsui/ JC gostaria que a reunião de segunda- feira fosse realizada após a conversa da Ultratec na Pb, ou seja, após terça- feira, dia 9/ 10. Eu fiz pressão para mantermos nossa agenda e ele ficou de dar retorno. Darei retorno a vocês”, diz Araújo na mensagem de 4 de outubro de 2007.

PR seria Paulo Roberto Costa, ex- diretor da Petrobras e delator da Lava- Jato. Eduardo Eugênio é Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Federação das Indústrias do Rio ( Firjan). No mesmo e- mail, Araújo afirma que naquele dia Júlio Camargo, que representava a empresa Mitsui, esteve na Petrobras e “recebeu o input” de fazer parceria com a Odebrecht e teria concordado. Alguns dias depois, segundo o email, a mesma orientação seria dada a Ricardo Pessoa, presidente da UTC.

A atuação de Araújo no cartel foi delatada pelo ex- gerente da Petrobras Pedro Barusco.

Em nota, Cabral afirmou que jamais interferiu em qualquer obra da Petrobras, inclusive as do Comperj, em Itaboraí. “Todos os assuntos relativos ao abastecimento de água para empresas e residências no governo Sérgio Cabral foram tratados diretamente pela Cedae”.

Gouvêa Vieira informou que, como presidente da Firjan, mantém “interlocução permanente com as principais lideranças políticas do estado e do país”, e que Cabral “sempre foi um desses interlocutores”, mas negou que tenha tratado do interesse de qualquer empresa no Comperj com o ex- governador: “Tenho horror a bandalheira. Estou entre os que apoiam as investigações em curso desde a primeira hora”.

 

Doleiro Youssef identificou pagamentos da Odebrecht

O doleiro Alberto Youssef identificou para os investigadores da Operação Lava- Jato depósitos de US$ 4 milhões que teriam sido feitos pela Odebrecht para uma empresa de fachada usada no esquema. Segundo o doleiro, o montante fazia parte de acordo para o pagamento de R$ 7,5 milhões em propinas no exterior. A Odebrecht nega ter feito pagamentos a ex- diretores da Petrobras ou a “supostos intermediários”. Os documentos referentes aos depósitos fazem parte do processo que levou à prisão de dirigentes da empreiteira semana passada.

Os depósitos identificados por Youssef são em uma conta da RFY Import & Export, empresa de fachada controlada por Leonardo Meirelles, dono do laboratório Labogen. Meirelles admitiu ter feito operações superiores a US$ 100 milhões para Youssef no exterior, mas disse que precisava ir ao exterior para tentar identificar nos extratos a origem dos pagamentos. Youssef apontou aos investigadores oito repasses entre setembro de 2011 e maio de 2012 que teriam a Odebrecht como fonte originária.

Os extratos são de uma conta no Standard Chartered, de Hong Kong. Não há nomes de quem fez o depósito, apenas números. Os extratos foram anexados ao inquérito que levou à prisão dos executivos. Foram destacados com caneta marca- texto os depósitos que seriam da Odebrecht. Os extratos foram apreendidos pela PF em março de 2015, no escritório de uma das empresas de Youssef, a GFD Investimentos.

Youssef afirma que Cesar Rocha, diretor financeiro da holding da Odebrecht, era o responsável pelos pagamentos. Diz que o acerto era referente a propinas devidas pela empresa pelos contratos firmados para obras na refinaria Abreu e Lima ( PE) e no Complexo Petroquímico do Rio ( Comperj).

Em nota, a Odebrecht contestou Youssef e negou ter feito os pagamentos: “A CNO reafirma que não fez nenhum tipo de pagamento ou depósito para ex- diretores da Petrobras e seus supostos intermediários. As acusações de réu confesso em dezenas de processos que tramitam na Justiça Federal do Paraná são mentirosas. Todos os contratos obtidos, há décadas, pela CNO junto à Petrobras seguiram estritamente o que estabelece a legislação vigente”.