Valor econômico, v. 16, n. 3761, 22/05/2015. Brasil, p. A4

 

Dilma diz que proposta de Mercosul a UE pode vir em 'velocidades diferentes'

 

Por Daniel Rittner e Bruno Peres | De Brasília

 

Ruy Baron/ValorTabaré Vásquez e Dilma Rousseff: Mercosul como está não satisfaz

A presidente Dilma Rousseff admitiu, pela primeira vez, a possibilidade de que os sócios do Mercosul promovam uma abertura em "velocidades diferentes" no acordo de livre comércio em negociação há mais de dez anos com a União Europeia (UE). Isso sinaliza uma mudança de postura em relação à ordem anterior de apresentar aos europeus oferta única de liberalização comercial e sugere que há disposição do bloco sul-americano em flexibilizar suas regras.

"As velocidades diferentes estão previstas internamente em todos os acordos. Elas vão ocorrer dentro da União Europeia e dentro do Mercosul. Cada realidade é uma [realidade]", disse Dilma, antes do almoço em homenagem ao presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, que esteve em Brasília para visita de Estado - a mais importante no simbolismo diplomático. Em seguida, referindo-se aos demais vizinhos, ela completou: "A gente espera que todos possam apresentar suas propostas, mas não há nenhum problema se alguém não apresentar imediatamente".

Para a presidente, diante da crise e da redução do comércio global, é uma "prioridade" concretizar a troca de ofertas entre Mercosul e UE no prazo "mais breve possível". Também ressaltou que as propostas deverão ser colocadas à mesa simultaneamente e que espera avanços nas negociações de um acordo em 2015.

Na avaliação reservada de assessores presidenciais, trata-se de um sinal importante, duas semanas depois da primeira reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do novo governo. Na ocasião, ficou combinado que é preciso acelerar os acordos comerciais, mas ninguém teve coragem de propor concretamente negociações bilaterais com a UE. Pelo menos dois ministros - Armando Monteiro (Desenvolvimento) e Kátia Abreu (Agricultura) - sempre defenderam pessoalmente uma posição mais flexível nas discussões com os europeus.

A paralisia no acordo de livre comércio entre os dois blocos foi objeto, inclusive, da conversa pessoal que Dilma e Tabaré tiveram. Depois, em declaração à imprensa, o uruguaio afirmou que "não seríamos sinceros se disséssemos que o Mercosul, como está, nos satisfaz". Ele considerou necessário outorgar aos sócios do bloco "certas flexibilidades para que, aqueles que desejam, possam avançar em conjunto com outros parceiros comerciais".

Brasil, Uruguai e Paraguai conseguiram acertar uma proposta mais ousada de liberalização aos europeus. A Argentina tinha dificuldades em somar-se à oferta amarrada pelos três. No caso da negociação com a UE, a Venezuela não participa. Os argentinos custavam não só a aproximar-se do patamar de 85% a 90% exigido pelos europeus para a cobertura de produtos que terão suas tarifas gradualmente eliminadas. Buenos Aires concentrava grande quantidade de setores e produtos em "cestas" com prazos mais lentos de reduções tarifárias.

Em meados do ano passado, apesar das dificuldades, os quatro países finalmente decidiram fazer mesmo uma oferta única à UE. O grau de abertura da proposta é guardado a sete chaves, como em qualquer processo de negociação comercial, já que antecipar o conteúdo é tido como erro mortal pelos diplomatas.

O princípio das "velocidades diferentes" já havia sido apresentado a Dilma por seus auxiliares, mas sem prosperar. Isso significava que os quatro sócios podem negociar conjuntamente, mas cada um com o seu próprio ritmo de eliminação das tarifas. O que não deixa de ser um contrassenso, já que a base do Mercosul é a tarifa externa comum (TEC).

Enquanto isso, a UE ainda não obteve consenso entre seus 28 países para a oferta que fará ao Mercosul. França, Irlanda e Polônia têm resistências maiores em ceder na área agrícola. Além disso, desde o ano passado, Bruxelas colocou prioridade nas negociações para o tratado de livre comércio que negocia com os Estados Unidos, reservando menos espaço ao bloco sul-americano. Um dos principais entusiastas do acordo, o ex-presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso, deixou o cargo.