Reforma de Cunha estimula infidelidade partidária

 

Tocada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB), num clima de feira livre, a ilógica reforma política em tramitação na Casa continua a produzir equívocos. Já acabou com a reeleição, instituiu mandatos de cinco anos — no caso dos senadores, subtraiu três dos seus mandatos — e cortou casuisticamente a idade mínima exigida para cargos eletivos, entre outros deslizes. Ainda bem que faltam a votação do segundo turno na Câmara, exigida para emendas constitucionais, e a repetição do mesmo rito no Senado.

Há chance, portanto, de se corrigirem erros. Outro deles é a indesejável abertura de uma janela de 30 dias, após promulgação da emenda, para que deputados federais, estaduais e vereadores troquem de partidos, um monumento à infidelidade partidária.

O projeto, aprovado em primeiro turno, tem um caráter de casuísmo tanto quanto a emenda da idade mínima, feita sob medida para Wilson Filho ( PTB- PB), de 25 anos, poder se eleger em 2018 senador ou governador.

No caso da janela da infidelidade, projeto apresentado pelo líder do PTB, Jovair Arantes ( GO), os principais interessados são partidos de menor porte, como o do autor da proposta, o PROS e siglas nanicas.

Situacionistas por definição, essas legendas entram em crise de identidade com a perda de apoio popular da presidente Dilma. Seus parlamentares aproveitam a reforma política para embutir na Constituição esta janela e poderem mudar de pouso sem qualquer risco de perda de mandato.

Quer dizer, a reforma política de Eduardo Cunha, além de transcorrer num ritmo incompatível com a necessidade de se esmiuçar cada proposta, tem servido para atender a interesses do varejo mais desimportante do baixo clero do Congresso.

A questão da fidelidade partidária é uma daquelas inegociáveis, porque tem a ver com o fortalecimento dos partidos, essencial numa democracia representativa.

Um dos mais clássicos estelionatos contra o eleitor, a troca de partido sem motivo de fundo veio sendo barrada nos últimos tempos. A farra do troca- troca foi esvaziada com a punição da perda de mandato. O rigor foi reforçado com o entendimento do Supremo de que o mandato é do partido e não do parlamentar — a não ser no Senado, onde a eleição é majoritária, esclareceu há pouco o próprio STF.

A janela casuística da reforma de Eduardo Cunha cria uma preocupante fissura nesta barreira. Se aprovada definitivamente no Senado, a emenda será mais um golpe para enfraquecer os partidos, malvistos pelo eleitorado. Já não bastassem a falta de uma efetiva cláusula de desempenho, para acabar com privilégios de legendas nanicas, e a manutenção das coligações em pleitos proporcionais, forma de privilegiar os puxadores de voto e deixar em segundo plano os próprios partidos.