Afinidades ideológicas

 

Com o aprofundamento da recessão e o agravamento das tensões politicas, a situação da Venezuela se deteriora rapidamente. Caso essa situação se mantenha, não é difícil prever o futuro do governo Maduro. Não vai acabar bem.

Nesse contexto, na última semana, dois fatos tiveram grande repercussão no Brasil com sério impacto negativo na relação bilateral, não fosse nosso um governo complacente com regimes autoritários.

A vinda ao Brasil do poderoso e controvertido Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional venezuelana, desperta muitas interrogações. O visitante foi tratado como chefe de Estado, sendo recebido pelo ex- presidente Lula, pela presidente Dilma, pelos presidentes da Câmara e do Senado e por alguns ministros. O real motivo da visita, talvez nunca se saiba. Não deixa de ser estranho que o visitante seja recebido em tão alto nível no momento em que pesam sobre ele acusações feitas por autoridades dos EUA de que Cabello seria um dos líderes do tráfico internacional de drogas.

A ida da delegação de senadores brasileiros a Caracas não se limitava à intenção de ver presos políticos e opositores do governo Maduro, como o moderado Henrique Capriles. Não foi noticiado que o presidente do Senado fez solicitação formal ao embaixador brasileiro para que agendasse encontros da comitiva com autoridades do governo. A hostilidade com que os senadores foram recebidos faz com que seja este talvez o mais delicado dos fatos políticos na aérea externa dos últimos anos. Difícil imaginar que a Embaixada brasileira — que prestou apoio logístico, mas abandonou os senadores ao retirar o diplomata que deveria acompanhar a missão humanitária — não soubesse o que estava sendo preparado para a comitiva.

O Congresso Nacional repudiou os atos de hostilidade aos senadores brasileiros. Já o governo brasileiro evitou condenar os acontecimentos. Apenas, por meio do Itamaraty, lamentou os incidentes que afetaram a visita à Venezuela da Comissão Externa do Senado e informou que solicitará ao governo venezuelano, pelos canais diplomáticos, os devidos esclarecimentos sobre o ocorrido. Em outras palavras, a presidente Dilma não vai interferir, deixando à Chancelaria o encargo de burocraticamente pedir explicações sobre o episódio.

As afinidades ideológicas com a Venezuela, proclamadas pelo então presidente Lula, foram explicitadas no apoio irrestrito às ações políticas de Chávez: “Nunca a Venezuela foi tão democrática”. E pela nossa participação nas campanhas de eleições presidenciais, na suspensão do Paraguai para permitir o ingresso da Venezuela no Mercosul, nas negociações fracassadas com a PDVSA para a construção da refinaria Abreu e Lima, ( que tanto prejuízo causou a Petrobras) e no suporte financeiro de projetos por meio do BNDES ( a Venezuela foi o pais que mais recebeu financiamento do Banco).

O governo brasileiro precisa demonstrar que está do lado da democracia e de seus representantes, superando a contradição entre a plataforma do PT na política externa e a disposição de defender o interesse nacional.