Valor econômico, v. 16, n. 3764, 27/05/2015. Finanças, p. C1

 

Dúvida fiscal ainda tem potencial de pressionar ativos

 

Por Lucinda Pinto, José de Castro, Aline Cury Zampieri, Silvia Rosa, Teo Takar e Flavia Lima | De São Paulo

 

Sergio Zacchi/Valor"Há uma desconfiança sobre se o Levy vai conseguir levar a cabo o que ele pretende", afirma Newton Rosa, da SulAmérica

Cerca de dois meses depois de o mercado ingressar em um movimento de recuperação promovido pela aposta de que a política econômica ingressará em uma dinâmica positiva, de recuperação da credibilidade, o noticiário vindo de Brasília trouxe de volta o receio de que os tão aguardados ajustes não ocorram, ou pelo menos não como o esperado. Os sinais de enfraquecimento do apoio ao esforço fiscal defendido pelo ministro Joaquim Levy já provocaram alguns ajustes no prêmio de risco exigido pelos investidores. Mas agentes são unânimes em afirmar que os preços estão longe de contemplar um cenário de retrocesso da política. Ou seja, o potencial de estrago ainda é elevado.

Ontem, o dólar subiu com força: 1,70%, para R$ 3,1491, mas absolutamente em linha com seus pares no exterior. Da mesma forma, o Ibovespa fechou em queda, de 1,79%, aos 53.629 pontos. Já o custo do Credit Swap Default (CDS) do Brasil, espécie de seguro contra calote, sofreu leve piora, de dez pontos base para 233,5 pontos, ampliando a diferença em relação ao papel mexicano para 118 pontos base, dos 90 pontos observados na semana passada.

A piora dos preços é considerada moderada. O que poderia acionar um reposicionamento expressivo, dizem profissionais, é a votação das Medidas Provisórias 664 e 665, que tratam dos ajustes em regras trabalhistas e previdenciárias, sendo que o efeito desse evento ende a ser "assimétrico". Se aprovadas as medidas, o mercado pode ganhar um fôlego de curto prazo. Mas, se rejeitadas pelo Congresso, tagentes preveem intenso nervosismo. "Se não aprovar, é dólar para cima de R$ 3,30 ", diz a fonte. "Seria um desastre." Já o Ibovespa caminharia de volta para os 50 mil pontos, nível do fim de março, quando as discussões sobre o ajuste fiscal ganharam força, prevê o analista técnico da Clear Corretora, Raphael Figueredo.

Sem a aprovação, diz Ilan Solot, estrategista para mercados emergentes da Brown Brothers Harriman em Londres, nem mesmo as altas taxas de juros pagas por aqui serão suficientes para compensar o aumento do risco e atrair capital estrangeiro.

"O mercado não precifica nem de longe esses novos fatores de risco e também não coloca nos preços os recentes ruídos", diz o sócio-gestor da Leme Investimentos, Paulo Petrassi. Ele chama de "ruídos" as referências à possibilidade de o PT negar de forma mais consistente o apoio às medidas fiscais e também a notícia publicada peloValor de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende colocar o atual ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, no lugar tde Levy. "Se o Lula não apoia, o PT não apoia e a Dilma não apoia, o PMDB não apoiará. Então, quem estará do lado do Levy?", questiona um profissional. Para ele, o risco hoje é de o ministro ficar isolado. "É muito cedo para pensar na saída do ministro", diz.

O estrategista da Nomura Securities, João Pedro Ribeiro, diz que, mesmo com a melhora recente dos preços, o risco político nunca saiu do radar. Mas, agora, há um temor de que o ajuste fiscal possa ser interrompido, embora um cenário muito pessimista, por exemplo com a saída de Levy, ainda não esteja contemplado nos ativos.

 

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Esse cenário mais negativo, em que as medidas não serão aprovadas, é visto como pouco provável. E é por isso que, a despeito do noticiário preocupante, o mercado reage com relativo "sangue-frio". O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, diz que muito do ruído político que ocorre e estressa os mercados trata-se de um jogo natural de marcar posições. Para ele, embora um cenário de rompimento não deva se concretizar, diminuem as perspectivas de melhoras da percepção de risco para os ativos brasileiros. A tendência é de piora das condições econômicas e o ajuste fiscal não será suficiente para gerar uma melhora da trajetória da relação da dívida/PIB. Visão compartilhada pelo estrategista Celson Plácido, da XP Investimentos, para quem o aumento das dúvidas sobre o andamento do ajuste fiscal são uma trava para o mercado.

O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, alerta que, ainda que as medidas sejam aprovadas, não mais produzirão a economia de recursos desejada, o que já torna o ajuste nas contas públicas menor que o previsto inicialmente. "Há uma desconfiança sobre se o Levy vai conseguir levar a cabo o que ele pretende", afirma. "Conforme as medidas vão sendo deformadas, você acaba aumentando o receio de que o ministro que quis e quer o ajuste saia de cena."

Para o ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, esse tipo de tensão não é privilégio do governo Dilma Rousseff e, portanto, não assusta, desde que a presidente demonstre quem está no comando da situação e mantenha o sentido do ajuste, algo "imperioso". "Em antigos governos, em momentos similares, também vimos eventuais arestas. O importante é que, no fim das contas, o presidente da República tenha o timão firme, colocando o barco na direção correta porque ter assessores e ministros que discordam faz parte do jogo.

Essa oposição dentro do governo à política de arrocho não chega a ser surpreendente, dizem analistas. Tal resistência já era esperada, mas para o segundo semestre, momento em que as medidas fiscais já estariam produzindo efeito - reconquistando a confiança e, ao mesmo tempo, deteriorando os dados de curto prazo relativos à economia, como PIB e taxa de desemprego.

Na visão de profissionais, uma certa melhora de humor com o governo pode ter encorajado as "forças anti-Levy", antes do que se imaginava. Afastado o risco de um "downgrade" do Brasil no curto prazo e com o alívio provocado pela publicação do balanço da Petrobras, os ativos passaram por uma recuperação: o dólar cedeu de R$ 3,30 para R$ 3,00 e o juro da NTN-B de longo prazo, de 6,30% para 5,80%, enquanto o Ibovespa subiu de 50 mil para 55 mil pontos. Ao mesmo tempo, o resultado fraco do emprego em abril pode ter servido de argumento para um esforço contra a política contracionista. Segundo dados do Caged, foram criados 97,8 mil empregos formais em abril, o que eleva o saldo de empregos eliminados no ano para 137.004.