Valor econômico, v. 16, n. 3765, 19/05/2015. Empresas, p. B9

 

Líderes políticos da Venezuela são investigados nos EUA por tráfico

 

Por José de Córdoba e Juan Forero | The Wall Street Journal

Promotores americanos estão investigando várias autoridades do alto escalão da Venezuela, inclusive o presidente do Congresso, sobre suspeitas de que teriam tornado o país um centro global de tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro, segundo mais de dez pessoas a par da investigação.

Uma unidade de elite da agência de combate às drogas dos Estados Unidos, a DEA, e promotores federais estão reunindo provas fornecidas por ex-traficantes de cocaína, informantes que já foram próximos das autoridades da Venezuela e desertores das forças armadas do país, dizem essas pessoas.

Um dos alvos principais, segundo um membro do Departamento de Justiça e outras autoridades americanas, é o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, considerado o segundo homem mais poderoso da Venezuela.

“Há ampla evidência que sustenta que ele é um dos líderes, se não o líder, do cartel”, diz a autoridade do Departamento de Justiça, referindo-se a um grupo de oficiais do Exército e de altas autoridades suspeitos de estarem envolvidos com o tráfico de drogas. “Ele é, com certeza, um dos alvos principais.”

Representantes de Cabello não retornaram telefonemas e e-mails com pedidos de comentário. No passado, autoridades venezuelanas já atribuíram acusações de envolvimento no tráfico de drogas a uma tentativa dos EUA de desestabilizar o governo esquerdista da Venezuela.

Num programa de TV exibido quarta-feira passada na rede estatal, Cabello disse que solicitou uma proibição judicial de viagens para 22 executivos e jornalistas de três veículos de notícias venezuelanos que ele processou por publicar artigos sobre as alegações de tráfico neste ano. “Eles me acusam de traficante de drogas sem nenhuma prova e, agora, eu é que sou o mau”, disse Cabello.

O governo americano não está coordenando o inquérito, que está sendo conduzido por promotores federais com ampla liberdade para investigar suspeitos de crimes. Mas, se as investigações levarem a indiciamentos públicos de Cabello e outras pessoas, a indignação resultante na Venezuela provavelmente provocaria a crise mais grave na relação do país com os EUA desde que o falecido ex-presidente populista Hugo Chávez assumiu o poder, 16 anos atrás.

“Seria sísmica”, disse uma autoridade americana a respeito da esperada reação venezuelana. “Eles vão colocar a culpa numa vasta conspiração de direita.”

Autoridades americanas dizem estar adiantadas nas investigações, mas observam que eventuais indiciamentos talvez sejam mantidos em sigilo até que as autoridades possam efetuar prisões — algo que seria difícil, se não impossível, a menos que os suspeitos viagem para o exterior.

As investigações são uma resposta ao crescimento explosivo do tráfico de drogas na Venezuela, dizem as autoridades. Sob pressão na Colômbia, onde as autoridades vêm combatendo agressivamente o narcotráfico desde 2000 com uma ajuda de US$ 10 bilhões dos EUA, muitos traficantes colombianos transferiram suas operações para o país vizinho, onde o governo e as forças armadas, segundo autoridades americanas, se mostraram dispostos a permitir, e acabar controlando, o contrabando de cocaína através do país.

“A maioria dos traficantes mais sofisticados se mudou para a Venezuela durante essa época”, diz Joaquín Pérez, um advogado de Miami que representa grandes traficantes colombianos.

A Venezuela não produz a folha de coca, usada para fazer cocaína, nem fabrica a droga. Mas os EUA estimam que quase 50% da cocaína produzida na Colômbia, cerca de 131 toneladas, passaram pela Venezuela em 2013.

Os promotores americanos não estão investigando o presidente Nicolás Maduro, que está no poder desde a morte de Chávez, há dois anos. Mas autoridades dos EUA dizem que veem vários outros membros do governo e das forças armadas como os líderes de fato de organizações de traficantes que usam a Venezuela como um canal para carregamentos de cocaína destinados aos EUA e à Europa.

“É uma organização criminosa”, diz a autoridade do Departamento de Justiça, referindo-se a certos membros do alto escalão do governo e das forças armadas venezuelanas.

Mildred Camero, que liderou o combate às drogas no governo de Chávez até ser forçada a renunciar abruptamente, em 2005, diz que a Venezuela tem “um governo de narcotraficantes e lavadores de dinheiro”. Ela recentemente colaborou num livro, “Chavismo, narcotráfico e militarismo” (em tradução livre), em que alega que a corrupção ligada às drogas penetrou o Estado e aponta mais de dez autoridades, inclusive nove generais, supostamente envolvidos com traficantes.

As autoridades dos EUA dizem que aceleraram as investigações nos últimos dois anos, período em que a economia da Venezuela se deteriorou drasticamente.

A crise facilitou o recrutamento de informantes pelos investigadores americanos, dizem fontes que trabalham no alistamento de pessoas próximas às autoridades da Venezuela. Traficantes da Colômbia e da Venezuela também chegaram aos EUA ansiosos por fornecer informações em troca de leniência nas sentenças e permissão para ficar no país, dizem autoridades americanas.

“Desde as turbulências na Venezuela, tivemos grande sucesso no desenvolvimento desses casos”, diz um promotor federal de Nova York que participa da investigação.

Em janeiro, os investigadores deram um grande passo com a deserção do capitão naval Leamsy Salazar. O oficial, que diz ter sido o líder do aparato de segurança de Cabello, disse às autoridades americanas que testemunhou a coordenação, por Cabello, do embarque de um grande carregamento de cocaína a partir da península venezuelana do Paraguaná, dizem pessoas a par do assunto. Cabello já criticou publicamente o seu ex-guarda-costas, dizendo que ele não era o chefe de sua segurança e acusando-o de ser “um infiltrado” sem nenhuma prova de seu envolvimento no tráfico.

Outro que vem conversando com os investigadores é Rafael Isea, ex-ministro das Finanças e ex-governador do Estado de Aragua, dizem pessoas a par do caso. Essas pessoas dizem que Isea, que fugiu da Venezuela em 2013, disse aos investigadores que Walid Makled, um traficante atualmente preso, subornava o ex-ministro do Interior, Tarek El Aissami, para que seus carregamentos de drogas pudessem passar pelo país.

Quase um ano após ter deixado a Venezuela, Isea foi acusado pelo procurador-geral do país de ter cometido “irregularidades financeiras” quando era governador. Aissami, sucessor de Isea no governo de Aragua, fez acusações semelhantes.

“Hoje, Rafael Isea, este bandido, traidor, está refugiado em Washington e entrou num programa de proteção de testemunhas em troca de fornecer informações inúteis contra a Venezuela”, disse recentemente Aissami numa rede de TV venezuelana.

Isea refutou as acusações como falsas, politicamente motivadas e destinadas a minar sua credibilidade.

Além de El Aissami, outros membros poderosos do governo sendo investigados incluem Hugo Carvajal, ex-diretor da inteligência militar; Néstor Reverol, comandante-geral da Guarda Nacional; José David Cabello, o irmão de Diosdado Cabello que é ministro da Indústria e também dirige a Receita Federal; e Luis Motta Domínguez, general da Guarda Nacional responsável pela região central da Venezuela, dizem seis autoridades dos EUA e pessoas a par das investigações.

Telefonemas e e-mails com solicitações de comentários a vários ministérios e ao gabinete da presidência da Venezuela não foram respondidos. Algumas autoridades têm ridicularizado as investigações dos EUA nas redes sociais. Um post publicado em uma conta do Twitter em nome do general Motta Dominguez este ano dizia: “Todos sabemos que quem quiser seu green card e morar nos EUA para visitar a Disney só precisa escolher seu líder e acusá-lo de ser um narco. A DEA tour vai atendê-lo.”

Para elaborar os processos, autoridades das agências de segurança dos EUA trabalham com exilados venezuelanos e outras fontes para identificar e cooptar venezuelanos insatisfeitos. “Retiramos as pessoas da Venezuela e nos reunimos com elas no Panamá, Curaçao e Bogotá”, diz um ex-agente da inteligência que hoje ajuda autoridades americanas a recrutar e interrogar venezuelanos que têm provas das ligações entre autoridades do seu país e o tráfico de drogas.

Ex-oficiais militares e outros exilados venezuelanos ajudam ao entrar em contato com ex-colegas para encorajá-los a desertar, diz o recrutador. Se o desertor puder fornecer informações úteis, diz o recrutador, ele é levado para os EUA e para uma nova vida.

O maior alvo das investigações é Cabello, um ex-tenente do exército de 52 anos que forjou fortes laços com Chávez. Quando o ex-presidente liderou um golpe de Estado fracassado em 1992, Cabello enviou uma coluna de quatro tanques para atacar o palácio presidencial.

Cabello já foi vice-presidente, ministro do Interior e ministro de Obras Públicas e Habitação, o que também lhe deu o controle sobre os aeroportos e os portos.

Muitos analistas e políticos na Venezuela dizem acreditar que o poder de Cabello é comparável ao de Maduro e se baseia em sua influência entre os generais venezuelanos.

Cabello, que muitas vezes aparece vestindo o uniforme tipicamente chavista, de camisa vermelha e jaqueta nas cores vermelho, amarelo e azul da bandeira venezuelana, é apresentador de um programa da TV estatal, no qual usa conversas telefônicas interceptadas de adversários para atacá-los e constrangê-los.

Investigadores americanos vêm meticulosamente elaborando processos contra autoridades venezuelanas utilizando informações obtidas em processos criminais movidos nos EUA. Em Miami, pessoas a par do assunto dizem que uma peça-chave das investigações envolve uma quadrilha de traficantes liderada pelo colombiano Roberto Mendez Hurtado. Esse traficante transportava cocaína passando pelo Estado de Apure, no oeste da Venezuela, e, segundo pessoas a par do caso, teria se reunido com membros do alto escalão do governo venezuelano.

Em 2014, Mendez Hurtado se declarou culpado em um tribunal federal de Miami e recebeu uma sentença de 19 anos de prisão. Fontes próximas às investigações dizem que ele e seus cúmplices não teriam sido capazes de operar da forma como faziam sem subornar uma série de oficiais militares e autoridades do governo venezuelano.

“O envolvimento de oficiais superiores da Guarda Nacional e do governo da Venezuela no tráfico de drogas é bastante claro”, diz um ex-oficial da inteligência e combate ao narcotráfico da Guarda Nacional venezuelana que fugiu do país no ano passado, assustado com a corrupção que testemunhava diariamente.

Em outro processo judicial, no Brooklyn, os promotores se informaram sobre a complexidade do comércio de drogas na Venezuela depois de desmantelar uma rede de traficantes de cocaína liderada por Luis Frank Tello, que se declarou culpado, segundo documentos judiciais. A cocaína entrava na Venezuela pela fronteira com a Colômbia e, com a ajuda de oficiais da Guarda Nacional venezuelana, era transportada para o Norte, muitas vezes pelo aeroporto de Maracaibo.

As investigações dos EUA sobre o envolvimento de autoridades venezuelanas estão em curso há anos, embora, algumas vezes, tenham sido frustradas por motivos políticos.

Em 2008, o Departamento do Tesouro dos EUA incluiu três dos principais assessores do presidente Chávez em uma lista negra e congelou todos os ativos deles em solo americano. Entre eles estava Carvajal, conhecido como “El Pollo” (O Frango), então chefe da inteligência militar.

Em 2010, promotores de Nova York tornaram pública a acusação contra Makled, o traficante de drogas venezuelano acusado de enviar toneladas de cocaína para os EUA através de Puerto Cabello, o principal porto da Venezuela, que ele supostamente controlava. Makled, que foi capturado na Colômbia, vangloriava-se de ter 40 generais venezuelanos em sua folha de pagamento.

“Todos os meus sócios são generais”, escreveu Makled a um de seus parceiros numa correspondência a que o The Wall Street Journal teve acesso. “Despachei 300 mil quilos de cocaína. Eu não poderia ter feito isso sem a nata do governo.”

(Colaborou Chris Matthews.)