COMÉRCIO E CLIMA NO TOPO DA AGENDA

José Roberto Castro

Ana Fernandes

 

Mergulhada na mais grave crise política e econômica desde sua chegada ao poder, a presidente Dilma Rousseff poderá ter uma das poucas boas notícias de seu governo a 6.500 km de Brasília. Na terça-feira, a brasileira se reúne na Casa Branca com seu colega Barack Obama, o comandante da maior economia do mundo, que vive um momento oposto ao da brasileira, com popularidade em alta e desemprego em baixa.

A visita a Washington permitirá que Dilma projete a imagem de uma líder envolvida em debates globais e traga na bagagem a promessa de avanços em setores de interesse do setor privado. Entre eles, estão medidas de facilitação do comércio bilateral e a possibilidade de inclusão do Brasil no Global Entry, programa que acelera a passagem na imigração americana de pessoas dos países da lista que viajam com frequência aos Estados Unidos.

Além dos acordos, o que estará em jogo é a reconstrução da relação com o país que é a principal fonte de investimentos estrangeiros no Brasil e o maior destino das exportações nacionais de bens industrializados. A aproximação ensaiada no início do mandato de Dilma, em 2011, foi interrompida pela revelação de que a agência de espionagem americana, a NSA, monitorou comunicações da presidente brasileira. 

O escândalo levou ao cancelamento da visita de Estado que a brasileira faria a Washington em outubro de 2013 e paralisou grande parte da cooperação entre os dois países. Com a desaceleração da China, o esgotamento do boom das commodities que impulsionou a economia brasileira em anos recentes e o agravamento da crise doméstica, Dilma foi forçada a mudar de posição e a buscar o estreitamento dos laços com Washington.

“A solução de muitos dos problemas que a presidente enfrenta passa por uma relação produtiva com os Estados Unidos”, disse Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute do Wilson Center. A tarefa mais urgente é o resgate da credibilidade do Brasil perante investidores internacionais, que a presidente buscará em uma série de encontros com representantes do mercado financeiro e CEOs na segunda-feira, em Nova York, primeira parada da brasileira em território americano.

A aproximação com os EUA também pode ajudar no enfrentamento de problemas estruturais do Brasil, principalmente nas áreas de educação e de ciência e tecnologia. Dilma encerra sua visita na Califórnia, capital mundial da inovação e sede de muitas das grandes companhias de tecnologia americanas. Seu último evento será no centro de pesquisas da Nasa, a agência espacial dos EUA, onde se encontrará com representantes de empresas do setor aeroespacial. 

“A visita tem o potencial de ser extremamente importante para Dilma, que poderá voltar ao Brasil com anúncios relevantes nas áreas econômica e financeira”, avaliou Jason Marczak, diretor adjunto do Adrienne Arsht Latin America Center do Atlantic Council. “No meio do boom das commodities, não havia fortes razões para o Brasil aprofundar sua cooperação com os Estados Unidos. O cenário mudou e o País terá de alterar seu modelo econômico global.” 

Comércio. Na estimativa de Sotero, dois terços da agenda de Dilma serão dominados por questões econômico-comerciais. Entre os anúncios, estará promessa de dobrar as vendas bilaterais nos próximos dez anos. Para isso, devem ser acordadas medidas de facilitação do fluxo de bens entre os dois países, que somou US$ 62 bilhões no ano passado, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento. Divergências na maneira de contabilizar os embarques fez com que a cifra americana fosse maior: US$ 73 bilhões. 

O valor representa pouco mais de 10% do comércio dos Estados Unidos com a China – que atingiu US$ 590 bilhões em 2014. A corrente com o México somou US$ 534 bilhões no mesmo período. Representantes do setor privado americano e brasileiro pressionam para que os dois países iniciem negociações de um tratado de livre comércio, mas é pouco provável que isso esteja na agenda da visita.

Ben Rhodes, do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse na quinta-feira que a prioridades dos EUA é a Parceria Transpacífica (TPP), à qual Obama poderá se dedicar depois de o Congresso ter aprovado nesta semana o fast track – medida que lhe dá poder de negociar o acordo em bloco, sem possibilidade de emendas dos parlamentares. 

O TPP é uma prioridade para o governo americano e estava ameaçado em razão da resistência de integrantes do próprio Partido Democrata, ao qual Obama pertence. Com a vitória do presidente na obtenção da autoridade de promoção comercial, o acordo de 12 países deverá sair do papel. Na avaliação de um integrante do governo americano, isso poderá aumentar a pressão para que o Brasil abandone as amarras do Mercosul e amplie sua integração com outros países. 

 

‘Confiança só será recuperada depois do ajuste'

 

Ex-embaixador do Brasil nos governos FHC e Lula, Rubens Barbosa reforça nesta entrevista a importância da visita da presidente Dilma Rousseff como forma de “normalizar” as relações com os Estados Unidos. Comenta o incidente da espionagem ocorrido com a petista, em que afirma não haver “ninguém é santo aí”.

Estado - Essa visita é uma consolidação de um novo olhar econômico sobre a política externa ou é só um começo?

 

Não é uma mudança fundamental na política externa, não. A situação econômica interna do Brasil demandou algumas mudanças de ênfase. A primeira é a busca de investidores lá fora numa necessidade de arranjar fatos positivos aqui dentro. É uma questão de política interna também. E, sobretudo, dar uma perspectiva para o setor exportador, que está sofrendo muito. 

 

Estado - Qual é a importância política da visita?

 

A coisa mais importante dessa visita é normalizar a relação com os EUA, já que nos últimos três anos, em nível oficial, havia esse embaraço da NSA (agência de espionagem americana). Com a viagem, normaliza-se a relação. E acho que pode haver alguns resultados importantes. Essa questão da carne, por exemplo, se houver alguma decisão, ou sobre a questão do clima. Mas não acho que seja uma mudança nem de política externa, nem de política comercial, porque não há previsão de novos acordos ou qualquer outra coisa nessa área. Vai haver algo sobre convergência regulatória, que é representativo, mas é um primeiro passo, não uma coisa dramática.

Estado - Quando o ex-presidente Lula falava em novos acordos, quase sempre se referia à África e Ásia. O fato de a presidente não especificar isso representa algo?

 

É a cooperação sul-sul. Isso vai continuar. É normal, é política comercial. Mas a ênfase que eles estão dando agora é diferente e isso é positivo. Nós sempre brigamos por isso. Mas não sei se vai ter desdobramentos concretos. Por quê? Pela falta de competitividade dos produtos brasileiros, o alto custo Brasil, preço da energia, burocracia, taxação, tudo isso que a gente sabe que acrescente 35% sobre os custos de produção. A competitividade dos produtos brasileiros está muito defasada para concorrer, por exemplo, com produtos americanos. Com chineses, coreanos, mexicanos. É muito difícil. Acho que é um passo positivo em termos de mudança de um discurso velho, ultrapassado, de sul-sul, de África. 

 

Estado - Como o sr. enxerga a evolução da relação de confiança dos EUA diante de coisas como a Operação Lava Jato, impasses no Congreso etc.?

A confiança do investidor externo, não só o americano, é muito baixa. A China está fazendo o que está fazendo por outras razões, mas o investidor ocidental está numa posição de esperar para ver o que vai acontecer na crise política, na crise econômica, na crise de ética. O investimento externo produtivo aqui no Brasil está indo para o setor de serviços, não da produção para exportação. A confiança no exterior só vai ser recuperada quando o ajuste fiscal realmente produzir resultados. Agora, a condução desse ajuste fiscal está muito difícil. O Congresso toma medidas que vão contra o espírito do ajuste, que é reduzir a despesa e aumentar a receita, então, lá fora, acho que a visita da Dilma não vai mudar muito a percepção. Mesmo esse encontro que ela vai ter com os empresários, que é muito interessante para falar das oportunidades de investimento em infraestrutura. Todo mundo vai ficar interessado, mas eles vão esperar para ver como vai ser a regulação da abertura dessas concessões. 

 

Estado - Do ponto de vista político, novamente, como o sr. compara a relação bilateral no período em que o sr. serviu em Washington e hoje?

Mudou muito. Nós tínhamos uma política pró-ativa de estimular o comércio, as exportações. Quando saí de lá (março de 2014), tínhamos superávit na balança comercial com os EUA. A partir do segundo mandato do presidente Lula e do governo Dilma, o fator ideológico pesou muito. O antiamericanismo de certas áreas do governo, não de todas, mas de certas áreas, permeou a relação. Aí houve essa coisa do monitoramento e a própria presidente interferiu, como devia ter feito, mesmo, mas criou uma situação de anormalidade na relação. A relação hoje é muito diferente. Isso no campo oficial. No campo das instituições, as relações continuam muito ativas, houve um grande contato entre instituições, porque os interesses comuns são muito grandes. Mas o que diferencia o meu tempo até essa visita é a dificuldade em nível governamental para tratar de temas como energia, defesa, meio ambiente e outras áreas em que há uma grande perspectiva de cooperação. 

 

Estado - Essa questão da espionagem não foi novidade para o sr., que chegou a descrever os momentos em que desconfiou de grampos na embaixada...

Houve um problema desse quando eu estava lá. Desconfiei, não, uma empresa de lá comprovou. Essas coisas sempre ocorrem, ninguém é santo aí. O que não pode é você ser apanhado com a boca na botija, como aconteceu com a França na semana passada, com Brasil, Alemanha, criando embaraços. Mas ninguém é ingênuo de achar que isso não ocorria.