O globo, n. 29947, 04/08/2015. Economia, p. 17

Aposta alta

JOÃO SORIMA NETO e RONALDO D’ERCOLE 

De olho em clientes de alta renda e na carteira da Losango, Bradesco paga R$ 17,6 bi pelo HSBC no Brasil

Presidente do Bradesco “A competição se dará por ganho de escala no futuro, com aumento de receita. Isso foi determinante para que o Bradesco fizesse a maior aquisição de sua história”
Luiz Carlos Trabuco

O Bradesco comprou por R$ 17,6 bilhões o HSBC no Brasil, valor acima do previsto pelo mercado, de até R$ 14 bilhões. O banco aposta no um milhão de clientes de alta renda e na Losango, financeira do HSBC. Com a aquisição, cresceu a concentração bancária no país: os cinco maiores bancos terão 85% dos depósitos. -SÃO PAULO- O Bradesco anunciou ontem a compra da filial do HSBC no Brasil por R$ 17,6 bilhões, ou US$ 5,2 bilhões, surpreendendo boa parte dos analistas de mercado, que estimavam um valor bem menor — entre R$ 10 bilhões e R$ 14 bilhões. Mas, apesar do ambiente econômico desfavorável, com juros muito altos e retração na procura por crédito, o preço não foi alto quando se olha o negócio num horizonte de mais longo prazo, argumenta o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Especialistas no setor também veem no HSBC atrativos que justificam o preço pago: a carteira de clientes de alta renda e a financeira Losango. E citam ainda o fato de que o HSBC era o último ativo de porte no setor.

— A competição se dará por ganho de escala no futuro, com aumento de receita e de produtos e serviços oferecidos. Isso foi determinante para que o Bradesco fizesse a maior aquisição de sua história. Desde 1943, fizemos 48 aquisições, entre seguradoras, bancos, corretoras, mas nenhuma supera a importância do HSBC, que era um ativo único no país. E o ciclo ruim da economia não vai durar para sempre — afirmou Trabuco, lembrando que o HSBC tem cinco milhões de correntistas em 851 agências de 529 municípios.

PARA ANALISTAS, VALOR É JUSTIFICADO

Os investidores reagiram mal. E as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) do Bradesco fecharam em queda de 3,07%, cotadas a R$ 26,43.

— O mercado reage de forma extremada, mas a aquisição preserva o lucro por ação a médio e longo prazos. Não vamos deixar de pagar dividendos aos acionistas. Em 2016, o impacto do negócio será nulo para as ações, e em 2017 já agregará valor — comentou Trabuco sobre o mau humor dos investidores.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO, que olharam mais a fundo a operação, também encontraram motivos palpáveis para o “prêmio maior” pago pelo Bradesco.

João Augusto Salles, analista de bancos da consultoria Lopes Filho, concorda que o HSBC Brasil era o último ativo de porte no setor e que, por isso, olhar para os ganhos a longo prazo se justifica. Mas há outros pontos de interesse, que podem trazer ganhos mais rapidamente — como uma gestão mais eficiente da Losango, a financeira do HSBC, que tem mais de quatro milhões de clientes, a carteira de alta renda ( private banking) e de clientes corporativos, além dos créditos tributários que poderão ser abatidos do Imposto de Renda e da Contribuição Sobre o Lucro líquido (CSLL).

— Há três pontos que tornam o negócio interessante e justificam o preço pago pelo HSBC: a capacidade de gerir melhor a Losango, que atua num segmento cujos riscos de crédito o banco conhece bem, a carteira de clientes de alta renda, segmento ainda pequeno dentro do banco, e sua carteira de grandes empresas. É um negócio razoável — disse Salles, lembrando que o Bradesco, assim como o Itaú, tentara comprar a Losango em meados da década passada.

Tomando como base dez aquisições de bancos feitas no país desde o ano 2000, Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, observa que, em média, o preço pago foi de 2,37 vezes o patrimônio líquido, o que deixa a compra do HSBC Brasil, por um valor 1,7 vezes o seu patrimônio líquido, em linha com os preços praticados no mercado.

— A aquisição foi boa para o Bradesco, que vai incorporar mais de um milhão de clientes de alta renda, segmento em que o Itaú Unibanco é muito mais forte. Além disso, a Losango é um

player importante ainda no segmento de crédito direto ao consumo — afirmou Rodrigues.

Trabuco ressaltou, ainda, que a sobreposição de agências e clientes entre o Bradesco e o HSBC é baixa, e que há espaço para “muita sinergia” entre as duas instituições, tanto de redução de custos como de ganho de receita.

A compra foi anunciada oficialmente em Londres na madrugada de ontem (pelo horário de Brasília), durante a divulgação dos resultados do primeiro semestre da instituição britânica. O comunicado foi assinado pelo presidente global do HSBC, Stuart Gulliver. Ele afirmou que a operação vai na direção das metas estabelecidas pelo banco para ganhar eficiência e se tornar mais lucrativo.

De acordo com o presidente do HSBC no Brasil, André Brandão, a operação brasileira teve lucro antes de impostos de US$ 191 milhões nos primeiros seis meses do ano, contra um prejuízo de US$ 302 milhões no segundo semestre do ano passado. O lucro entre abril e junho deste ano foi 247% superior ao do mesmo período de 2014.

O Bradesco teria exigido ficar com toda a operação do HSBC no país, segundo pessoas que acompanharam a negociação. Tanto que arrematou não apenas o banco de varejo, mas sua corretora e os negócios de seguros, capitalização e previdência. Assim, para manter uma operação exclusivamente voltada aos seus clientes corporativos globais no Brasil, o HSBC deverá começar do zero e pedir uma nova licença ao Banco Central, informou Brandão.

Os números mostram que o “novo” Bradesco a emergir após a compra do HSBC fica mais próximo de seus concorrentes diretos: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, entre os públicos, e Itaú Unibanco, entre os privados. Em termos de ativos totais, o Bradesco já supera inclusive a Caixa. Dos R$ 7,4 trilhões somados por todas as instituições do país, o Bradesco passa a ter 16%, frente aos 14,3% da Caixa. O Banco do Brasil fica com 19,2%, e o Itaú, com 16,2%. Em termos de agências, o Bradesco passa a ter 23,8% das 23.125 existentes no país, na cola do Banco do Brasil, que tem 23,9%.

O presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, afirmou que a compra reforça o posicionamento do banco em melhorar os resultados financeiros e o valor aos acionistas:

— O negócio é positivo aos clientes de ambas as instituições, aumentando a rede de atendimento e acesso aos produtos distribuídos.

Trabuco confirmou que o Bradesco planeja ampliar o quanto antes as parcerias de financiamento que a Losango tem com redes varejistas no país. Nem o prejuízo apresentado pelo HSBC no Brasil, de R$ 549 milhões no ano passado, freou o ímpeto do Bradesco de levar a instituição.

— Resultados passados não têm relação com resultados futuros. O número do ano passado foi um fotografia do balanço em determinado momento. Hoje, o HSBC tem uma estrutura de custos diferente. Com a aquisição, nosso portfólio de produtos se expande, assim como a receita, e o preço que foi estabelecido é confortável — disse Trabuco.

DESEMBOLSO EM DINHEIRO

Em fato relevante ao mercado, o Bradesco informou que o pagamento será feito em dinheiro, assim que os órgãos reguladores aprovarem a transação. O banco diz ter disponibilidade de capital para fechar o negócio sem precisar emitir novas ações. O pagamento será feito em caixa depois da aprovação dos órgãos reguladores. O valor de R$ 17,6 bilhões será reajustado de acordo com a variação patrimonial do HSBC e pago no dia em que a operação for concluída, o que deve acontecer em 2016.

Apesar da soma vultosa que espantou alguns analistas, Salles, da Lopes Filho, ressalta que o Bradesco tem uma sólida base de capital e, por isso, o efeito desse desembolso será zero em um primeiro momento:

— O Bradesco tem um índice de Basileia (que é quanto o patrimônio líquido representa dos ativos de risco) de 16%. Com a compra, cairá para 13,4%, ainda uma base muito confortável, já que o mínimo exigido pela Banco Central é de 11%.