O globo, n. 29947, 04/08/2015. Economia, p. 19
RONALDO D’ERCOLE, MARCELLO CORRÊA E MARTHA BECK
-SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA- A aquisição da filial brasileira do HSBC pelo Bradesco levou o nível de concentração do setor bancário no país ao limite, segundo analistas. Com a transação, a fatia dos depósitos totais nas mãos dos cinco maiores bancos brasileiros — Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander — passou de cerca de 82% para 85%. É um patamar superior à média internacional, na qual as cinco maiores instituições detêm entre 75% e 80% dos depósitos, aponta João Manoel Pinho de Mello, professor de Microeconomia bancária do Insper.
— A concentração aumentou por uma questão aritmética, pois o quarto maior banco privado se juntou com o segundo maior. O efeito na concorrência é pequeno, porque o HSBC só tinha 3% dos depósitos e 2,7% dos ativos do mercado. Mas qualquer nova operação envolvendo os cinco grandes bancos será problemática em termos de competição e precisará ser submetida ao escrutínio das autoridades — diz Pinho de Mello.
‘DISPUTA CLIENTE A CLIENTE’
Apesar de o HSBC não ter um porte comparável ao dos cinco grandes, o especialista não descarta danos pontuais à concorrência decorrentes do negócio:
— É preciso analisar com mais detalhes os mercados regionais, e os impactos sobre cada tipo de clientes (pessoa física e jurídica), para se afirmar que há dano à competição. O Bradesco pagou caro para aumentar sua fatia de mercado, e é possível que a concorrência em algum segmento específico seja afetada.
Outros analistas, no entanto, não esperam prejuízo aos consumidores. João Augusto Salles, da consultoria Lopes Filho, ressalta que o domínio de quatro ou cinco grandes players é algo observado em todo o mundo e que ter escala pode significar mais competitividade, com vantagens para os clientes.
— Com grandes bancos, o mercado fica mais sólido, e as grandes instituições tendem a ter custos menores de captação, que podem ser repassados aos clientes, sem prejuízo à concorrência — afirma Salles.
Para Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, o fato de não haver mais instituições do porte do HSBC no país fará com que a competição entre os cinco grandes seja cada vez maior — uma disputa cliente a cliente:
— A concentração aumenta, sim, mas isso contribui para reforçar a solidez da indústria bancária. Enquanto houver cinco ou seis grandes instituições, haverá forte concorrência entre elas.
PREOCUPAÇÃO COM TARIFAS
A curto prazo, a maior preocupação dos consumidores é com as tarifas. Afinal, o Bradesco cobra até 25% a mais que o HSBC por serviços básicos. A comparação foi feita com base nos chamados pacotes padronizados, instituídos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Nas quatro modalidades, que todas as instituições financeiras do país são obrigadas a oferecer, a maior diferença está no pacote mais completo, que inclui, entre outros serviços, a emissão de dez folhas de cheque e oito saques. Nessa modalidade, a mensalidade do Bradesco é de R$ 31,90, contra R$ 25,50 do HSBC.
Pesquisa recente do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), publicada em maio, mostrou que o Bradesco foi o banco que fez o maior reajuste de tarifas no início do ano. A entidade comparou preços do pacote Cesta Exclusive Fácil, no qual o cliente tem direito a 40 folhas de cheque e 25 transferências entre contas de mesma titularidade, entre outros serviços. O valor passou de R$ 27,40 em 2014 para R$ 48 em fevereiro, alta de 75,2%, segundo o estudo.
Para avaliar o HSBC, o pacote escolhido pelo instituto foi o Super Econômico, com 20 folhas de cheque e 30 transferências entre contas do mesmo banco. Passou de R$ 26,80 no ano passado para R$ 29 em fevereiro, alta de 8,2%.
NOTIFICAÇÃO A CADE E BC
Procurado, o Bradesco disse que ainda é cedo para definir como será a tabela de preços, o que só deve ocorrer quando a estrutura do HSBC for completamente absorvida. Em nota, o banco informou que “detalhes operacionais da compra ainda passarão pela aprovação de órgãos reguladores”. Contatado, o HSBC enviou o mesmo comunicado encaminhado aos reguladores do mercado financeiro, no qual informa os detalhes da transação.
Luís Santacreu, analista de bancos da Austin Rating, destaca que o Bradesco terá de estudar a nova base de clientes. Uma possibilidade é incorporar a política de preços do HSBC:
— Às vezes, a cultura do banco comprado prevalece sobre a do que comprou. É aquela história de que em time que está ganhando não se mexe. Não é regra geral, depende da situação.
Ione Amorim, economista do Idec, ressalta que clientes que já têm contrato firmado com o banco não podem ter as condições alteradas, conforme o Código de Defesa do Consumidor.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ainda aguarda ser notificado. O Bradesco informou que vai comunicar a operação ao Cade e ao Banco Central (BC). Atos de concentração no setor bancário são, há quase 20 anos, alvo de disputa entre as duas instituições. O BC argumenta ter competência privativa para avaliar fusões e alienações de bancos, bem como coibir abusos. Já o Cade diz que a lei de defesa da concorrência lhe dá autoridade para analisar todos os setores.