Valor econômico, v. 16, n. 3760, 21/05/2015. Político, p. A6

 

 Distritão reduz representatividade

 

Por Cristiane Agostine | De São Paulo

 

 

O Distritão poderá desperdiçar cerca de 40% dos votos para a Câmara dos Deputados, segundo levantamento feito pelo cientista social Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise. O sistema eleitoral, defendido pelo PMDB, tem efeito sobretudo nas bancadas estaduais mais numerosas, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul: quanto maior a bancada, mais votos deixarão de ser contabilizados.

Defendido pelo PMDB, o Distritão é a principal polêmica da proposta de reforma política em debate pelo Congresso e prevê que os mais bem votados sejam eleitos. No sistema eleitoral vigente, a distribuição dos lugares na Câmara leva em conta não só a votação obtida pelo candidato, mas também pelos partido político.

Se o Distritão tivesse sido implementado nas duas últimas eleições, a proporção de votos desperdiçados em 2010 nessas oito bancadas seria de 39% e em 2014, de 38%. O levantamento foi feito com as oito maiores bancadas federais, que, juntas, somam 316 parlamentares (61,6% do total): São Paulo (70 deputados), Minas Gerais (53), Rio de Janeiro (46), Bahia (39), Rio Grande do Sul (31), Paraná (30), Pernambuco (25) e Ceará (22).

"Seriam votos jogados fora", afirmou Almeida. "O Distritão diminuiria a representatividade na Câmara", disse o cientista social. Em São Paulo, com a maior bancada estadual do país, 41,1% não seriam contabilizados. No Ceará, seriam 31,6%.

O percentual corresponde ao número de votos dos mais votados em cada Estado dividido pelo número de votos válidos. Em São Paulo, por exemplo, Almeida somou os votos dos 70 candidatos mais bem votados nas duas eleições mais recentes. "É um sistema que faz prevalecer o voto personalista. O Distritão representa o paraíso do radialista e da celebridade", disse o cientista social.

No sistema atual, de eleição proporcional com lista aberta, o desperdício de voto é praticamente inexistente, por que a distribuição de cadeiras é feita pelo quociente de votação que cada partido atingiu. O voto desperdiçado é apenas o que fica fora do quociente. Em São Paulo, nas eleições do ano passado, por exemplo, o candidato a deputado federal que não foi eleito e nem colaborou para a formação de bancada como suplente, já que seu partido ficou fora do quociente partidário, foi Adilson Barroso (PEN), que não passou de 35 mil votos. Em 2014, 82% dos votos para deputado federal foram válidos.

Além do Distritão, o cientista social criticou também as mudanças em estudo pelos parlamentares, como o fim da reeleição e a coincidência das eleições. "Os políticos estão tentando mexer em um sistema que funciona bem há anos", disse. Para Almeida, os deputados e senadores deveriam fazer mudanças nas regras do financiamento de campanha e fixar um teto para as doações. "Quanto mais tiver doações pulverizadas, melhor", afirmou o cientista social. (Colaborou César Felício)

"Esta reforma não sairá do papel", diz cientista político

 

Por Antonio Perez | De São Paulo

 

Claudio Belli/ValorSpeck: especialista diz que debate sobre reforma política é sazonal. Começa depois das eleições e dura menos de um ano

Não é desta vez que a tão prometida e sempre adiada reforma política vai sair do papel, prevê o cientista político Bruno Speck, professor da Universidade de São Paulo. Os impasses em torno do sistema eleitoral que afloraram na sessão da comissão especial da reforma na Câmara dos Deputados e adiaram a votação da proposta do relator, Marcelo Castro (PMDB-PI) para a segunda-feira vão se acentuar quando o tema chegar ao plenário da Casa.

"Não sei o que vai sair da votação da comissão. Mas quando for ao plenário vai ser rejeitado. A elite política está profundamente dividida em relação ao conteúdo da proposta", disse Speck, em referência ao Distritão e ao financiamento empresarial das campanhas eleitorais. "Há uma regularidade no aparecimento do debate sobre a reforma política. Começa após as eleições e vai até mais ou menos julho do ano pré-eleitoral. Mais um mês, um mês e meio, e estaremos livre disso".

Para Speck, em vez de uma reforma ampla, seria mais apropriado promover pequenas alterações no sistema atual, como imposição de teto para doações financeiras de empresas e pessoas físicas.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Valor: A proposta de forma política analisada na comissão especial da Câmara sugere que pode haver mudança no sistema eleitoral, com o Distritão, e manutenção da contribuição empresarial para as campanhas. Como o senhor vê essas propostas?

Bruno Speck: Eu fico meio perdido em debater os pontos de uma reforma que não vai acontecer. É uma PEC [proposta de emenda constitucional] e precisa de maioria qualificada. E isso não vai acontecer. Não sei o que vai sair da votação da comissão. Mas quando for ao plenário vai ser rejeitado. A elite política organizada em diferentes grupos de interesse e diferentes partidos está profundamente dividida em relação ao conteúdo da proposta, como o Distritão [em que cada Estado é considerado um distrito e os candidatos mais votados se elegem, sem considerar a votação dos partidos] e o financiamento empresarial. Nessas suas linhas divisórias, não se consegue formar maiorias qualificadas no atual Congresso. No caso do financiamento, a intenção é produzir a constitucionalização das doações empresariais, o que é rejeitado por boa parte do parlamento. Não vejo qualquer chance de aprovação. No caso do Distritão, o bloco em torno do PT está contra, as mulheres são contra, porque enxergam o sistema como uma ameaça, um retrocesso. Enfim, vários grupos são contra. Não sei porque se propõe Distritão. Se é para minar qualquer chance de reforma, por interesses ou por convicção. No passado, havia uma parte a favor da lista fechada [na eleição para o parlamento] e financiamento público e uma parte que era contra. O Distritão surgiu e deixou tudo mais difícil. Além disso, o governo tem outras preocupações além da reforma política. Não é um governo que saiu forte das eleições para agora dar um grande empurrão.

Valor: E propostas como o fim da reeleição, mudança do prazo dos mandatos e coincidência das eleições a partir de 2022? Podem passar na Câmara?

Speck: Essas propostas são totalmente irrelevantes. Um mandato de quatro ou cinco anos para cargos majoritário dificilmente vai mudar alguma coisa no rumo do país. A proposta do fim da reeleição foi colocada para tentar agradar e talvez ampliar a base de adesões à reforma, mas tenho a impressão que o efeito foi o contrário. As mudanças mais afastaram gente do que agregaram. Essa reforma não sairá do papel.

Valor: A reforma política é tida como 'a mãe de todas as reformas' por políticos e parte dos analistas. Depois das manifestações de rua em 2013 e das revelações da Operação Lava-Jato, cresceram as pressões. Não vai haver uma frustração grande se não houver mudanças?

Speck: Há uma regularidade no aparecimento do debate sobre a reforma política na agenda pública. Começa após as eleições e vai até mais ou menos julho do ano pré-eleitoral. Mais um mês, um mês e meio, e estaremos livre disso [o debate da reforma política]. Em julho os atores vão se posicionar para as eleições municipais. A agenda vai ser outra. Em vez de uma reforma ampla, seria melhor tentar fazer pequenas mudanças. Querem reformar tudo e acabam não fazendo nada. Como se diz, quem muito abraça pouco aperta. Quando surge a pressão por reforma, o tema volta ao debate. Mas sem consenso na elite política e a incerteza sobre o impacto das mudanças, a reforma não avança. Vem o calendário eleitoral, tudo é posto de lado, para retornar novamente após um período eleitoral. Não há tempo entre uma eleição e outra para o ciclo político da reforma.

Valor: O que pode ser feito, então?

Speck: Com pequenas mudanças, que têm mais chances de aprovação, pode-se melhorar o sistema. Pouco a pouco se chega a grandes mudanças. Os pontos o sistema eleitoral e o financiamento das campanhas. Eu acho que o sistema eleitoral não deve mudar. Se é para mudar, modificações muito pequenas, talvez mexer na coligação para eleição para deputados. Mas o principal é manter a maior parte do sistema atual, com votação proporcional. É um grande risco mudar tudo radicalmente. Em relação ao financiamento, também acho que seria mais prudente fazer pequenas mudanças. Por exemplo, estabelecer um teto para todas as doações, tanto de pessoas físicas como jurídicas. E ponto. Tudo isso teria mais chances de aprovação. Minirreformas são melhores.