Valor econômico, v. 16, n. 3760, 21/05/2015. Empresas, p. B5

 

STJ vai decidir sobre 'esqueleto' bilionário das teles

 

Por Juliano Basile | Brasília

 

Paulo Vitor/EstadãoProcessos envolvendo as teles pós-privatização são liderados pela Oi, que herdou casos das empresas que comprou

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) está prestes a tomar decisões definitivas sobre um "esqueleto" de bilhões de reais envolvendo ações de companhias telefônicas que foram vendidas antes da privatização do setor, em julho de 1998, e, agora, estão sendo cobradas por grupos de investidores.

Apenas a Oi possui provisões de R$ 1,549 bilhão para processos societários em que, segundo o próprio balanço da companhia, esse se tornou o principal tema na Justiça.

Vale destacar que o valor atual de mercado da Oi é de R$ 5,466 bilhões com base em suas ações. No primeiro trimestre do ano, a empresa obteve receita líquida de R$ 7 bilhões e prejuízo de R$ 401 milhões.

As ações foram vendidas junto com os terminais de telefonia por mais de 35 anos no Brasil, entre 1962 e 1997. Naquele período, quem comprava uma linha de telefonia fixa assinava um contrato de participação financeira. Nele, os consumidores que pagavam caro pela linha recebiam, em troca, ações das concessionárias de telefonia. Essa prática vigorou até outubro de 1997, quando o Ministério das Comunicações estabeleceu a taxa de habilitação para uso direto das linhas.

Após a privatização, em julho de 1998, vários consumidores entraram na Justiça para questionar o valor de suas ações. Eles pediram indenização por causa de uma diferença no cálculo entre o preço das ações na data da subscrição e da integralização real desses valores.

Os primeiros processos sobre o assunto surgiram contra a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), em 1999, na Justiça gaúcha. A partir de 2003, essas ações se espalharam pelo Brasil, e o caso se tornou nacional.

Para complicar mais a situação das companhias telefônicas, grupos de investidores compraram o crédito dessas ações dos consumidores que tinham o direito original das linhas nos anos da telefonia fixa, entre 1962 e 1997. Após adquirir esses créditos, eles passaram a ingressar com processos na Justiça de maneira organizada.

Do lado das companhias, as demandas acabaram se restringindo a poucas empresas que, por sua vez, passaram a concentrar a defesa nos tribunais superiores de Brasília. A CRT, que foi a primeira empresa a ser acionada na Justiça pelos consumidores, foi adquirida pela Brasil Telecom que, em seguida, foi comprada pela Oi. Essa sucessão de aquisições fez com que a maioria das cobranças se concentre, hoje, sobre o Oi, que responde ao maior número de processos desses grupos de investidores.

Estima-se que existam mais de 500 mil ações judiciais sobre o tema e o grande palco da disputa é o STJ, onde existem pelo menos três grandes julgamentos que vão dar um norte à questão.

Em um desses processos, sob a relatoria do ministro Benedito Gonçalves, o tribunal terá que decidir se os investidores têm legitimidade para atuar na causa. A 2ª Seção do STJ já garantiu esse direito, mas a Oi entrou com embargos de divergência e o caso será decidido a partir do voto de Gonçalves.

Em outro processo, o STJ terá que dizer se os investidores podem entrar na Justiça na cidade onde moram ou se devem fazê-lo na cidade do antigo dono de cada uma das ações das companhias telefônicas.

Por fim, o STJ vai julgar se os investidores é que têm de apresentar os documentos dos detentores originários das ações ou se as companhias telefônicas é que devem trazer os contratos à Justiça. O julgamento desse processo pode ser decisivo, pois, se o STJ definir que os investidores é que devem mostrar os documentos, essas ações que valeriam bilhões de reais podem se transformar em água. Isso porque os contratos antigos da telefonia fixa estariam apenas em poder das companhias do setor.

Nesse caso, foram dados dois votos favoráveis aos investidores, no ano passado, dos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, o relator do processo, e de Fátima Nancy Andrighi. O ministro João Octávio de Noronha, que havia pedido vista do caso, há um ano e dois meses, levou o seu voto no último dia 13. Ele foi a favor das companhias telefônicas a partir de uma distinção que fez entre o caso dos contratos de telefonia e o que acontece com os clientes de bancos que dependem das instituições financeiras para obter informações sobre as suas contas.

"Nos presentes autos, a situação é diversa. O que aqui se questiona é a própria existência do contrato de participação financeira. Ora, se o autor, ao que compete tal ônus, não consegue apresentar evidências mínimas, como exigir das empresas de telefonia que apresentem os livros e registros do contrato? Se não há contrato, não adianta buscar nos livros da companhia. Seria surreal que a empresa apresentasse aquilo que ela afirma não existir", afirmou Noronha.

Sanseverino argumentou que as teles devem ter condições até mesmo de dizer se os consumidores não possuem contrato com elas. Mas, o voto seguinte, da ministra Isabel Gallotti, também foi a favor das teles. Com isso, o caso ficou empatado em dois votos a dois. O ministro Antonio Carlos Ferreira pediu vista do processo, adiando a conclusão do julgamento.

Procurada pelo Valor, a Oi informou que não se manifesta a respeito de questões que estão sob tramitação na Justiça.

O advogado Luis Felipe Cunha, que atua para autores de processos contra as telefônicas, defendeu a tese de que elas têm o dever legal de guardar as informações dos acionistas. "Se a companhia não reconhece a relação jurídica dos acionistas interessados em obter seus dados, que assuma expressamente essa posição", reclamou. "O tema é de suma relevância porque, se houver uma decisão no sentido de exigir que o consumidor traga aos autos a cópia do contrato, o STJ eliminará o direito de pelo menos 95% dos acionistas prejudicados, ou seja, aproximadamente 4,5 milhões de consumidores", afirmou.

Ao longo do julgamento no STJ, os ministros não falaram qual seria o valor da causa, mas as estimativas são bilionárias. No balanço da Oi, essa causa aparece como o principal assunto societário a gerar preocupações em termos de provisionamento - dinheiro que é destinado para pagar despesas decorrentes de decisões judiciais.

Apenas num processo, em tramitação na Justiça do Paraná, um grupo de investidores unidos numa empresa chamada Brisk conseguiu o direito a receber a diferença em 4,6 mil contratos. Naquele processo, a Justiça paranaense deu o direito ao pagamento de R$ 160 milhões. Ou seja, foram R$ 34 mil por contrato. A Oi recorreu ao STJ para não pagar à Brisk e o caso aguarda novo julgamento. Como havia mais de 7 milhões de linhas em 1998 - ano da privatização -, o potencial em disputa está na casa dos bilhões de reais, o que torna esse debate um dos mais tensos para o setor de telefonia na Justiça brasileira.