Valor econômico, v. 16, n. 3747, 02/05/2015. Opinião, p. A12

 

Correções de rota no setor de petróleo e gás

 

Por Robson B. de Andrade

A cadeia brasileira de petróleo e gás passa por um momento decisivo. A gravidade do cenário exige coragem, determinação e correção de rota. Se não percebermos que o quadro se alterou e que há necessidade de transformações, podemos perder uma extraordinária oportunidade para a indústria brasileira e para o país. Quatro forças impulsionam a mudança: a queda do preço do petróleo, os problemas de corrupção na Petrobras, a fragilidade da empresa decorrente das suas decisões de investimentos e as limitações do marco regulatório que gere o setor.

No fim de 2007, a Petrobras revelava o potencial do campo de Tupi, dando início às descobertas do pré-sal brasileiro e voltando as atenções do mundo para o Brasil, que se consolidou no grupo dos principais produtores de petróleo do mundo. Os desafios tecnológicos e os investimentos envolvidos ofereciam uma oportunidade única para o desenvolvimento da indústria nacional e para a geração de emprego e renda.

Ao longo desses anos, os investimentos em exploração e produção cresceram exponencialmente. Somente no caso da Petrobras, passaram de cerca de US$ 6 bilhões anuais para mais de US$ 45 bilhões por ano, em média. Isso induziu projetos de investimentos em toda a cadeia produtiva, não apenas para a oferta de bens e serviços de alto valor agregado, como também para atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). O principal exemplo é o parque tecnológico da Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, onde foram instalados laboratórios de algumas das principais empresas do mundo no setor.

A Noruega concluiu que uma reserva de mercado imporia restrições ao crescimento da cadeia

O pré-sal, num fato pouco conhecido, já é responsável por 28% da produção nacional, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Nos últimos meses, contudo, o mundo mudou e parte importante do que se construiu no período recente em torno do setor de petróleo no Brasil está sob risco. A queda do preço começa a comprometer a viabilidade de investimentos em algumas das novas fronteiras de produção, como é o caso das reservas não convencionais dos Estados Unidos.

As informações disponíveis indicam que, graças aos altos níveis de eficiência alcançados, a exploração do pré-sal brasileiro permanece viável no patamar de preço atual. Mas sua atratividade é decrescente, de modo que a queda do valor do petróleo não pode ser descartada como um risco à sustentabilidade da exploração no país.

As principais ameaças à cadeia de petróleo e gás brasileira, contudo, têm origem doméstica. Em primeiro lugar, a crise na Petrobras e em algumas de suas principais fornecedoras deverá ter impacto significativo nos investimentos do setor, afetando um grande número de empresas que têm na petroleira seu principal cliente. Estima-se que a desaceleração de projetos já resultou na demissão de 20 mil trabalhadores ligados ao segmento.

Em segundo lugar, é preciso entender que o marco regulatório do petróleo no Brasil, em especial a cláusula de operador único (Lei 12.351/10), tem contribuído para acentuar os impactos da crise da Petrobras no restante da cadeia produtiva. A norma atribui à empresa a responsabilidade pela condução e execução de todas as atividades de exploração e desenvolvimento nos blocos licitados do pré-sal e estabelece que ela deterá participação mínima de 30% no consórcio vencedor.

A cláusula foi justificada à sociedade como uma proteção à companhia, mas, na verdade, representa um enorme fardo para ela, que passa a ser obrigada a participar financeira e operacionalmente de todas as rodadas de licitações do pré-sal. Um desdobramento da obrigatoriedade de participação mínima de 30% da Petrobras no consórcio vencedor é que a realização de novas licitações passa a depender da capacidade financeira da empresa. No cenário de curto e médio prazos, isso significa que o lançamento de novas rodadas está praticamente descartado.

 

AgĂȘncia Petrobras

As consequências disso são gravíssimas para a sobrevivência da cadeia produtiva que foi construída com muito custo no Brasil, pois algumas atividades de exploração de alto valor agregado, que empregam trabalhadores altamente qualificados, somente se sustentam se houver um fluxo exploratório regular. O mesmo vale para muitos fabricantes de equipamentos que realizaram investimentos em capacidade produtiva e desenvolvimento tecnológico prevendo investimentos da ordem de US$ 50 bilhões por ano.

Se o objetivo do Estado é assegurar uma participação mínima da Petrobras no mercado, esse instrumento certamente não é necessário. Em primeiro lugar, porque a União dispõe do mecanismo da cessão onerosa. Em segundo, porque a liderança tecnológica da Petrobras na exploração de águas profundas faz dela uma parceira natural de qualquer empresa que deseje explorar o pré-sal.

A Noruega, principal referência de país que conseguiu tirar proveito da descoberta de petróleo para desenvolver uma indústria de alta tecnologia e, com isso, gerar riqueza e renda para sua sociedade, viveu dilema semelhante. Sabiamente, concluiu que a manutenção de uma reserva de mercado para sua empresa nacional imporia restrições ao desenvolvimento da cadeia.

O pré-sal continua sendo uma das principais fronteiras de expansão da produção de petróleo no mundo. Mas precisamos recriar as condições de atratividade do setor para os novos investimentos que poderão viabilizar, de forma eficaz e definitiva, a construção de uma indústria ainda mais inovadora, diversificada e internacionalmente competitiva. Se não mudarmos nossos paradigmas e ajustarmos rapidamente a rota, perderemos uma oportunidade que não é só da indústria nacional, mas de toda a sociedade brasileira.

Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)