O globo, n. 29887, 05/06/2015. Rio, p. 7

Investimentos limitados

Luiz Ernesto Magalhães

Apenas 23% do tributo foram aplicados na modernização do Corpo de Bombeiros em 2014

“O objetivo original era equipar a corporação, e não usar parte expressiva para manter a máquina” Comte Bittencourt
Deputado “Infelizmente, o grupamento aéreo parece não ser prioridade. A gente vai tentando remediar” X.
Oficial da corporação

Apenas 23% dos R$ 182 milhões da taxa de incêndio foram gastos em equipamentos e reforma de instalações dos Bombeiros do Rio. Ao longo de pelo menos três meses deste ano, o Corpo de Bombeiros usou pás emprestadas de helicópteros da Polícia Civil para que um de seus aparelhos permanecesse em atividade. As peças foram devolvidas no fim de abril, mas, hoje, apenas duas das quatro aeronaves da corporação são utilizadas em operações. Enquanto o Corpo de Bombeiros afirma que dois de seus helicópteros se encontram em manutenção, militares ouvidos pelo GLOBO dão outra versão: eles dizem que as aeronaves não vêm sendo consertadas e que faltam verbas para os reparos. Sem esses aparelhos, houve redução no número de voos de treinamento para salvamentos. O problema, porém, não parece ser provocado por falta de recursos. No ano passado, os bombeiros arrecadaram R$ 182 milhões com a cobrança da taxa de incêndio. Só que, desse total, apenas R$ 41,7 milhões (22,92%) foram gastos na modernização de equipamentos e na construção ou reforma de instalações.

O valor aplicado em melhorias é inferior ao que foi gasto em 2014 com a manutenção do hospital da corporação: R$ 56 milhões. Instituída no Rio de Janeiro em 1981 e também cobrada em outros estados da federação — incluindo São Paulo e Minas Gerais —, a taxa é a principal fonte de recursos do Corpo de Bombeiros e tem como objetivo garantir fundos para a manutenção de suas atividades. Mas mudanças na legislação ampliaram o leque de gastos que podem ser cobertos pelo tributo. Atualmente, os recursos podem ser usados tanto para renovação da frota e aquisição de plataformas quanto para despesas do dia a dia, como compra de sacos para cadáveres e pagamento de diárias, passagens ou mesmo resmas de papéis. Até o protetor solar usado pelos homens do Grupamento Marítimo é bancado pela verba, que financia ainda a Defesa Civil do estado (que recebeu R$ 61,4 milhões em 2014).

MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO

Para este ano, a previsão é que o total arrecadado com a taxa de incêndio chegue a R$ 193,2 milhões. As informações sobre as aplicações dos recursos obtidos com a cobrança do tributo constam de relatórios obtidos pelo gabinete do deputado estadual Comte Bittencourt (PPS) no Sistema de Informações Gerenciais da Secretaria estadual de Fazenda.

— O objetivo original da taxa era equipar a corporação, e não usar parte expressiva do dinheiro para manter a máquina. Muitos dos recursos para o dia a dia deveriam vir diretamente do caixa estadual. Mas as mudanças na legislação tornaram subjetiva a forma como o dinheiro pode ser gasto — afirmou o parlamentar.

Desde 1988, a arrecadação proveniente da taxa de incêndio vai para o Fundo Estadual dos Bombeiros (Funesbom). Inicialmente, o Funesbom era administrado pela Secretaria de Fazenda. Em 1988, a gestão das verbas passou a ser feita pela corporação, que, naquele ano, anunciou uma série de investimentos para reequipar os quartéis. O Funesbom também conta com outras fontes de recursos, mas a principal receita sai da taxa de incêndio. No ano passado, os R$ 182 milhões arrecadados com o tributo corresponderam a 69,59% de todas as despesas pagas (R$ 261,5 milhões) pelo fundo.

Em 2011, na última mudança proposta pelo governo do estado, aprovada pela Assembleia Legislativa em meio a uma greve na corporação — que culminou na invasão do quartel central por soldados —, o Funesbom passou a bancar despesas de pessoal referentes ao pagamento de gratificações. As novas regras reduziram de 75% para 70% o percentual mínimo que deve ser destinado não somente para manter e reequipar a corporação, mas também para pagar as despesas do dia a dia e manter a Defesa Civil.

No ano passado, o fundo pagou R$ 1,6 milhão em contas de telefones fixos e celulares, cerca de R$ 25 milhões de rancho para alimentar a tropa e R$ 50,5 milhões de despesas com pessoal. Por outro lado, investiu mais de R$ 40 milhões em novas plataformas e equipamentos de resgate em incêndios. O Funesbom arcou ainda com gastos como R$ 722 mil em sacos para remover cadáveres, R$ 86 mil em protetores solares e R$ 252 mil em diárias e hospedagem para 35 militares que foram realizar um treinamento nos Estados Unidos.

As supostas más condições dos helicópteros da corporação foram denunciadas pelo major e vereador Márcio Garcia (PR), ligado ao movimento S.O.S. Bombeiros. Suas palavras foram endossadas por militares que atuam no grupamento aéreo. De acordo com eles, o Corpo de Bombeiros chegou a ter seis aeronaves, mas duas saíram definitivamente de operação após acidentes e não foram repostas. Segundo esse grupo, um dos aparelhos que estão em operação é usado para transportar equipes médicas que ajudam no resgate de feridos. Em caso de necessidade de mais aeronaves para uma ação de salvamento, a alternativa é pegar carona num helicóptero da PM ou da Polícia Civil. Caso não haja um aparelho disponível, as equipes têm que escolher quem socorrer.

— Infelizmente, o grupamento aéreo parece não ser uma prioridade. A gente vai tentando remediar. Nós pegamos pás emprestadas para reativar uma das aeronaves enquanto um helicóptero em condições de voo passava por manutenção. O conjunto de três pás custa 150 mil dólares ( R$ 450 mil), fora as despesas com revisão — comentou um oficial ouvido pelo GLOBO, que trabalha há anos no grupamento.

Por meio de uma nota, o Corpo de Bombeiros negou que faltem recursos para investimentos ou reparos. A corporação afirmou ainda que não será afetada pela crise financeira do estado. O empréstimo das pás de helicóptero não foi comentado. Segundo o Corpo de Bombeiros, a verba do Funesbom é suficiente “tanto para a renovação quanto a ampliação de equipamentos e unidades”.

De acordo com a corporação, com 70% dos recursos disponíveis para investimentos, foi possível inaugurar destacamentos em Arraial do Cabo e São Gonçalo. “Ainda estão previstas para 2015 novas unidades em Seropédica, Mesquita, Mendes, Bom Jesus de Itabapoana, Natividade e Mendes”, diz a nota. O Corpo de Bombeiros também destacou que foram contratados 700 motoristas, soldados e técnicos de enfermagem em 2014. Para este ano, a previsão é preencher 300 vagas de salva-vidas.

A corporação afirmou que, em 2014, a arrecadação poderia ter chegado a R$ 353,4 milhões se não fosse a inadimplência, que correspondeu a 36% do total cobrado, cerca de R$ 90 milhões.