O globo, n. 29926, 14/07/2015. País, p. 3

Sinal de alerta

JAILTON DE CARVALHO

Com crise política e temor de espionagem na Lava-Jato, governo tenta prevenir grampos

Temor de escutas irregulares muda a rotina de autoridades; uso do

AILTON DE FREITAS/2-7-2015Escutas ilegais. O delegado José Alberto Iegas, na CPI da Petrobras: relato de grampos na sede da PF em Curitiba

telefone é evitado

Em meio às disputas na base governista e ao embate com a oposição, o Palácio do Planalto determinou que setores estratégicos dos ministérios passem por varreduras contra escutas ilegais com regularidade, relata JAILTON DE FREITAS. Em ao menos um ministério, a varredura tem sido feita duas vezes por mês desde março. A preocupação aumentou especialmente após a CPI da Petrobras contratar a Kroll, empresa de investigação privada com sede nos EUA, para rastrear e repatriar recursos desviados da estatal. Temendo grampos, autoridades, inclusive na Procuradoria Geral da República e na PF, reduziram drasticamente uso do telefone. -BRASÍLIA- Com o agravamento dos conflitos com a oposição e das disputas internas da base governista, o Palácio do Planalto decidiu aumentar o nível de segurança das áreas estratégicas do governo para evitar grampos e outras formas de espionagem. Desde março, entrou em vigor um alerta especial: setores sensíveis de cada ministério devem passar por varreduras contra escutas ilegais com regularidade. Em pelo menos um ministério, a varredura tem sido feita duas vezes por mês, segundo disse ao GLOBO um servidor que acompanha a escalada contra a espionagem na Esplanada dos Ministérios.

A preocupação do governo aumentou especialmente depois que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o escândalo de corrupção da Petrobras decidiu contratar a Kroll, empresa de investigação privada com sede nos Estados Unidos, com o pretexto de rastrear e repatriar recursos desviados da Petrobras. Delegados e procuradores, embora evitem tratar do assunto publicamente, consideram a contratação da Kroll uma excentricidade. O rastreamento e a repatriação de dinheiro desviado da Petrobras já vêm sendo realizados pelo Ministério Publico Federal e pela Polícia Federal, com sucesso sem precedentes na História das investigações criminais no país.

Com receio de grampos telefônicos e escutas ambientais, autoridades federais estão reduzindo drasticamente o uso do telefone. Algumas das mais visadas só tratam de determinados temas em conversas pessoais, de preferência sem a presença de assessores. Tamanho é o receio com a espionagem que, em alguns casos, assessores pedem para que visitantes evitem entrar na sala dos chefes com celular. A explicação é simples: programas de espionagem poderiam ser instalados em celulares sem que o dono do equipamento saiba.

PROCURADOR-GERAL EVITA CELULAR

Algumas autoridades não se sentem confortáveis nem mesmo com o uso de e-mails institucionais. A preferência é pelo e-mail pessoal, mais difícil de ser identificado numa espionagem clandestina. O medo do grampo se estendeu também à Procuradoria-Geral da República e à Polícia Federal, especialmente na Superintendência de Curitiba. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deixou o celular de lado desde que pediu abertura de inquérito contra políticos acusados de se beneficiar da corrupção na Petrobras.

Na Polícia Federal o clima é ainda mais tenso. O risco da espionagem tem dados concretos. Há duas semanas, o ex-diretor de Inteligência José Alberto de Freitas Iegas e o agente Dalmey Fernando Werlang denunciaram, em sessão reservada da CPI da Petrobras, a existência de uma escuta ambiental na cela do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Operação Lava-Jato. Os dois também relataram que foi instalada uma escuta na área especial para fumantes da sede da PF no Paraná.

O caso está sendo investigado pela Corregedoria-Geral da PF em Brasília. Iegas e Freitas apontaram como mandantes das escutas os delegados Márcio Anselmo e Igor Romário de Paula, coordenadores da Lava-Jato, e o superintendente Rosalvo Ferreira Franco. A acusação tem peso, porque Welang disse que foi ele próprio quem instalou a escuta na cela de Youssef no mesmo dia em que o doleiro foi preso. Como diretor de Inteligência, Iegas era a autoridade máxima da PF em assuntos relativos a escutas.

Após a sessão da CPI, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) criticou as declarações de Iegas, alegando que poderiam ser usadas por interessados em implodir a Lava-Jato, como a defesa dos acusados.

— As informações da Lava-Jato vieram das delações, não de escutas — disse o parlamentar.

Werlang afirmou que fazia as escutas e depois entregava um pen drive com as gravações das conversas ao delegado Márcio Anselmo e a uma delegada. Segundo o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), o agente teria dito que perguntas feitas nos interrogatórios de Youssef faziam referências a diálogos dele com Costa. No início das investigações, os dois dividiram uma cela.

As escutas foram descobertas no ano passado. A primeira versão era a de que a espionagem faria parte de uma disputa interna, entre Iegas e Rosalvo. O caso foi investigado numa sindicância. Com base na apuração, o juiz federal Sérgio Moro rejeitou pedido de Youssef, que queria medidas judiciais por causa das escutas na cela dele. A PF informou que instaurou “procedimento investigatório” sobre o que foi relatado à CPI e aguarda a conclusão para “tomar as providências cabíveis”.