Título: A Líbia é aqui
Autor: Martínez, Manuel
Fonte: Correio Braziliense, 20/08/2011, Mundo, p. 24

Opositores de Kadafi ocupam a embaixada em Brasília, hasteiam a bandeira rebelde e brigam com funcionários do regime

Manifestantes agitam o estandarte da rebelião dentro da representação líbia, no Lago Sul: "Território livre"

O conflito entre o coronel Muammar Kadafi e os rebeldes que tentam derrubá-lo pelas armas há seis meses desembarcou ontem em Brasília. No início da tarde, a embaixada da Líbia, no Lago Sul, foi ocupada por cerca de 30 representantes da comunidade, opositores do regime, vindos do próprio DF, de Goiás e de mais quatro estados. Apoiados por diplomatas dissidentes, os manifestantes proclamaram a representação como "território livre", arriaram a bandeira oficial e a substituíram pelo estandarte rebelde. O embaixador Salem Omar Abdullah Al-Zubaidi, que se retirou, pediu a intervenção do Batalhão Rio Branco, da Polícia Militar. Um confronto se estabeleceu com a chegada de partidários do regime, que tentaram pela força recuperar o prédio em nome do governo de Kadafi ¿ a autoridade líbia reconhecida pelo Brasil.

Pouco antes das 21h, depois de três horas de reunião com representantes do Itamaraty e da Polícia Federal, os manifestantes exigiram deixar a embaixada somente após a refeição que os muçulmanos fazem todas as noites durante o mês sagrado do Ramadã, para quebrar o jejum observado diariamente do nascer ao pôr do sol. O costume é que essa refeição se prolongue pela madrugada. De acordo com o delegado Joel Mazo, da PF, houve momentos de desavença, mas no fim o embaixador retornou à representação e celebrou com os manifestantes. Um deles, Abdallah Al-Hamdi, negou que tenha havido confraternização. "O embaixador se trancou numa sala com as autoridades brasileiras e não quis falar conosco", declarou.

Foi ainda em meio às conversações, no fim da tarde, que chegaram à sede diplomática três homens vestidos de preto. Eles se identificaram como funcionários do governo líbio e entraram com violência no prédio, empurrando e agredindo manifestantes, que revidaram com chutes e socos. O conflito, encerrado com a intervenção da PM, terminou com sete feridos, entre eles duas crianças. Mutas Al-Zubaidi, filho do embaixador, também foi atingido no nariz e teve forte sangramento.

Os supostos diplomatas líbios, que não quiseram informar aos jornalistas seus nomes e cargos, aceitaram um acordo pelo qual deixaram o edifício em troca da remoção da bandeira rebelde. Eles abandonaram o local em um carro, fazendo sinais ameaçadores em direção aos manifestantes que continuavam na embaixada.

Ocupantes destroem retratos do ditador, exemplares da Constituição atual e outros símbolos oficiais

Símbolos destruídos "Daqui só saio quando Kadafi deixar a Líbia. E o embaixador só entra por cima do meu cadáver", proclamou em meio à confusão Abdalla Al-Hamdy, que trabalha como autônomo em Brasília. Ele tinha o apoio de alguns dos cerca de 30 integrantes do grupo. Manifestantes mais exaltados queimaram uma cópia da atual Constituição líbia, bandeiras do atual regime e retratos de Kadafi. Enquanto isso, o tenente-coronel Fialho, do Batalhão Rio Branco, esclarecia a missão do destacamento de nove policiais enviado à representação: "Pela Convenção de Viena, o embaixador tem poderes plenos na embaixada e o Brasil, signatário desse acordo, deve apoiá-lo. Só tomaremos uma atitude após a reunião dos representantes do Ministério das Relações Exteriores com o grupo".

"É um movimento pacífico. Alguns de nós, diplomatas, o reconhecemos e, por isso, não vemos nenhum problema na troca da bandeira", disse ao Correio o conselho administrativo da embaixada, Husein Tantoush. Mohamed Elzwei, empresário em São Paulo, explicou que os líbios têm pouca experiência com a democracia. "Estávamos com medo de levantar a bandeira (rebelde), porque achávamos que os policiais invadiriam o lugar e poderiam matar vários de nós. Mas o Brasil é um país democrático e a Líbia tem que ser um país democrático", comentou.