O globo, n. 29926, 14/07/2015. Opinião, p. 14

Congresso abusa de ter baixa percepção da crise

Legislativo não apenas deixa de aprovar cortes de gastos, como cria novas despesas, numa gritante demonstração de insensatez diante da situação da economia

As demonstrações de independência do Congresso têm múltiplas causas. Uma delas, a intenção dos peemedebistas presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (RJ) e Renan Calheiros (AL), de darem mostras de força, enquanto o Ministério Público Federal avalia se os denunciará ao Supremo, no processo do petrolão.

Contrariar interesses do Planalto serviria, ainda, como retaliação, por entenderem que o Executivo, de alguma forma — não se sabe ao certo como — trabalharia para que os dois sejam arrolados juridicamente no escândalo do assalto lulopetista à Petrobras.

Mas é certo que por trás de tudo estão os problemas políticos da presidente Dilma, cuja popularidade bate recordes de baixa, desestabilizada por uma campanha eleitoral vitoriosa, mas fantasiosa, por acenar aos eleitores com um futuro ilusório, manobra logo comprovada pela política de austeridade adotada pela própria presidente reeleita.

A perda de sustentação de Dilma junto ao eleitorado corrói a base parlamentar do Planalto e torna a aprovação de importantes medidas de ajuste fiscal no Congresso mais difícil.

Isso se compreende. O inaceitável é que o Congresso, além de dificultar o ajuste, atue em sentido contrário: eleve os gastos públicos, sem considerar que a economia ainda roda com déficit primário na faixa de 0,6% do PIB e um resultado negativo nominal (incluindo juros da dívida) na estratosfera de mais de 7%, enquanto a dívida bruta, também em relação ao PIB, se mantém em alta e acima dos 60%. São indicadores nada favoráveis para um país colocado em estado de atenção pela agências de avaliação de risco.

Mesmo assim, além de podar os projetos de ajuste — tanto que recentes projeções dos cortes efetivos chegam a R$ 5 bilhões contra um objetivo inicial de R$ 18 bilhões —, o Congresso tem inflado a conta das despesas.

O mais recente desatino foi, à margem do ajuste, a aprovação de uma proposta autista de um reajuste salarial médio de 56% no Judiciário. Em quatro anos, a fatura a ser remetida ao Tesouro será de R$ 25,7 bilhões, conta impagável se for respeitado o princípio da responsabilidade fiscal. Para ser coerente com seu novo e acertado discurso pró-ajuste, a presidente Dilma terá de vetar.

Há, ainda, um projeto semelhante, do Ministério Público Federal, para um aumento médio de salários de 59,49%, com alguns casos de 78,56%. E todos são reajustes que acionam o gatilho de revisões salariais em cascata, por toda a máquina pública.

São estrondosas demonstrações de insensatez e cegueira, inclusive da oposição, diante de uma crise que apenas se inicia. Durará muito ou pouco, a depender de decisões tomadas agora no Executivo e no Legislativo. A debacle fiscal da Grécia, vista de Brasília, parece acontecer em outro planeta.