Congresso errático aprova medidas contraditórias

26 jun 2015

Continuam a pairar sobre o país a visão de que cabe ao Estado prover o sustento de grande parte da população e ainda a ideia de que o Tesouro é inesgotável

Tomada por um furor legiferante, induzido pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Câmara acaba de gerar mais um monstrengo, ao aproveitar a medida provisória da extensão da política do reajuste do salário mínimo até 2019 e contrabandear para ela o “jabuti” da extensão do reajuste do mínimo a todos os aposentados e pensionistas do INSS. Acendeu o rastilho da implosão definitiva das contas públicas. Não é a primeira vez nas últimas semanas. Também foi assim na derrubada do fator previdenciário, mecanismo de atenuação das aposentadorias precoces, desatino confirmado no Senado, mas vetado pela presidente Dilma.

O próprio sistema de cálculo do reajuste do mínimo não é o indicado, por não refletir com precisão os ganhos de produtividade da economia, essenciais para impedir efeitos inflacionários da elevação dos salários. Aplicar a fórmula que soma inflação com evolução do PIB no já deficitário e estruturalmente desequilibrado INSS é antecipar uma crise fiscal que está desenhada no horizonte. Apenas esta benevolência irresponsável da Câmara representaria, este ano, mais uma despesa de R$ 9,2 bilhões, caso vigorasse desde janeiro.

A Câmara cria o gasto adicional enquanto aprova medidas do ajuste fiscal. Corta de um lado, mas amplia despesas de outro. Mais um desvario a ser vetado pela presidente Dilma, se o Senado não abater antes o “jabuti”. Assemelha-se ao Titanic aportado na Ilha da Fantasia: não se tem ideia do risco à frente, dada a ausência de senso de realidade de tripulantes e passageiros. Inclusive da oposição, em que tucanos mais uma vez dão o troco a um governo petista no mesmo estilo inconsequente do PT no período de Planalto do PSDB.

O deputado Cunha tem tocado a Câmara de forma temerária, votando uma eclética e destrambelhada reforma política, como forma de se impor ao Planalto enquanto espera ser ou não denunciado pelo MP ao Supremo, no escândalo do petrolão. Mesmo ele rejeitou a manobra: “Chegou-se a um limite daquilo que não deve ser feito.” Pois, na prática, significa subtrair parcela importante do ajuste fiscal aprovado apenas em parte no Congresso, e mesmo assim a duras penas.

Confirma-se que continua a pairar sobre o país a visão míope de que cabe ao Estado prover o sustento direto de grande parte da população, a mesma ideologia que plasmou a Constituição de 88.

Os milhões de beneficiários de programas sociais, somados a uma previdência desestabilizada pelas aposentadorias, e ainda a folha de salários de servidores estáveis e dos “cargos de confiança” enrijeceram o Orçamento de tal forma que dificultam os cortes. Muito também por falta de vontade política.

Este estado de coisas fica ainda mais grave diante dos surtos de populismo do Congresso. E, para piorar, existe a ideia de que a capacidade de provedor do Estado é infinita. Não entendem o que tem acontecido com a Grécia.