Um rombo de R$ 8 bi em maio

 

Superávit acumulado de 2015 é de R$ 6,62 bi, o pior em 17 anos, e deixa meta fiscal em dúvida

26 jun 2015

MARTHA BECK 

GABRIELA VALENTE

“Eu persigo a meta (do superávit primário)” Marcelo Saintive Secretário do Tesouro

Depois de dez anos sem mudar o teto da meta para a inflação, o governo reduziu de 6,5% para 6% o limite para 2017, numa sinalização de que atuará mais fortemente para segurar a alta dos preços. Para este ano, a previsão do Banco Central já é que a inflação ficará em 9%, acima do teto atual. A meta central continuará 4,5%. Em maio, o governo não conseguiu economizar para pagar juros da dívida pública. Tesouro, Previdência e BC tiveram déficit de R$ 8,05 bilhões no mês passado. De janeiro a maio, a União economizou R$ 6,62 bilhões, o equivalente a só 12% de sua meta fiscal para o ano, que é de R$ 55,3 bilhões. A crise também teve impacto no mercado de trabalho, e o desemprego subiu para 6,7% nas principais regiões metropolitanas do país. A renda encolheu 5%. -BRASÍLIA- Com a arrecadação em queda e as despesas engessadas, o governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou um déficit primário de R$ 8,05 bilhões em maio. Isso significa que o país não conseguiu poupar nada para pagar os juros da dívida pública no quinto mês do ano. Trata-se do segundo pior resultado da série histórica do Tesouro, iniciada em 1997. Perde apenas para maio de 2014, quando o déficit primário foi de R$ 10,44 bilhões.

Os números apontam, ainda, outro recorde — de 17 anos — batido. Em seu pior desempenho para o período desde 1998, de janeiro a maio, o governo central registrou um superávit primário de R$ 6,62 bilhões. Ou seja, apenas 12% da meta de R$ 55,3 bilhões prometida para o ano. O resultado representa uma queda de 65,6% em relação aos primeiros cinco meses de 2014, quando a economia para o pagamento de juros estava em R$ 19,28 bilhões. E deixa o governo ainda mais longe de atingir a meta de superávit primário fixada para o setor público em 2015, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,13% do Produto Interno Bruto (PIB) — sendo que, desse total, R$ 11 bilhões cabem a estados e municípios.

GOVERNO ABRE ESPAÇO PARA REVER META

O panorama é negativo. Mas, mesmo assim, o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, afirmou que este não é o momento ideal para revisar a meta de superávit primário. Segundo ele, o governo estuda novas medidas e ainda pode contar com receitas extraordinárias para perseguir o esforço fiscal.

— Existem novas medidas, receitas não recorrentes. Evidentemente, o quadro é difícil, mas não acreditamos ser o momento adequado para a revisão da meta — disse ele.

Saintive não quis adiantar que medidas podem ser adotadas, nem qual seria o momento ideal para rever a meta. No caso das receitas extraordinárias, ele citou como possibilidades a abertura de capital da Caixa Seguradora e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), além de outorgas pagas nos leilões do programa de concessões.

— Existe um grau de incerteza muito grande na economia, e precisamos olhar passo a passo como vai ser a performance da receita. Tudo isso é necessário para fazer uma avaliação correta. Eu persigo a meta — afirmou.

Até maio, a despesa total do governo central somou R$ 433,289 bilhões e teve um aumento real (já descontada a inflação) de 0,2%. Os gastos com pessoal e encargos sociais somaram R$ 92,492 bilhões, o que representa uma queda de 1,4% sobre o mesmo período no ano passado. Já os gastos com investimentos ficaram em R$ 24,128 bilhões, com retração de 37,2%. O custeio, por sua vez, subiu. Esses gastos atingiram R$ 99,830 bilhões: uma alta real de 5,9%. As receitas, por sua vez, ficaram em R$ 404,460 bilhões, com retração de 3,8% sobre 2014.

Apesar do discurso de Saintive, o governo deu ontem um passo discreto para facilitar a alteração da meta fiscal. O Executivo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto propondo mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias ( LDO) de 2015, permitindo que restos a pagar de anos anteriores a 2014 sejam usados para pagar emendas parlamentares impositivas. Segundo técnicos da equipe econômica, essa mudança esclarece apenas uma dúvida técnica e abre espaço para outras alterações na lei — inclusive na meta.

LEVY: ‘OUVI COISAS BACANAS’

Em encontro ontem com 16 economistas de bancos, consultorias e do setor produtivo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, voltou a destacar a importância da questão fiscal e de evitar riscos com novos gastos para a retomada do crescimento.

— Isso afeta muito a confiança do investidor. Muitos falaram que essa questão do gasto público e de novas despesas obrigatórias é, hoje, um dos maiores inibidores da confiança no Brasil — disse Levy. — Foi ótimo! Ouvi coisas bacanas.

Para o economista do Banco Espírito Santo Flávio Serrano, o resultado de maio é ruim, mas já era esperado por causa da arrecadação. Segundo ele, o mercado financeiro sabe que não há como reverter o impacto de anos de aumento de gastos de uma hora para outra. Ele diz acreditar que o governo conseguirá fazer um superávit de 0,6% ou, no máximo, 0,8% do PIB.

Serrano faz uma ponderação. Para ele, a credibilidade da nova equipe econômica não diminuiu. E lembra que as medidas fiscais adotadas não passaram pelo Congresso, como o governo esperava:

— Não arranha a credibilidade. Talvez arranhe um pouquinho a imagem, mas o mercado está dando um voto de confiança, porque há um esforço na direção certa. A mudança de rota é importante, mas a gente desviou muito do caminho lá atrás.

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Economistas alertam ministro Levy para objetivos inalcançáveis

 

- BRASÍLIA- O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enfrentou ontem questionamentos sobre a duração e o caráter da crise em um encontro com 16 economistas de bancos, consultorias e do setor produtivo. Ele ouviu mais do que falou. E, apesar de defenderem uma agenda positiva para que a economia possa, finalmente, dar sinais de melhora a partir de 2016, a reação desses interlocutores foi pouco otimista.

— O tom geral foi muito pessimista. A recessão e a estagnação vão durar mais do que se pode imaginar. O ajuste fiscal pretendido é um alvo inalcançável. Sugeri que o ministro redefinisse a meta fiscal para um patamar realista, algo como 0,5% ou 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Fui rechaçado pelos meus colegas nesse aspecto — disse Claudio Adilson Gonçalez, diretor da MCM Associados.

Carlos Thadeu de Freitas, chefe da divisão econômica da Confederação Nacional do Comércio ( CNC), afirmou que Levy mostrou preocupação com a estagnação da economia:

— Minha sugestão foi que a política monetária é romântica. Estão procurando uma meta impossível de 4,5% (de inflação). Sugeri que reajustassem a meta a níveis mais compatíveis com a realidade.

Para o economista-chefe da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flavio Castelo Branco, a preocupação é quando a economia voltará a crescer e quando acabará o momento crítico do ajuste:

— A maioria acha que é importante o retorno da confiança. Por isso o ajuste é tão importante, mas não se pode pensar em aumento de carga tributária.