Valor econômico, v. 16, n. 3762, 23/05/2015. Brasil, p. A2

 

Orçamento embute receita 12% maior

 

Por Leandra Peres, Eduardo Campos, Lucas Marchesini e Daniela Meibak | De Brasília

O corte de R$ 69,9 bilhões no Orçamento da União deste ano só será suficiente para cumprir a meta de superávit primário se a arrecadação total subir cerca de 12% em relação ao ano passado. Ou seja, as estimativas de receita embutidas no decreto de contingenciamento anunciado na sexta-feira preveem um crescimento real da arrecadação de quase 4% em 2015, ano em que o PIB será negativo até mesmo nas contas do governo. Uma ideia do que isso pode significar na prática: até abril, o Fisco acumula uma queda de 2,71% na arrecadação em relação ao mesmo período do ano passado, já descontada a inflação.

Considerando que a expectativa para a inflação de 2015 é de 8,26%, a premissa adotada pelo governo para o comportamento das receitas administradas, basicamente impostos e contribuições, é a mais otimista, devendo subir 14,1% nominais este ano em relação a 2014 e somar R$ 848,3 bilhões. O governo ainda espera ganhos no INSS (8,1%) e com receitas extraordinárias (9,6%), que vão desde concessões a royalties do petróelo.

Não está claro de onde virá o ganho de receita projetado pelo governo. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, citou os aumentos de impostos já feitos e decisões como vendas de ativos e maior receita de concessões. Até agora, os aumentos de tributos já anunciados somam cerca de R$ 25 bilhões, valor bastante distante do ganho de arrecadação projetado em R$ 150 bilhões.

A estimativa do governo é de uma arrecadação extraordinária com as chamadas receitas não-administradas de R$ 158,7 bilhões este ano, com ganhos especialmente nas concessões, que trarão R$ 2,8 bilhões a mais, totalizando R$ 18,1 bilhões no ano, e as chamadas operações com ativos, entre elas a venda da folha de pagamentos da União. O corte de despesas teve que compensar uma redução significativa nos dividendos, revistos de R$ 25 bilhões para R$ 15,5 bilhões e nas receitas de royalties, que caíram de R$ 50,4 bilhões para R$ 32,4 bilhões. Nos dois casos, o efeito do lucro reduzido da Petrobras e da queda no preço do barril de petróleo explicam as perdas.

O ministro Nelson Barbosa afirmou que uma frustração nas expectativas de receita será compensada por novos ajustes nos gastos e nos tributos, sem mudança da meta de superávit primário de R$ 55 bilhões para o governo central. "É um esforço gradual. Estamos fazendo o ajuste na velocidade que a sociedade aceita. A meta de resultado primário continua adequada", disse o ministro.

Barbosa, ao contrário de anos anteriores, teve que anunciar o contingenciamento do gasto sozinho, já que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cancelou a participação na entrevista minutos antes do início.

Se pelo lado da receita, a expectativa do governo é de um desempenho bastante positivo, no lado da despesa, as notícias não são as melhores. O decreto de contingenciamento incorporou uma redução de R$ 5 bilhões nas despesas com abono salarial e seguro-desemprego, resultado das medidas provisórias do ajuste fiscal que estão no Congresso. Em compensação, teve que elevar de R$ 18,1 bilhões para R$ 22,6 bilhões o gasto com a desoneração da folha de pagamentos das empresas. No consolidado, as despesas obrigatórias do governo continuarão crescendo este ano, somando R$ 847,5 bilhões.

Como já se esperava, os cortes foram concentrados nas despesas de investimentos. O PAC, uma das principais vitrines políticas do governo, sofreu uma redução de R$ 25,7 bilhões. As outras despesas de custeio da máquina cairão R$ 22,9 bilhões e as emendas parlamentares foram cortadas em R$ 21,4 bilhões.

O ministro Nelson Barbosa explicou que o governo manterá projetos prioritários, mas reduzirá o ritmo dos investimentos em andamento. Segundo ele, todas as obras do Minha Casa, Minha Vida que já atingiram 70% do total de conclusão terão recursos garantidos. O Plano Nacional de Banda Larga é outra prioridade que será mantida. Perguntado sobre três projetos que serão paralisados, o ministro não respondeu, mas deu o novo tom do governo: "Prefiro manter a ênfase no que continua. A velocidade [das obras] será compatível com a capacidade fiscal do governo".