Valor econômico, v. 16, n. 3751, 08/05/2015. Opinião, p. A14

 

Aperto monetário pode ser o mais intenso em 10 anos

 

O Banco Central continuará a aumentar os juros, sinaliza a ata da reunião mais recente do Comitê de Política Monetária do Banco Central. A batalha contra a inflação está perdida em 2015 - as projeções apontam para 8,3% - e o BC acredita que ao fim de 2016 ela estará perto da meta de 4,5%. "O cenário de convergência tem se fortalecido", avalia a ata, embora esta não seja a visão dos analistas de instituições financeiras e consultorias, que projetam 5,6% para a inflação no ano que vem. A amplitude do aperto monetário revela o que já se sabia. Após seis anos consecutivos com a inflação ao redor de 6%, os juros terão de subir mais agora do que antes, se o controle tivesse sido tempestivo, para deter uma inflação que já fugiu bastante do próprio teto da meta.

O BC está agindo com mais firmeza, depois de perder o controle das expectativas. Há um bom tempo que esse fator, mensurado em algumas avaliações do BC, tem feito a diferença entre o centro da meta (4,5%) e a inflação observada. Isto o obriga a agir de maneira firme agora em uma situação bem mais desfavorável. Os preços administrados levaram uma pancada de 13,37% nos doze meses encerrados em março. O real se desvalorizou razoavelmente até abril, com algum reflexo na inflação. Juros mais altos têm pouco efeito sobre esses dois fatores, mas podem deter a propagação desses ajustes para os demais preços.

Além disso, a economia brasileira caminha para a maior recessão em mais de duas décadas e os juros deveriam cair para reduzir o impacto da desaceleração, fossem outras as circunstâncias. Com um déficit nominal de mais de 6% do PIB, é altamente contraindicado que a conta dos juros aumente ainda mais. E juros reais de 7,3% (projetado pelo swap de um ano e inflação do período) são uma excrescência em um mundo em que eles estão perto do zero ou negativos. A leniência do passado cobra agora uma conta salgada da qual, infelizmente, não se pode fugir.

O teste da capacidade de a economia funcionar com juros reais civilizados, de 1% a 3% - mais que louvável nas intenções -, deu errado porque foi executado em condições inadequadas. Por si só um poderoso estímulo ao consumo, à baixa dos juros - a Selic caiu a 7,25% em novembro de 2012 e aí ficou até abril de 2013 - foram acrescentados um forte aumento dos gastos públicos e redução de impostos, quando a inflação já se encontrava perto dos 6%.

O fracasso da experiência deve provocar agora a quebra de um paradigma benigno que vinha se firmando, o de que a cada ciclo de aperto monetário, a taxa básica de juros subia menos que no anterior para atingir o mesmo efeito. Assim, o aperto de 2003 requereu uma carga da Selic de 26,5% e o seguinte, de 19,75%. O ciclo iniciado em abril de 2008 se contentou com 13,75% e o de julho de 2010, com 12,5%. O aperto atual já está em 13,25% e a perspectiva mais otimista é que se encerre em 13,5%.

Assim, de março de 2012 a janeiro de 2014, o país conviveu com uma taxa básica de juros anual nominal inferior a dois dígitos pela primeira vez desde que o Copom faz reuniões (junho de 1996). O juro básico real chegou ao piso de 1,39% em 6 de dezembro de 2012. Ao insistir em doses exageradas de estímulos, que se justificavam durante a crise de 2008 e não mais depois, a inflação mudou de nível. E em 2015 pode ser a primeira vez em uma década que o teto da banda de 6,5% será ultrapassado.

Há ceticismo quanto à convergência para a meta pelo fato de que o BC, nos últimos cinco anos, nunca trouxe a inflação para perto dos 4,5%. Em 2015, ela possivelmente chegará já nos 4,5% até abril. Até março o índice de dispersão ainda crescia - atingiu 73,5%.

O importante é que o BC acerte o passo e a inflação desabe logo. Em 2016, os índices de preços serão desinflados dos fortes reajustes corretivos da energia, a recessão esfriará o consumo, o maior desemprego tirará o fôlego dos reajustes salariais, juros elevados conterão o crédito e o ajuste fiscal possivelmente terá colocado as finanças públicas em ordem e promoverá aperto adicional, para um superávit primário de 2% do PIB.

Há fatores que não contribuem para a convergência à meta também. A inércia pode ser quebrada com anos seguidos de inflação baixa. E ela atua com mais vigor após anos de inflação maior. A correção do salário mínimo, pela fórmula defendida pelo governo, será de mais de 8%, se as previsões para o IPCA, se revelarem corretas, em um ano de retomada tímida do crescimento.