‘Não respeito delator’

 

Em NY, Dilma compara delação de empreiteiro com as da ditadura e a do traidor da Inconfidência

30 jun 2015

ISABEL DE LUCA 

-NOVA YORK- Depois de passar dois dias evitando a imprensa, a presidente Dilma Rousseff interrompeu a agenda positiva que o governo brasileiro tenta vender na visita aos Estados Unidos para reagir, pela primeira vez, ao depoimento do dono das construtoras UTC e Constran, Ricardo Pessoa, em delação premiada na Operação Lava-Jato. Em breve conversa com jornalistas, em Nova York, Dilma tentou desqualificar o depoimento do empresário e afirmou que a doação de US$ 7,5 milhões para sua campanha foi legal. A presidente prometeu tomar providências se for acusada, e defendeu que a Justiça investigue as denúncias.

LUCAS JACKSON/REUTERSInteresses políticos. Dilma durante a entrevista em Nova York: presidente diz não aceitar insinuações sobre irregularidades em campanha à reeleição e cita adversário tucano

— Eu não respeito delator. Até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas — disse Dilma.

Dilma disse que aprendeu a não gostar de delatores nas aulas de História:

— Em Minas (Gerais), na escola, quando você aprende sobre a Inconfidência Mineira, tem um personagem de quem a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator.

Ela frisou que a UTC também financiou a campanha do tucano Aécio Neves, argumentando que seu adversário no segundo turno em 2014 recebeu da empresa doações “com uma diferença muito pequena de valores”.

— Eu estou falando do Aécio Neves, só teve um candidato que concorreu comigo. Estou falando do segundo turno. Isso ocorreu no segundo turno — disse a presidente. — Não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou a minha campanha qualquer irregularidade. Primeiro, porque não houve. Segundo, porque, se insinuam, alguns têm interesses políticos.

Apesar das críticas a delatores, a presidente se disse favorável às investigações:

— A Justiça tem que pegar tudo o que ele (Pessoa) disse e investigar, tudo, sem exceção. A Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal.

Quando a perguntaram se pretende tomar alguma providência, ela foi categórica: — Se ele falar sobre mim, eu tomo. Aécio Neves reagiu às declarações de Dilma. Em nota, disse que Dilma “ou não está raciocinando adequadamente ou acredita que pode continuar a zombar da inteligência dos brasileiros”. E continuou: “A presidente chega ao acinte de comparar uma delação feita dentro das regras de uma sistema democrático, para denunciar criminosos que assaltaram os cofres públicos e os recursos pertencentes, com a pressão que ela sofreu durante a ditadura para delatar seus companheiros de luta pela democracia. Não será com a velha tentativa de comparar o incomparável que a senhora presidente vai minimizar sua responsabilidade em relação a tudo o que tem vindo à tona na Operação Lava-Jato”.

Dilma deu entrevista durante visita que marca a retomada das relações com os Estados Unidos após o episódio das espionagens da americana NSA. A divulgação da delação premiada de Pessoa, apontado como chefe do “cartel das empreiteiras”, mudou a viagem da presidente, que convocou duas reuniões emergenciais com seus principais interlocutores no governo, a última delas atrasando o embarque da comitiva oficial, sábado de manhã.

Além disso, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante — cuja campanha ao governo de São Paulo em 2010 é citada no depoimento —, cancelou a ida aos EUA para prestar esclarecimentos sobre o vazamento que agravou a crise política no governo. O empreiteiro revelou que boa parte dos recursos repassados a políticos é proveniente de transações com a Petrobras.

Sobre as referências do delator a Mercadante e ao ministro Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social, que foi tesoureiro da campanha da presidente em 2014, Dilma disse que vai “avaliar com cada ministro, porque é foro deles”.

Em Nova York, a presidente passou o dia cortejando a direita americana em nome da retomada da credibilidade do Brasil. Encontrou-se com Rupert Murdoch, na sede do “Wall Street Journal”, jornal considerado conservador. Em seguida, recebeu no Hotel St. Regis, onde estava hospedada, investidores do mercado financeiro e empresários de gigantes como General Motors (GM), General Electric (GE) e Walmart. Antes de partir para o seminário promovido pelo governo em outro hotel de Manhattan, Dilma esteve ainda com o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger.

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Delação faz Procuradoria ampliar investigação com 30 novas petições

 

Requerimentos, que tramitam em sigilo, tratam de políticos citados por Pessoa

STF recebe 30 petições sigilosas, que devem resultar em novos inquéritos contra políticos; mais um acusado faz acordo de delação premiada

“Eu tenho um sonho.” Dilma e Obama visitam o monumento ao líder de direitos civis Martin Luther King, em Washington, nos EUA

Em visita aos EUA, a presidente Dilma reagiu à delação do dono da UTC, Ricardo Pessoa, que disse ter feito doações à campanha da petista em 2014 por temer problemas para seus negócios na Petrobras. “Não respeito delator”, afirmou a presidente, repetindo que as contribuições à sua campanha foram legais. Ela citou Joaquim Silvério dos Reis, traidor da Inconfidência Mineira, e também sua prisão na ditadura: “Tentaram me transformar em delatora. Resisti bravamente.” Ao mesmo tempo, a Procuradoria-Geral da República enviou ao STF 30 petições com trechos das acusações de Pessoa a políticos, que devem resultar em novos inquéritos. Ontem, mais um investigado pela LavaJato, Milton Pascowitch, que atuava como operador da empreiteira Engevix e pagou parte de imóvel do ex-ministro José Dirceu, fechou acordo de delação premiada. Em Washington, Dilma e o presidente Obama visitaram o monumento ao líder Martin Luther King e jantaram na Casa Branca. - BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu 30 petições que estão tramitando com o mais alto grau de sigilo. Os pedidos foram enviados pela Procuradoria-Geral da República na semana passada, e tratam dos políticos citados na delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC.

Cada uma das petições ocultas se refere a situações que ainda precisam ser investigadas. Assim, houve uma divisão da delação em 30 episódios, efetuada pelos procuradores da República que integram a forçatarefa montada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Será a partir dessas petições, por enquanto ocultas no sistema do STF, que o procurador-geral decidirá para quais investigados haverá pedidos formais de abertura de inquérito. Os pedidos serão submetidos ao relator do caso no STF, ministro Teori Zavascki.

Os procedimentos são mantidos sob sigilo. Entre eles, pode existir um específico para o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, Edinho Silva, e outro para o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. O dono da UTC acusou Edinho, que foi tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff à reeleição, de pressionar por doação e de relacionar os pedidos feitos aos contratos da UTC na Petrobras. Mercadante foi acusado de receber recursos de caixa dois na campanha ao governo de São Paulo em 2010. Os dois contestam a delação e negam qualquer irregularidade.

Nessa análise preliminar, não haveria nenhum fato direto que levasse a uma petição diretamente a respeito de Dilma, segundo as discussões iniciais travadas pelos investigadores a partir da delação. Na fase de petições ocultas para as delações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, Dilma também não foi objeto de petição própria.

Costa acusou o ex-ministro Antonio Palocci de pedir R$ 2 milhões para a campanha da petista em 2010, o que constou numa petição oculta aberta especificamente para Palocci no STF. Na fase posterior, dos pedidos de abertura de inquéritos, Janot viu indícios insuficientes e impossibilidade jurídica de investigar a presidente por fatos pretéritos ao mandato vigente. E, por não ter mais foro privilegiado, as menções a Palocci foram remetidas à Justiça Federal no Paraná. Um inquérito foi aberto.

RECURSOS DO STF

Citados na delação de Ricardo Pessoa, Mercadante, Edinho Silva e o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) recorreram ontem ao STF para ter acesso aos depoimentos e conhecer o contexto em que foram mencionados. Mercadante entrou com a petição na sexta-feira. Edinho e Aloysio deram entrada ontem. Os três negam ter recebido dinheiro irregular da UTC.

— Quero ter acesso ao inteiro teor das declarações (de Pessoa). Tenho direito, como cidadão, a ter acesso ao inteiro teor — afirmou Mercadante.

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), citado como beneficiário de doação de R$ 150 mil da UTC em troca de supostas facilitações na CPI da Petrobras, fez discurso na Câmara negando que tenha ajudado Pessoa na comissão. Afirmou que o dinheiro recebido da UTC era para financiamento de campanha de seu partido:

— Não tenho envolvimento, não tenho e nunca tive intermediário dentro do governo, sempre fui oposição. Ele quis me envolver, só não imaginava que eu não ia ficar com o dinheiro.

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Inconfidência, a história e o mito

PEDRO DORIA

História da Inconfidência que Dilma aprendeu é mito. Ahistória da Inconfidência que Dilma aprendeu é um mito criado por republicanos no fim da Monarquia. Tiradentes, imberbe, ficou a cara de Jesus. Convinha encontrar um Judas. Sobrou para Joaquim Silvério dos Reis.

A presidente tem o direito de antipatizar com delatores. Mas, dentre os conspiradores de Minas, delatores foram quase todos. Quando Silvério se apresentou perante o Visconde de Barbacena para contar sua história, numa manhã de 1789, já desconfiava que o governador sabia de tudo. Afinal, ele havia acabado de rescindir a ordem de cobrança dos impostos atrasados. Sem insatisfação popular não haveria levante. Não é trivial esconder um golpe organizado por toda a elite.

Silvério não estava sozinho. Vários dos heróis enterrados no Memorial em Ouro Preto deram com a língua nos dentes assim que se viram dentro de celas. O poeta Claudio Manuel da Costa foi o primeiro. Talvez sob tortura, ou apenas pelo terror de estar preso, listou um por um os seus pares. Incluiu na lista até o próprio Barbacena. Aí acordou enforcado no cadarço vermelho que usava para amarrar as ceroulas. Oficialmente, suicídio. (O Brasil se repete.)

Silvério terminou preso por dois anos numa cela úmida e fria. Pena leve. O sobrinho do vice-rei mais poderoso do período colonial morreu pobre e doente, servindo num forte angolano. Tiradentes, enforcado e esquartejado, foi o único réu confesso.

No mito, escolhemos quem chamaremos de delatores e quem trataremos como heróis. Já História é vida real. Naquele tempo, pessoas poderosas foram presas. Uns tentaram trocar informação por benefícios na pena. Nem todos conseguiram. Mas aqueles homens, mesmo com todas suas pequenezas por demais humanas, sonharam um Brasil livre. Até mesmo Silvério. Dentre empreiteiros, executivos e políticos que forem comprovados corruptos, é um pouco mais difícil encontrar justificativa.