Mais que uma crise econômica

 

Mesmo que o ‘não’ ganhe, solução política pode manter Grécia no euro, dizem analistas

30 jun 2015

JOÃO SORIMA NETO

“A situação só será resolvida com boa vontade política, tanto de credores quanto do governo grego. Está na hora de os técnicos saírem de campo e entrarem os políticos” Gino Olivares
Professor do Insper

País precisa pagar € 1,6 bi ao FMI hoje. Para analistas, solução política pode evitar saída do euro -SÃO PAULO, RIO E ATENAS- Analistas avaliam que o referendo grego, no próximo domingo, sobre as novas medidas de austeridade exigidas pelos credores do país pode ter graves consequências econômicas, mas ressaltam que a solução precisa ser política. Isso porque a vitória do “não”, que pode acabar levando a Grécia a deixar — ou ser expulsa — da zona do euro, teria mais impacto negativo no próprio país que nos demais membros do bloco e na economia global. Atenas precisa pagar hoje uma parcela de € 1,6 bilhão ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Autoridades do governo grego já disseram que não farão esse pagamento. E, mesmo que isso seja encarado como um atraso, não como um calote, uma moratória grega está cada vez mais no radar dos investidores — hoje também se encerra o atual acordo de ajuda dos países do euro à Grécia, além das linhas extras de liquidez do Banco Central Europeu (BCE). O temor dos mercados é que um calote empurre a Grécia para fora do euro, mas um acordo político poderia evitar isso, dizem analistas.

KONSTANTINOS TSAKALIDIS/BLOOMBERG NEWSDesolação. Homem junto ao caixa automático, já sem dinheiro, de um banco em Tessalônica: medidas duras para a população

Ontem, no primeiro dia do feriado bancário, que vai até 7 de julho, os mercados globais refletiram a crise. Na Europa, Frankfurt caiu 3,56%, enquanto Paris e Londres recuaram 3,74% e 1,97%, respectivamente, e Milão despencou 5,17%. Em Nova York, o Dow Jones fechou em queda de 1,95%, e o S&P, de 2,09%. Tóquio perdeu 2,88%. A Bolsa de Valores de São Paulo recuou 1,8%. A Bolsa de Atenas ficará fechada por toda a semana.

— Chegou-se a uma situação crítica que só será resolvida com boa vontade política, tanto de credores quanto do governo grego. Está na hora de os técnicos saírem de campo e entrarem os políticos, para discutir o que fazer para sair desse impasse — afirma o professor de economia do Insper Gino Olivares, que acredita que as duas partes deixaram a situação chegar ao extremo para que algum dos lados cedesse.

RISCO PARA A COALIZÃO DO GOVERNO

Como a economia grega representa apenas 2% da zona do euro, com um Produto Interno Bruto (PIB) de € 179 bilhões, não se prevê uma crise global, como a causada pela quebra do banco Lehman Brothers. Se a Grécia deixar o euro, haverá turbulência nos mercados financeiros. Mas esta deve se dissipar depois de seis meses.

— Os mercados ficam nervosos por causa do cenário de incerteza. Mas acredito que a Grécia permanecerá na zona do euro, mesmo decretando moratória. A solução virá de uma boa vontade política — diz Olivares, do Insper.

Jens Nordvig, autor do livro “A queda do euro - Reinventando a zona do euro” e estrategista da corretora Nomura, disse ao GLOBO que o referendo tem uma importância política significativa e será decisivo para a permanência da Grécia na zona do euro. Para ele, se o “sim” for maioria, será quase impossível que a coalizão hoje no poder (Syriza/Anel) permaneça — o que o próprio premier grego, Alexis Tsipras, admitiu ontem, ao afirmar que respeitará a decisão popular. Se o “não”, defendido pelo governo, vencer, isso não implicaria numa saída imediata da zona do euro, mas reduziria o espaço para que Atenas fazer novas concessões aos credores.

— O referendo nos dará uma posição mais forte para negociar quando as conversas forem retomadas — disse Tsipras em uma entrevista no canal ERT. — Quanto maior for a participação e o número dos que votarem “não”, mais forte será nossa posição.

Mas, segundo relatório da Nomura, “um cenário possível é que, no último minuto, todos os lados cheguem a um acordo e que o governo grego recomende que a população vote pelo ‘sim’.”

O economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, ressalta que uma saída da zona do euro teria drásticas consequências para a Grécia: o desemprego, hoje em torno de 25%, voltaria a crescer. A dracma, a antiga moeda do país que poderia voltar a circular, teria uma desvalorização forte — algumas simulações de bancos indicam perda de até 57%. Isso acarretaria a queda no valor de empresas, imóveis, salários e aposentadorias, reduzindo o poder de compra da população, explica Campos Neto. E o PIB grego, que no ano passado registrou alta de 0,8%, voltaria a cair. Desde o início da crise, o PIB grego encolheu 25%. Além disso, explica ele, a inflação subiria muito, já que a Grécia importa muitos produtos, que subiriam de preço.

— Ou seja, na prática, os gregos e seu país ficariam mais pobres. Para a região, o impacto seria menor, e seria visto mais pelo campo financeiro, nas Bolsas e na alta dos custos de financiamento de alguns países. A turbulência pode secar um pouco o crédito, atingindo inclusive o Brasil, e as Bolsas tendem a reagir negativamente. Mas esse quadro tende a se reverter no curto prazo — diz Campos Neto.

Para o Brasil, o câmbio pode ser afetado, com o dólar ganhando força. Mas não se preveem consequências mais drásticas, como uma supervalorização da moeda americana ou o aprofundamento da recessão. Mas Olivares, do Insper, lembra que uma saída da Grécia da zona do euro aumentaria a aversão a risco, e países emergentes como o Brasil acabariam sofrendo.

CONTÁGIO LIMITADO

Campos Neto observa, entretanto, que mesmo no mercado de títulos soberanos dos países da zona do euro o impacto da crise grega tem sido limitado. Em 2011 e 2012, quando Portugal, Espanha e Irlanda também buscaram socorro financeiro, os custos de financiamento subiram muito. Um título de dez anos de Portugal, por exemplo, chegou a pagar juro de 10% ao ano naquela época. Hoje, o juro desse mesmo papel está em 3%, o que mostra que há menos pressão. Campos Neto observa que esses países fizeram reformas e arrumaram suas contas, recolocando suas economias nos trilhos do crescimento. A Grécia, segundo ele, é um caso isolado.

Para o economista da Tendências, a saída da Grécia da zona do euro teria um efeito mais emblemático, pois sinalizaria que a União Europeia, com sua moeda única, não é infalível. Campos Neto lembra que não existe uma cláusula de expulsão de países da zona do euro. Mas observa que, se o BCE não assegurar a liquidez dos bancos gregos, Atenas pode ser forçada a deixar o bloco.

Em relatório, o banco UBS prevê que a Grécia permaneça na zona do euro, ainda que haja turbulência no mercado financeiro a curto prazo. Para o UBS, a ação do BCE, provendo liquidez ao país, deverá mitigar os efeitos de um possível contágio aos demais mercados da região. O banco avalia que a população votará a favor dos termos estabelecidos pelos credores. Colaborou Rennan Setti, com agências internacionais.

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Corrida às compras

CLÁUDIA MACHADO

Gregos se deparam com supermercados cheios e lojas vazias no 1º dia do controle de capitais

Panagiotis Tsunamis, de 59 anos, tenta não entrar em pânico, apesar de os quatro filhos estarem desempregados. De licença médica devido a um acidente de trabalho, ele está há dois meses sem o auxílio-doença. Quem sustenta a família é sua mulher, que ganha € 900 por mês e correu ao supermercado para comprar o que fosse possível. Segundo Tsunamis, o futuro incerto da Grécia trouxe o medo de faltar comida no país, já que boa parte dos alimentos vem de fora.

SIMON DAWSON/BLOOMBERG NEWSAlimentos. Famílias foram aos mercados temendo alta de preços e desabastecimento

— Não era pobre, fiquei pobre. Não me importa se os bancos estão fechados, não tenho dinheiro lá — disse ele, que votará “não” no referendo.

Muitas famílias têm ido aos mercados para estocar alimentos, temendo aumento de preços e desabastecimento. Com isso, alguns itens sumiram das prateleiras: na rede AB, uma das maiores do país, faltavam lentilhas, alguns tipos de macarrão, arroz e alface.

— Tenho três filhos e preciso comprar comida, mas não tenho dinheiro suficiente — disse Constantinos Papadopoulos, de 43 anos, desempregado.

Um funcionário de um açougue no bairro Koukaki contou que, desde sábado, as vendas aumentaram 20%. Segundo ele, as pessoas estão comprando três quilos de carne moída, em vez de um. Não compram mais por falta de dinheiro em espécie, já que poucos pequenos comerciantes trabalham com cartões de crédito.

Ontem, a cena de gregos tomando café gelado em mesas na calçada não se repetiu. Só turistas circulavam pelas tavernas em Plaka e Monastiraki. O dono de uma loja de iogurte em Plaka, que se identificou só como Constantinos, disse que sem os gregos, o movimento caiu 40%, e ele não fez pedido para repor o estoque:

— Não temos dinheiro para comprar nada e não podemos gastar o que temos, se não sabemos o que acontecerá.

Turistas também foram afetados no primeiro dia do controle de capitais, apesar de estarem isentos do limite de saque diário. Quando encontravam caixas eletrônicos com dinheiro, não conseguiam sacar o valor desejado. A colombiana Gioli Dias disse que cancelará a ida às ilhas de Santorini e Mykonos se os hotéis não aceitarem cartão de crédito. Já o casal de paulistas Carlos Lima e Fernanda Castro Lima não pretende antecipar a volta:

— Trouxemos dólares e estamos trocando a moeda em casas de câmbio. Não aceitaram cartão de crédito em duas tavernas, e ficamos aflitos, mas não ao ponto de antecipar nosso retorno.

As casas de câmbio em Atenas também seguem o controle bancário. Na Eurochange, transações com cartões bancários têm limite diário de € 60.

No Centro de Atenas, as lojas estavam vazias. A Zara, que teve movimento invejável ao longo da crise grega, não tinha clientes. A mesma cena era vista nos bares e restaurantes de Kolonaki, o bairro mais chique da capital.