O globo, n. 29901, 19/06/2015. Opinião, p. 17

Um caminho para a Previdência

JOSÉ PAULO KUPFER
 

Críticos do veto ao fator previdenciário e à fórmula escalonada para o limite de idade não queimaram todas
as pontes de negociação

Aconhecida máxima do Barão de Itararé, segundo a qual de onde nada se espera é daí que não sai nada mesmo, acaba de sofrer uma contorção que, por um instante, produziu um retorno ao provérbio original parodiado com a conhecida graça pelo grande humorista. No caso da definição das novas regras para a habilitação à aposentadoria pela Previdência Social, de onde não se esperava nada de positivo até que veio algum avanço.

Apesar dos rugidos em contrário, surgiram sinais, antes inexistentes, de que o Executivo e o Legislativo, às turras neste início de segundo mandato da presidente Dilma, possam vir a encontrar um acordo mínimo de partida na direção de uma convergência em tema espinhoso. Também é possível enxergar na nova proposta do governo um espaço para a busca de alternativas que fujam aos extremos e contemplem, dentro do possível, os interesses em conflito: manter regras razoáveis de acesso à aposentadoria sem inviabilizar no tempo o cumprimento pelo governo das obrigações previdenciárias.

Derrubar o fator previdenciário, que desincentivava aposentadorias em idade precoce, não era, na verdade, uma prioridade do momento. Ao contrário, em tempos de ajuste fiscal, nada poderia vir tão na contramão de um reequilíbrio das contas públicas como o afrouxamento das regras para obtenção do benefício integral. A aprovação da fórmula 85/ 95, que fixa na prática em 60 anos para homens e 55 para mulheres a idade mínima para obter aposentadoria integral, em substituição à complexa e mais dura equação do fator previdenciário, mostrou mais uma vez quanto o ambiente político está contaminado pela balbúrdia partidária.

Parlamentares petistas deram as costas ao próprio governo e se uniram a tucanos para ajudar a implodir um dispositivo criado por estes, em 1999, sob a liderança do então presidente Fernando Henrique. Em seguida, aliados, inclusive petistas, e oposicionistas, criticaram o veto de Dilma ao mecanismo aprovado no Congresso e os termos da medida provisória editada na sequência — uma fórmula que, a partir da equação 85/ 95, aumenta, progressivamente, a idade limite, com base nas tábuas de vida do IBGE. As críticas, contudo, felizmente, não parecem ter sido feitas para queimar todas as pontes de negociação.

Em algum momento, a sociedade terá de entender que um sistema previdenciário de repartição, como é o brasileiro, em que todos contribuem para a formação de um fundo que é repartido de acordo com o nível de contribuição, não se sustenta quando, na média, os benefícios são recebidos por mais de 20 anos. Há muito o que discutir, sobretudo em relação ao tempo de contribuição e especificamente quando o ingresso no mercado de trabalho é precoce, mas é difícil escapar do fato de que a equação não fecha sem a adoção de uma idade limite referenciada à expectativa de vida.

Existe também muita confusão ideológica em torno do tema previdenciário. A Previdência Social é uma autêntica Geni dos ataques à preferência manifesta da maioria dos brasileiros por um sistema de proteção social mais amplo, refletida com nitidez na Constituição vigente. Seus famosos “rombos” precisam ser mais bem qualificados, com a separação do que, de fato, é peso para o Tesouro ou é escolha política e social — ver desonerações da folha de pagamentos, benefícios para não contribuintes, regimes de assistência social bancados pela Seguridade sem contrapartida etc. etc.

As condições gerais da economia, a evolução da estrutura demográfica do país e as ainda gritantes distorções sociais com as quais convivemos exigem esforços honestos e responsáveis em busca da melhor combinação possível para assegurar, de forma sustentável, proteção social ao maior número de brasileiros necessitados e aos habilitados aos benefícios oferecidos.