O globo, n. 29901, 19/06/2015. Economia, p. 19
- RIO E BRASÍLIA- Com a demora na aprovação das medidas do ajuste fiscal, um quadro nas contas públicas herdado do ano passado pior do que o previsto e a recessão mais profunda da economia brasileira, analistas do mercado consideram improvável o governo alcançar a meta de superávit primário prometida para este ano, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,13% do Produto Interno Bruto ( PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Esse é o montante que o governo pretendia economizar para pagar os juros da dívida pública. E já se coloca em dúvida, inclusive, a meta oficial para 2016, de 2% do PIB.
Especialistas preveem que o superávit primário este ano ficará entre 0,6% e 0,8% do PIB. Na melhor das hipóteses, caso o governo consiga contar com todas as receitas extraordinárias — como a privatização da Celg, a venda da administração da folha de pagamento dos servidores, a abertura de capital da Caixa Seguridade e a receita com os leilões de blocos de petróleo — chegaria a 1,1% do PIB, na previsão da Rosenberg & Associados. O próprio governo, nos bastidores, já acredita que o superávit fiscal deste ano ficará em no máximo 0,9% do PIB.
A última das medidas do ajuste fiscal que depende de aval do Congresso é a mudança na desoneração da folha de pagamento. Mas, como ela só entrará em vigor 90 dias depois de aprovada, seu impacto maior será no ano que vem. Para 2015, as medidas adotadas até agora pelo governo, incluindo o corte no Orçamento, os aumentos de impostos e as novas regras para seguro- desemprego e pensão, somam pouco mais de R$ 100 bilhões. Mas isso não será suficiente frente à forte queda na arrecadação.
— O esforço para o aumento do superávit primário é relevante, tanto pelo crescimento da receita, com aumento de alíquotas de impostos e outras medidas, quanto pelo corte de gastos. Mas a queda da atividade econômica está jogando contra. O efeito do recuo da economia na arrecadação é de R$ 28 bilhões, ou 0,5% do PIB. Sem levar isso em conta, seria possível entregar a meta — afirma o economista do Itaú Unibanco Luka Barbosa.
Ontem, o Itaú Unibanco reduziu de 0,8% para 0,7% do PIB sua projeção para o superávit primário deste ano. O Banco Pine estima 0,6% do PIB, e a Tendências Consultoria, 0,8%. Os analistas afirmam que esse esforço fiscal está aquém do necessário para reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB, indicador observado com lupa pelas agências de classificação de risco. Seria preciso um superávit primário de pelo menos 2,5% do PIB para manter a dívida estável, afirma Barbosa, do Itaú.
Diante da deterioração do quadro fiscal, os especialistas se dividem sobre o risco de o país perder o grau de investimento. Para Barbosa, essa possibilidade não está descartada.
— Apesar dos avanços que têm sido feitos e de saber que não é possível mudar tudo em um ano, frustrar a meta de superávit primário já no primeiro ano pode ser ruim. Isso aumenta o risco de rebaixamento — afirma o economista da Rosenberg Rafael Bistafa.
‘ PEDALADAS FISCAIS’ TAMBÉM TÊM IMPACTO
Outros analistas, porém, destacam que não é trivial o esforço recente do governo, ao sair de um resultado negativo ( déficit primário) de 0,6% do PIB para um superávit em torno de 0,7% este ano — o que deverá ser levado em conta pelas agência de classificação de risco, afastando um rebaixamento. Essa é opinião de Fábio Klein, analista de finanças públicas da Tendências.
A questão é que a retração mais forte da economia dificulta a arrecadação, apesar do aumento de impostos. No início do ano, o boletim Focus, que reúne as principais estimativas do mercado, previa estabilidade da economia em 2015, com alta de 0,15% do PIB. No mais recente, divulgado segundafeira, já se esperava queda de 1,35% do PIB.
Abril teve a pior arrecadação para o mês desde 2010, de R$ 109,241 bilhões, 4,62% a menos que em abril de 2014. No acumulado entre janeiro e abril, o resultado foi de R$ 418,617 bilhões, 2,71% inferior a 2014 e o pior desempenho para o período desde 2011.
— Um ajuste fiscal já desaquece naturalmente a economia, com redução dos gastos do governo e de investimentos. Se é feito num momento em que a atividade já está caindo, intensifica essa contração — explica Klein, da Tendências.
Além disso, lembra o economista- chefe do Banco Pine, Marco Maciel, o esforço do governo está sendo afetado pelo reconhecimento das chamadas “pedaladas fiscais”, ou seja, gastos que não vinham sendo contabilizados no resultado:
— Com uma economia que deve recuar 1,5%, é muito difícil gerar arrecadação. E o governo ainda está reconhecendo a maquiagem contábil do passado. É um ajuste recessivo.
E essa piora no cenário econômico também dificulta a meta fiscal para 2016. O Itaú Unibanco reduziu sua projeção para o superávit primário do ano que vem de 1,5% para 1,2% do PIB, devido à expectativa de que a redução da desoneração da folha seja menor que o originalmente proposto pelo governo e de que a economia cresça menos. A projeção do PIB para 2016 foi revista de alta de 0,7% para 0,3%. Maciel, do Pine, vê o superávit de 2016 em torno de 1,2% do PIB.
Até agora, o ajuste fiscal soma pouco mais de R$ 100 bilhões, incluindo os cortes de R$ 69,9 bi no Orçamento. Esse total inclui ainda R$ 23,1 bilhões em aumento de impostos, R$ 7,75 bilhões do fim dos repasses para a Conta de Desenvolvimento Energético ( CDE) e a economia com as medidas aprovadas pelo Congresso.
Mas o contingenciamento de recursos pode acabar sendo revisto ao longo do ano, diante do fraco desempenho da arrecadação, e não assegurar a economia inicialmente esperada pelo governo.
Além disso, a estimativa do Ministério do Planejamento de economia de R$ 15 bilhões com as medidas aprovadas pelo Congresso restringindo o acesso a benefícios trabalhistas é excessivamente otimista, admitem os próprios técnicos do governo. Segundo eles, ela atingirá, no máximo, R$ 8 bilhões em 2015. Serão R$ 6,4 bilhões de economia com segurodesemprego, R$ 1 bilhão com pensões e alguns milhões com o seguro- defeso dos pescadores. As mudanças no abono salarial só valem para 2016.
Outro fator que dificulta a realização da meta é que o esforço fiscal de 2015 precisa ser suficiente não apenas para poupar R$ 66,3 bilhões, mas para reverter o déficit primário de R$ 32,5 bilhões de 2014. Num período de 12 meses até abril, o resultado primário do setor público é um déficit de R$ 42,6 bilhões, ou 0,76% do PIB.