Ricos pressionam mais inflação que classe média, diz estudo

Valor econômico, v. 16, n. 3757, 16/05/2015. Brasil, p. A4

 Alex Ribeiro

Um estudo feito por um economista do Banco Central mostra que, ao contrário do que muitos acreditam, a nova classe média não é a principal responsável pelo aumento da inflação de serviços nos últimos anos. Na verdade, o maior "culpado" são os brasileiros que ascenderam ao topo da pirâmide de renda.

A partir de dados coletados na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), André de Queiroz Brunelli chegou à conclusão de que os cerca de 9 milhões de brasileiros que ascenderam às classes A e B entre 2003 e 2009 responderam por 53,4% do aumento de gastos agregados com serviços ocorrido no mesmo período.

Já os 42 milhões de brasileiros que ascenderam à classe C - o que representa mais de quatro vezes o número de pessoas que subiram aos patamares mais altos de renda - responderam por 45,2% do aumento dos gastos com serviços entre 2003 e 2009.

O estudo de Brunelli, que trabalha na consultoria econômica do presidente do BC, Alexandre Tombini, traz à luz dados que ajudam a subsidiar o debate sobre as causas da alta da inflação de serviços ocorrida dos últimos anos. Em 2014, os preços dos serviços subiram 8,33%, bem acima da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que foi de 6,41% no período.

Os analistas econômicos costumam apontar duas causas principais para o aumento dos preços dos serviços nos últimos anos: os reajustes dos salários acima da inflação e o mercado de trabalho apertado, que eleva os custo de mão de obra em atividades que vão desde cortes de cabelo a restaurantes; e a demanda adicional por serviços criada pela ascensão da nova classe média.

No seu estudo, Brunelli não trata dos aumentos de custos provocados pelo reajuste dos salários - em anos recentes, o Banco Central já publicou alguns trabalhos demonstrando a relação entre uma coisa e outra. Seu foco é investigar como a maior mobilidade social ocorrida nos últimos anos afeta a demanda por serviços e os seus preços. E tambem investigar o que podemos esperar daqui por diante, se essa tendência se mantiver.

Brunelli usa a mesmo critério consagrado em pesquisas do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), para definir as classes de renda no país - que vão da letra E, a mais pobre, até a A, a mais rica.

A conclusão é que a demanda adicional por serviços ocorreu tanto na classe C (chamada nova classe média, que em 2009 tinha uma renda per capita média mensal de R$ 688,5) quanto nas classes A/B (com rendimento médio de R$ 3.220,00). A contribuição da população de menor renda, das classes D e E, no aumento da demanda por serviços foi bem pequeno.

Os mais ricos respondem pelo grosso do aumento da demanda por serviços porque, além de terem uma renda mais alta, destinam uma parcela maior de seus gastos (21,5%) a serviços do que a nova classe média (17,2%).

O estudo não nega que os preços de serviços subiram nos últimos anos devido também à pressão de demanda provocada pelo crescimento da classe C. Pelo contrário, Brunelli mostra que o consumo de serviços pela nova classe média é bastante sensível ao aumento de renda (o que os economistas chamam, tecnicamente, de elasticidade-renda da demanda).

Quando tem acréscimos de renda, a classe C aumenta em especial o consumo de serviços pessoais (cabeleireiros, manicures, despachantes, empregados domésticos etc) e transporte (passagens aéreas, transporte escolar, conserto de carro, estacionamento etc).

Assim, segundo o estudo, a continuidade do processo de inclusão social no Brasil nos próximos anos tenderá a manter a inflação sob pressão, a menos que seja contrabalançada por ganhos de produtividade em setores de produtos comercializáveis que permita a redução de outros preços na economia.

A íntegra do trabalho, com o título em inglês "Demand for Services Rendered to Families in Brazil in the 2000's: An Empirical Analysis of Consumer Patterns and Social Expansion", de Andre de Queiroz Brunelli, está disponível no seguinte endereço na página do BC na internet: www.bcb.gov.br/pec/wps/port/wp381.asp?idiom=P

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BC vê sinais de 'distensão' nos salários

Valor econômico, v. 16, n. 3757, 16/05/2015. Brasil, p. A2

 

Tainara Machado

 Denise Neumann

 

Os sinais de "distensão" no mercado de trabalho ao longo dos primeiros meses de 2015, visíveis na evolução do rendimento médio nas pesquisas de emprego e nas convenções coletivas, também são resultado de mudanças estruturais na economia brasileira, afirmou o diretor de política econômica do Banco Central, Luiz Awazu Pereira da Silva. Ao apresentar o Boletim Regional em São Paulo, na sexta, Awazu disse que a entrada de jovens mais qualificados no mercado de trabalho pode aumentar a eficiência do setor de serviços e levar os salários a crescerem mais em linha com a produtividade.

Segundo dados do BC apresentados por Awazu, os aumentos reais médios negociados nas convenções coletivas de trabalho recuaram de alta de 2,6% em fevereiro do ano passado para 0,7% neste ano. Ainda é um avanço acima da inflação do período, mas bem menor que em 2014.

A moderação dos reajustes negociados nos acordos salariais foi um dos aspectos da distensão no mercado de trabalho destacados por Awazu. Segundo ele, "já se vislumbra algum processo de moderação salarial" também no rendimento médio real nas pesquisas de emprego.

Para o diretor, a desaceleração dos salários tem reforçado outra dinâmica, mais estrutural, que é o aumento de jovens a procura de uma vaga de trabalho. "Em certo momento, houve redução na taxa de participação, particularmente entre os mais jovens, que decidiram melhorar qualificação antes de ingressarem no mercado de trabalho. Hoje, com término dessa qualificação, há retorno dessa geração a busca por uma vaga. É uma característica que explica um pouco essa distensão".

Para Awazu, esse processo aumenta a competição no mercado de trabalho e tende a adequar as propostas salariais à produtividade de cada empregado. "Isso tende a repercutir de forma favorável sobre a formação de custos laborais, especialmente em setores intensivos em mão de obra, e naturalmente sobre os preços finais dos produtos", afirmou.

O ingresso de uma geração mais qualificada no mercado pode ter outro efeitos positivo: tornar o setor de serviços mais eficiente e contribuir para o início de um processo de redução da inflação desse setor, que se manteve em patamar elevado.

O diretor de política econômica, porém, disse que essa evolução não impede que o Banco Central, observando a inflação corrente em patamar elevado, mantenha a política monetária vigilante. Esta foi, aliás, a palavra que deu o tom do discurso de Awazu, que iniciou a palestra com a afirmação de que "a política monetária foi, está e deve se manter vigilante".

O diretor também ressaltou a necessidade de coordenação de expectativas. "É muito importante que a sociedade brasileira entenda que seu Banco Central está determinado e comprometido a circunscrever esses aumentos de preços que nós vimos [no início do ano] ao horizonte de 2015".

A recente melhora das projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2016, que caíram de 5,6% para 5,51% na semana passada, foi vista como um sinal importante de avanço nesse processo, embora ainda insuficiente.