Déficit de geração hídrica derruba resultado da Cesp

Valor econômico, v. 16, n. 3757, 16/05/2015. Empresas, p. B2

 Natalia Viri

 Thais Carrança

A persistência do baixo nível dos reservatórios está arranhando os resultados até mesmo de companhias que vinham registrando ganhos com a venda de energia no mercado de curto prazo, a preços bastante elevados. A Cesp, que vinha faturando alto com essa estratégia, viu seu lucro cair 88% no primeiro trimestre em relação a um ano antes, para R$ 104,1 milhões, de acordo com balanço publicado na noite de sexta-feira.

A receita líquida da estatal paulista caiu pela metade no período, para R$ 779,6 milhões. O tombo foi causado principalmente pela redução na energia vendida no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) - que concentra as liquidações no mercado spot. Essa rubrica, que tinha garantido faturamento líquido de R$ 875,6 milhões no começo do ano passado, rendeu apenas R$ 36,3 milhões entre janeiro e março deste ano.

O problema foi o déficit de geração hídrica, o chamado GSF - sigla que tem assombrado os geradores desde o ano passado. Pelas regras atuais do setor, a diferença entre a garantia física das usinas e a energia efetivamente despachada é rateada entre todos os componentes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), mediante compras de energia no mercado de curto prazo. Trata-se de uma espécie de condomínio para dividir os riscos hidrológicos de cada projeto.

Com a falta de chuvas, no entanto, esse risco, que era desprezível quando se observava todo o sistema, passou a causar estragos. A diferença entre a garantia física das usinas e a energia produzida passou de 3,9% no primeiro trimestre de 2014 para expressivos 21,7% no começo deste ano. Assim, mesmo com energia disponível para vender, a Cesp conseguiu apenas compensar em parte o rombo causado pelo risco hidrológico.

De acordo com a companhia, a produção de energia elétrica nas cinco usinas que ainda estão sob sua concessão caiu 21,7% em relação aos três primeiros meses de 2014, para 7,1 mil gigawatts-hora (MWh). O volume gerado ficou 10,6% abaixo da garantia física dos projetos. "A produção atende ao comando do Operador Nacional do Sistema (ONS) e refletiu a decisão de reduzir a geração hidráulica como forma de proteção dos níveis dos reservatórios", disse a direção da Cesp no relatório que acompanha as demonstrações financeiras.

A Copel, por outro lado, ainda se beneficiou da energia não contratada junto a distribuidoras e disponível para a venda no mercado de curto prazo. A estatal paranaense encerrou o primeiro trimestre com lucro de R$ 470 milhões, com queda de 19,4% na comparação anual. Apesar do recuo, o resultado surpreendeu positivamente o mercado, por conta da estratégia de alocação de energia. Mesmo com o déficit de geração elevado do sistema, as vendas líquidas na CCEE somaram R$ 994,1 milhões, alta de 32,4% na comparação anual.

Além disso, a empresa de beneficiou da venda de energia da usina termelétrica de Araucária, que vem sendo acionada em período integral em meio à crise hídrica que atinge o país. Refletindo o balanço, as ações preferenciais classe B (PNB, sem direito a voto) da estatal paranaense tiveram forte alta de 3,79% no pregão de sexta-feira, cotadas a R$ 34,77. O Credit Suisse elevou a recomendação dos papéis de "venda" para "manutenção".

O impacto distinto do déficit hídrico sobre o balanço das geradoras é uma das principais razões pelas quais o setor não entra em acordo sobre uma proposta conjunta junto ao governo para tentar resolver a questão. Enquanto aquelas que estão completamente contratadas junto as distribuidoras registram perdas, algumas, com energia disponível para vender, ainda tem ganhos. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) disse que encaminhará proposta até o fim do mês.

No ano passado, o setor de geração como um todo gastou cerca de R$ 20 bilhões para cobrir a falta de energia em relação às garantias da ordem de 10%. Para este ano, a expectativa é que déficit chegue a 20% e os gastos bilionários se repitam, mesmo com a redução no teto do preço do mercado de curto prazo.