Caixa ajudou a inflar superávit, diz TCU

Valor econômico, v. 16, n. 3748, 05/05/2015. Brasil, p. A4

Murillo Camarotto

O Tribunal de Contas da União (TCU) vai julgar na sessão de amanhã o processo que investigou a apropriação, pela Caixa Econômica Federal, de R$ 719 milhões que estavam depositados em contas encerradas por supostas irregularidades cadastrais. Para os auditores, a contabilização desses valores como receita do banco ajudou a melhorar o resultado fiscal do governo em 2012, manobra que poderá ensejar na reprovação das contas da Caixa e doer no bolso dos 16 gestores envolvidos, entre os quais estão os ex-presidentes Maria Fernanda Coelho e Jorge Hereda. Todos devem ser multados.

O julgamento coloca mais um ingrediente no episódio das "pedaladas" fiscais, nome dado às operações feitas com o intuito de inflar o resultado primário das contas públicas. Há 20 dias, o TCU já havia decidido de forma unânime que o governo usou indevidamente recursos dos bancos federais para realizar pagamentos que são de responsabilidade do Tesouro, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso da apropriação das contas encerradas da Caixa, os técnicos do tribunal identificaram a mesma intenção.

"Ao trazer essa informação, o que se pretende destacar é que o procedimento contábil foi praticado naquele cenário de elevação dos resultados fiscais da União em face da atuação dos bancos públicos", diz o despacho da unidade técnica do TCU, obtido com exclusividade pelo Valor. Além das multas, os auditores recomendaram ao ministro relator, Bruno Dantas, que o atual vice-presidente de Pessoa Física, Fábio Lenza, e o ex-vice-presidente de Controladoria Raphael Rezende Neto sejam proibidos de ocupar cargos de confiança na administração pública.

O processo das contas encerradas será considerado pelo TCU para o julgamento das contas da Caixa referentes a 2012, ainda pendente. Também serão apreciadas as prestações de contas dos gestores responsabilizados. Por conta da multa que eles irão receber, a possibilidade de rejeição é alta.

De acordo com a auditoria, as irregularidades têm origem na aprovação, entre 2009 e 2010, de normas e procedimentos que permitiram a contabilização dos recursos depositados nas contas como se fossem receita própria do banco. A manobra representou um incremento de 15% no lucro da Caixa em 2012, o que acabou se refletindo na distribuição de dividendos ao Tesouro. O TCU lembrou que, naquele ano, o banco repassou 86% de seu lucro líquido em dividendos, contra uma média de 41% nos sete anos anteriores. Em valores, os dividendos somaram R$ 7,7 bilhões em 2012, alta de 110% em relação ao exercício imediatamente anterior.

"No caso em análise, a apropriação irregular de receita no montante de R$ 719 milhões acabou majorando o resultado da entidade, com impacto na distribuição de resultados à União, sem que tal informação fosse adequadamente evidenciada nas demonstrações contábeis, o que demonstra a gravidade do procedimento adotado", diz o parecer técnico.

Entre os gestores citados no relatório, cinco ainda ocupam postos na diretoria da Caixa. Ao lado de outros três executivos, os dois últimos presidentes foram responsabilizados pelo TCU por terem aprovado a resolução que determinava o encerramento das contas e suas respectivas apropriações ao resultado. Maria Fernanda e Hereda não foram localizados para comentarem os achados do TCU.

Alvo da proposta de inabilitação para exercício de cargo público, Fábio Lenza é apontado no relatório como responsável pelo voto que subsidiou a aprovação das resoluções que permitiram a contabilização dos valores. Sobre Rezende - hoje cedido ao Ministério da Integração - recaiu a acusação de ser responsável pelo voto que subsidiou a aprovação das demonstrações contábeis da Caixa em 2012. Para os auditores, "as infrações são graves o suficiente para ensejar a aplicação da pena".

Durante as audiências com os técnicos do TCU, a Caixa alegou ter empreendido, por mais de dez anos, todos os esforços para regularizar as contas. O tribunal, entretanto, argumenta que o problema não está no encerramento das contas, mas no registro dos valores nelas depositados como receita própria do banco. A instituição se defendeu dizendo que todo o raciocínio contábil dessas operações guarda consonância com as práticas do Banco Central, o que, para o TCU, não afasta a irregularidade. Procurada, a Caixa rebateu a informação de que as apropriações tiveram impacto de 15% sobre o lucro líquido de 2012. Segundo o banco, o efeito foi de 7%, montante considerado pequeno em termos de distribuição de dividendos.

A oposição ao governo da presidente Dilma Rousseff vem considerando a possibilidade de usar o episódio das "pedaladas" para embasar uma ação de impeachment. O líder da minoria na Câmara dos Deputados, Bruno Araújo (PSDB-PE), disse que, assim que julgado pelo TCU, o caso das contas encerradas da Caixa será incorporado ao estudo que está sendo feito para o pedido de impeachment. "Esse episódio da Caixa mostra quanto o PT teve que intensificar a criatividade fiscal para viabilizar uma reeleição a qualquer custo", afirmou o parlamentar.(Colaborou Eduardo Campos, de Brasília)