Título: 80% das ações contra o crack ameaçadas
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 10/08/2011, Brasil, p. 9

Secretaria nacional de combate ao uso de entorpecentes estima precisar de R$ 400 milhões nos próximos quatro anos. Com a verba prevista para 2012, apenas 20% das metas serão cumpridas

As políticas públicas previstas contra o crack, tão alardeadas pelo governo federal quando questionado sobre o número cada vez maior de dependentes no país, correm o risco de ficar só no discurso. Principal articulador das ações na área, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) precisa de R$ 400 milhões no Plano Plurianual 2012-2015 ¿ instrumento que programa para os próximos quatro anos quanto, onde e de que forma a União vai aplicar seus recursos. Para o ano que vem, o montante pretendido é de R$ 100 milhões, valor seis vezes menor do que os R$ 16 milhões estipulados no Orçamento de 2012. A queixa foi feita por Paulina Duarte, titular da Senad, ontem, durante audiência pública na Câmara dos Deputados. Segundo ela, com a quantia destinada até agora, nem 20% das ações traçadas de combate ao crack poderão ser realizadas.

"Precisaria de R$ 100 milhões em 2012 e R$ 100 milhões anuais até 2015 para dar conta das ações que acabei de apresentar", informou Paulina. A súplica diante dos parlamentares pode resultar em apresentação de emendas para engordar os cofres da Senad, mas não deixa de demonstrar a inoperância do Executivo ante o assunto. Independentemente da coloração partidária, foi unânime entre os parlamentares presentes a opinião de que a cifra prevista até agora pelo Executivo na elaboração do PPA é ínfima diante do problema. "Com esse orçamento, não dá para fazer praticamente nada. Qualificar profissionais e investir em pesquisas são duas medidas necessárias para se ter êxito na política contra o crack", afirmou o deputado Osmar Terra (PMDB-RS), referindo-se às principais tarefas da Senad.

Correm risco pela falta de recursos, segundo Paulina, várias metas que a Senad tenta atingir desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou uma política de enfrentamento ao crack, em maio de 2009. Uma delas é a implantação de 65 centros regionais no âmbito das instituições de ensino superior para a formação de profissionais de saúde e de assistência social no atendimento a dependentes químicos. Outro projeto, de acordo com a secretária nacional, é a construção de centros colaboradores de tratamento do usuário de crack e de demais drogas vinculados a hospitais universitários. "Já temos dois. Um no Rio Grande do Sul e outro em São Paulo. A ideia é abrirmos mais quatro serviços até 2015", destacou Paulina.

Polêmica Depois de fazer uma exposição clara e objetiva, a titular da Secretaria Nacional Antidrogas foi elogiada na maior parte da audiência pública. O mesmo não se pode falar sobre Roberto Tykanori, da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Apesar de ter ficado pouco tempo na reunião, por ter outro compromisso na agenda, ele acabou alvejado por parlamentares enquanto esteve presente e também ausente. O principal ponto de discórdia é um projeto do ministério no sentido de reforçar ações de prevenção e tratamento a dependentes de crack. Os investimentos serão feitos, inicialmente, em quatro unidades da Federação ¿ Pernambuco, Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro.

Indagado sobre a escolha das cidades para implantação dos pilotos, Tykanori explicou que o critério de escolha foi a presença de cracolândias. "Não significa que vá estancar aí, mas precisamos iniciar de alguma forma. Em um país continental como o Brasil, não é possível implantar uma política em toda a extensão territorial", disse Tykanori, depois de derrubar o copo de água que estava na mesa da comissão. O deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) considerou a estratégia uma afronta aos outros estados que também lidam com o problema das drogas. "Existem dependentes em todo o Brasil, por que só alguns serão contemplados? Isso é um desrespeito com os brasileiros. A menos que haja algum interesse por se tratar de cidades que receberão projetos da Copa e outros eventos", bradou o parlamentar. Ainda sob os protestos de Carimbão, Tykanori deixou a sala da audiência balançando a cabeça, em sinal de contrariedade.

Números variados As estimativas de usuários de crack no Brasil são as mais variadas ¿ vão de 600 mil, como autoridades do governo federal já declararam, a 2 milhões de pessoas, segundo estimativas da Confederação Nacional dos Municípios. Um estudo previsto para ser divulgado no fim do ano, financiado pela Secretaria Nacional Antidrogas, mostrará quantos e quem são os usuários de crack no país. Uma constatação, porém, é unânime. O número de dependentes e cracolândias tem crescido assustadoramente, tanto em pequenas quanto em médias cidades.

O trâmite O Plano Plurianual 2012/2015 está sendo elaborado pelos órgãos do Executivo. A versão final passa pelo aval do Ministério do Planejamento antes de ser encaminhada para o Congresso Nacional, que receberá o texto do PPA até o fim deste mês. Com o PPA, também será enviado o Orçamento de 2012. A Comissão Mista de Orçamento analisa e vota as propostas de gastos futuros do governo entre 31 de agosto e 22 de dezembro. Podem apresentar emendas as comissões permanentes temáticas das duas Casas, as bancadas estaduais e os deputados e senadores, de forma isolada.